No
movimentado saguão do hotel carioca, Sebastian encontrou-se com Gabriela. Ela
havia lhe telefonado propondo um café da manhã juntos e em particular, mas foi
mais uma vez rechaçada. Seria um encontro breve, com ele já carregando a
própria mala. Tudo o que Sebastian desejava era alertá-la de que estava
retornando aos EUA, sem dar detalhes da razão.
-
Lhe peço desculpas pelo transtorno, mas será impossível ir com você para São
Paulo visitar o hotel. Meu procurador aqui no Brasil fará essa visitação, você
pode acompanhá-lo se assim desejar. – Informou à loura rapidamente.
-
Não há necessidade. Eu confio plenamente na sua equipe. Só sinto não poder
acompanhá-lo no retorno. Quero rever amigos e familiares que moram aqui no
Brasil.
-
Eu compreendo. – Sebastian respondeu por educação. Na verdade, não a tinha
convidado para a viagem de volta. Estava a cada minuto mais desconfiado de
Gabriela. Atacarem o apartamento onde instalara Beatriz justo quando ele estava
fora dos EUA à pedido da loura foi coincidência demais.
-
Quando eu voltar te aviso e marcamos um almoço. – Gabriela gritou quando
Sebastian já tinha lhe dado as costas. Ela então já sabia que aquela arma
estava perdida. Ele estava desconfiado e não mais lhe daria chance alguma de
aproximar-se de Beatriz. – Não importa. Conseguirei mesmo assim.
Vestida
de forma recatada e com gestos cuidadosamente delicados, Gabriela entrou na
casa onde hoje apenas Rúbia Benitez vivia. Um desperdício de espaço e dinheiro,
ela pensou. A solidão da velha, no entanto, lhe poderia ser muito útil. Não
seria difícil arrancar de uma idosa carente as informações de que necessitava.
Um beijo na face, uma xícara de chá e alguns biscoitinhos depois, soube
exatamente o que veio descobrir.
-
Se soubesse que ando passando, Gabriela. – A senhora, muito triste, falou
enquanto acariciava o rosto do único filho estampado em um porta-retrato. – Meu
Miguel está enfeitiçado por aquela policial. Ela tratou de tirá-lo de casa. E
estão morando num apartamento minúsculo.
-
Ele vai ser pai...
-
Sim. E com duas mulheres diferentes! Alejandra e Elizabeth dizem esperar filhos
de meu Miguel.
-
Dizem?
-
É...de Alejandra não tenho dúvidas, é uma mulher íntegra. Mas essa
policial...não tem berço, você me entende, não dá para confiar. Ela pegou meu
filho pela cama, não deve ter ficado sozinha quando eles brigaram. E aí usou a
barriga para enlouquecê-lo novamente. Ele voltou feito um ingênuo.
-
Me entristeço, titia. Mas quem saber será mesmo seu neto e eles serão felizes.
Talvez Elizabeth só precise de um pouco de carinho. Eu soube do que aconteceu
com sua irmã. Muito triste.
-
É! Eu soube. E isso a tornou mais obsessiva! Acredita que mesmo grávida ela
arrastou Miguel para Rússia para investigar por conta o desaparecimento da
irmã? Ela sequer pode porque não é a Polícia Federal que cuida desses casos!
Mas como sempre aquela lá só faz o que bem entende! E Miguel foi, é claro.
Abandonou toda a BTez para seguir a esposa e impedir que coloque o bebê em
risco. Pobre de meu Miguel.
-
Ela foi pra Rússia... - Gabriela já sabia de tudo aquilo, queria apenas uma
informação. – Mas encontrou a irmã? Ou será que agora ela desiste?
-
Que nada! – Rúbia reafirmou. – Miguel não me conta mais nada...mas tenho minhas
informantes dentro da empresa. A secretária de Miguel me contou que ele passa
muito tempo fora, com Elizabeth, envolvido em uma investigação particular que
estão fazendo. O chefe dela não sabe.
-
Nossa! – Gabriela fez seu ódio soar como surpresa. – Talvez ela encontre alguma
pista então.
-
Não duvido. Por mais que desgoste dela, tenho de reconhecer sua obstinação. Ela
não descansará enquanto estiver distante da irmã. Meu medo é que acabe ferindo
esse bebê, que pode mesmo ser meu neto.
-
Que lástima, titia. – Pela barriga, Elizabeth já deveria estar no final da
gravidez. Então Gabriela teve uma ideia. – Acho que vou visitar meu primo então
titia. Será que o encontrarei na empresa?
-
Não sei...vive em casa cuidando da esposa. Mas lhe dou o endereço.
-
Obrigada, titia.
Cuidar
de Elizabeth, porém, teve de esperar. Primeiro ela precisaria dar um jeito no
problema mais urgente. E esse chamava-se Gregory. Ao que parecia, Elizabeth
poderia ter feito bem mais ligações do que ela imaginava. E já havia uma hipótese
dela ter chegado ao seu nome. Era necessário tomar atitudes mais enérgicas.
-
Alô. – Em uma única ligação para a pessoa certa ela começou a resolver seu
problema mais urgente. – Teremos de adiantar os planos...não...já disse que não
tem como esperar! Ainda hoje o serviço tem de ser feito. Não sei como! Mas
faça!
A
segunda ligação foi para Rússia. Para ter certeza de que sua segunda ameaça
estava controlada. Vinha pensando em dar a ordem fatal à Samantha, mas a ideia
de tê-la trabalhando na rua, numa constante humilhação, era por demais
tentadora.
-
Otto, como está minha hóspede especial?
-
Trabalhando. E muito. Eu realmente entendo porque Gregory a quis só pra si.
Aquela morena tem um fogo nos quadris que derruba qualquer um. – O gerente da
boate respondeu.
-
Só espero que não derrube você!
-
Estou vacinado dela, não se preocupe.
-
Ela está trabalhando na rua ou no salão?
-
No salão. E rendendo muito. Não tem uma noite que pelo menos dois não a
disputem. Ela sabe arrancar dinheiro deles.
-
Coloque na rua, na mais barata que tiver. Já disse que desejo o pior para ela.
-
Não estou passando para ela nenhum príncipe encantado, até porque esse não é
meu público. Ela está abrindo as pernas para dois, às vezes três, por noite.
Todos sem muita instrução nem delicadeza. E nos rendendo bom dinheiro.
-
Coloque-a na rua. Já falei e não vou repetir mais. E prepare-se para por fim
nela em breve.
-
Por quê?
-
Ela só me interessava viva por Gregory, se precisasse dominá-lo. E amanhã esse
problema não existirá mais.
Otto
obedeceu e ordenou que Samantha fosse para a rua encontrar clientes. Se na
boate a clientela era ruim, porém conhecida, na rua poderia surgir qualquer
pessoa. E o programa ocorrer em qualquer lugar, fosse um beco escuro ou hotel
de péssima apresentação. O resultado disso foi muito desagrado para Samantha,
mas ela já havia entendido que reclamar era pior. Então vestiu-se com as roupas
que lhe deram para aquela tarefa e foi à rua, torcendo para conseguir fazer
disso uma oportunidade.
Usando
meia arrastão e um vestido que pouco deixava à imaginação, ela ocupou um ponto
na calçada e passou a atrair olhares. Muitas mulheres ofereciam o corpo naquela
rua movimentada por homens que buscavam por sexo barato. Um programa ali valia
quatro vezes menos que na boate, que já era menos que na casa de alto padrão
que ela liderou junto de Gregory. Na Noxotb, a rua servia apenas para um
castigo. Mostrar quem mandava e quem deveria obedecer. E deixar claro que sempre
havia um destino pior.
Mas
ali não. No seu caso, ela soube assim que colocou os pés na rua que seria uma
oportunidade. Já estivera do outro lado. E sabia o quanto era difícil controlar
uma mulher na rua. O cliente é quem manda, o que significa jamais saber para
onde iriam ou o que falariam a sós. O desafio dela seria encontrar o cliente
certo.
O
primeiro que apareceu, no entanto, servia apenas para passar tempo. Um
operário, garotão, com bastante fogo dentro das calças e pouco dinheiro nos
bolsos. Levou-a para um quarto próximo, jogou-a sobre um sofá e fez tudo o que
precisava rapidamente. Poucos minutos depois ela estava na rua, com algum
dinheiro preso na calcinha e a necessidade de encontrar alguém que oferecesse
oportunidades. Não esperava ser reconhecida por um homem que não via há muito
tempo. Muito menos que ele tivesse intenções além da cama.
-
Samantha...não posso negar a surpresa que sinto. Vi o escândalo do fechamento
da Noxotb, imaginei que estava presa, fugida, ou talvez morta. Mas jamais
imaginei isso! Na rua...Samantha, que decadência hem? Quanto você está
custando? Será que um trocado paga?
-
Nikolay! – Um antigo parceiro
de Gabriela, Gregory certa vez lhe contou, que tornara-se um concorrente. – É,
vivemos tempos difíceis. É uma surpresa encontrar você...mas tenho que trabalhar.
Sabe como é...
- Sei, sei sim...Mas estou
interessado em conversar mais com você. – Ele se aproximou, passou o braço por
sua cintura e beijou-lhe o pescoço. – E estou disposto a pagar.
Samantha conhecia histórias
horripilantes cujo protagonista era Nikolay. Um russo com negócios escusos na
Rússia e na Grécia. Alguns diziam que Gabriela o tinha nas mãos e por isso ele
jamais a entregou para a polícia. Outros tantos comentavam que na realidade era
porque se a derrubasse, estaria prejudicando os próprios negócios. Eles eram
iguais. Na frieza, na covardia e na ganância. A diferença é que para não
concorrerem diretamente, Nikolay atuava na Grécia com prostituição e no tráfico
de drogas sintéticas da Europa para a América Latina, Gabriela dominava a prostituição
na Rússia. Funcionou, por algum tempo. Agora ele começava a pensar que Gabriela
cairia e essa seria a sua oportunidade de tomar o mercado dela.
- Sim, faz tempo que não nos
vemos...desde...aquela viagem. Nos encontramos no seu apartamento na Grécia, eu
estava com Gregory...e você também acompanhado. Como se chamava a menina?
- Não interessa. – Ele respondeu
seco demais. – Ela não existe mais. Agora vamos.
- Pra onde?
- Pra onde eu quiser. – E puxou-a
pelo braço sabendo que alguém a vigiava para garantir que não fugisse.
Quando
enfim chegou à sua casa, já ao passar pelos portões Sebastian percebeu um clima
diferente no ar. Antes de abrir a porta principal já ouvia as risadas de Luísa.
Assim que entrou no cômodo pôde observar a menina sentada no chão da sala
mostrando cada uma de suas muitas bonecas para a nova moradora da casa. Beatriz
brincava com a menina e acariciava uma das bonecas. De olhos fechados, ela não
percebeu a chegada de Sebastian. E ele notou sua emoção. Pensava na filha
deixada no Brasil, ele imaginou. Com olhos apurados, não demorou a perceber a
marca escura na lateral de seu queixo, nem o leve inchaço num dos pulsos. Ela
estava ferida, e ainda assim estava linda, vestida de forma muito simples e sem
nenhuma maquiagem no rosto.
-
Filhinha, só não esqueça que Beatriz não é uma de suas bonecas. – Sebastian disse
quando a pequena levantou-se dizendo que planejava fazer um penteado em sua
mais nova amiga.
Ao
ouvir sua voz, Beatriz abriu os olhos e ergueu-se do chão. Não soube se deveria
manter-se fria e sem tocá-lo ou se podia atirar-se em seus braços como desejava.
Lidar apenas com Luísa era bem mais fácil. Apesar de curiosa e cheia de
perguntas, era fácil desviar da garotinha tão carente de atenção. Já de
Sebastian era praticamente impossível fugir.
-
Nós estamos brincando, papai. Ela tem o cabelo bonito né? – Luísa respondeu.
-
Sim. Muito bonito. – Sebastian beijou a filha. Mas então precisou tirá-la da
sala. – Onde está a vovó filha?
-
Cozinhando com a Clare. Elas querem fazer a receita de bolo de chocolate da
Bia. – A garotinha adorava falar. E Sebastian estava surpreso com sua disposição.
– Deve tá muito gostoso.
-
Deve. O bolo da Bia e muito bom. Porque não vai lá na cozinha ver se já está
pronto.
-
Mas não tem nem cherinho de chocolate ainda.
-
Mesmo assim, vai lá filha.
Sebastian
enfim conseguiu ficar sozinho com a amante, tão perfeita na sala de sua casa e
brincando com sua filha, mas, ainda assim, apenas sua amante. Estendeu a mão
para que ela deixasse o chão e viesse lhe abraçar. Sentiu o perfume de seus
cabelos e ficou feliz em vê-la menos arrumada do que normalmente o esperava no
apartamento. Preferia aquela versão mais honesta da mulher mais bela que já
conhecera na vida. Não soube o que fazer, no entanto, quando tudo que os
cercava transbordou dentro dela em forma de lágrimas. Sebastian continuou
abraçando-a enquanto ela chorava silenciosamente.
-
Passou, não precisa ter medo. – Ele disse suavemente. – Você reconheceu aqueles
homens?
-
Não...mas devem ser de Gregory. Só pode.
-
Impossível. A boate não existe mais. Foi fechada pela polícia brasileira meses
atrás...logo após eu tirá-la de lá. – Sebastian disse e viu Bia empalidecer. –
O que houve? Senti-se mal?
-
Polícia brasileira, você disse?
-
Sim. Uma investigadora policial lidera a investigação. Parece que uma série de
mulheres do seu país vem todos os anos para boates como a Noxotb.
Só
podia ser Liz, Beatriz pensava. Há anos ela tentava pôr fim em crimes desse
tipo. Elizbeth estivera na Noxotb logo depois ela ter saído de lá para viver ao
lado de Sebastian. Ela poderia estar em casa agora, ao lado de Eva e de Liz. E
Sebastian...ele estaria preso. E essa ideia lhe doeu no peito. Tudo aquilo fez
com que Beatriz senti-se as pernas enfraquecerem. Não se reconhecia mais, não
sabia mais como levar sua vida. Não conseguia imaginar-se de volta ao Brasil e
trabalhado numa redação, sem ter Sebastian por perto. Mas também não poderia
seguir naquela vida indefinidamente, não era uma propriedade dele.E precisava
rever sua família.
-
Beatriz! – Sebastian assustou-se. – O que tem? Há algo que precisa me contar? Fale...por
favor. Confie em mim.
Confiar
no homem que fez negócios com Gregory, que ajudou a financiar alguns dos
horrores que viveu naquele lugar, que comprou-a disposto a lhe escravizar e que
lhe mantinha sob vigilância era impossível. Mesmo que dentro de seus olhos
visse a mais completa preocupação e que essa vigilância tenha lhe salvado a
vida.
-
Não tenho nada para contar...só estou em choque com tantas coisas. – Ela mentiu.
-
Claro...vamos subir. Tomar um banho juntos e relaxar. Você se sentira melhor. –
Sebastian fingiu que acreditou.
Eles
relaxaram na banheira, entre carinhos que não foram sexuais. Essa era a
primeira vez que se encontravam sem desejar sexo, que experimentavam uma rotina
de casal. Sebastian a tirou da água, secou e colocou sobre os lençóis de sua
cama. Não as de um hotel, mas a sua cama. Mulher alguma dormiu ali após o fim
de seu casamento. Ainda assim, parecia certo ter Beatriz entre aqueles lençóis.
-
Fico feliz que esteja aqui. – Confessou a ela.
-
Aqui na sua cama?
-
Não. – Ele estava sendo mais sincero do que por toda a sua existência. – Aqui na
minha vida. Aqui na minha casa, com minha mãe e Luísa. Essa casa não ouvia
sorrisos há bastante tempo.
Dormiram
abraçados e sem transar. Sebastian pensou que teriam tempo para isso ao
amanhecer. Agora que ela estava ali, teriam tempo para tudo no momento em que
desejassem. Jamais permitiria que lhe tomassem Beatriz. Jamais poderia ficar
sem ela.
Naquela
manhã Elizabeth deixou o apartamento em que vivia com Miguel sem esperá-lo. Saiu
ouvindo seus gritos de que precisava manter a calma e se cuidar. Afinal, na
entrada do oitavo mês de gravidez e bem mais inchada do que deveria, ela não
estava em condições de suportar a carga emocional que seu trabalho por vezes
exigia. E esse era um desses momentos.
Elizabeth
fora acordada pela notícia de que sua testemunha fora morta dentro do presídio,
durante uma briga com outro detento devido a uma facada no pescoço. Elizabeth já
levantou-se da cama aos gritos, vestindo as roupas um tanto apertadas enquanto
engolia um sanduíche e dava instruções a Rebeca. Aquilo não ficaria impune.
Alguém, mais uma vez, tentava lhe impedir de chegar na verdade, de chegar em
sua irmã.
-
Quero saber tudo sobre essa briga. E sobre esse outro preso. – Avisou.
-
A carceragem diz que ele é violento mesmo e...
-
Não! – Elizabeth gritou em resposta. – Não aceitarei isso. Vão ao inferno com
suas explicações. Eu mesma falarei com esse homem. E quero saber que visitas
ele teve. Qualquer contato com o mundo externo. Ele matou minha testemunha!
Minha chance de pegar Gabriela. Que inferno!
-
Acalme-se Elizabeth. Pense no seu filho...
-
Quer me acalmar, Beca? Faça o que estou mandando!
-
Já estou fazendo. – Rebeca conhecia bem demais a colega para se ofender com seu
jeito. – E descobri que Sebastian já retornou aos EUA. Foi ontem ainda pela
manhã. Mas Gabriela segue no Brasil. Não sei bem porque.
-
Eu sei...dar fim a Gregory era um compromisso inadiável pra ela. – Enfim ela
começou a se acalmar. – Mas tudo bem. Ela
está agindo com pressa agora, eu a tirei do sério. Vai deixar rastro. Conseguiu
investigar Sebastian.
-
Sim. Te apresento um relatório assim que chegar na PF.
-
Ótimo, estou indo.
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