Havia
apreensão na voz de Sebastian. Já sozinho no quarto onde, minutos antes,
Gabriela tentava enredá-lo em sua sedução, depois de mandá-la embora, ele
ansiava por notícias de Beatriz. Mais uma vez, seu corpo antecipou haver algo
de muito errado, fora essa ansiedade que levou-o a despachar Gabriela e ligar
repetidas vezes para Francisco. E então, para seu desespero, percebeu que não
se tratava apenas de uma obsessão sem razão.
-
Fale Francisco! Preciso saber de Bia! – Sebastian gritou.
Coube
ao antigo funcionário explicar, mesmo que em poucas palavras, a trágica
madrugada vivida nos EUA. Cumprindo as ordens de Sebastian, ele havia comprado
suprimentos para Bia e jantado junto dela, depois retirou-se e foi ao próprio
apartamento. Quando já havia atravessado a cidade e chegou na própria casa, foi
pegar sua mochila no porta-malas do carro e viu que uma sacola das compras
havia sido esquecida. Nela, produtos de higiene pessoal como xampu e
absorventes. Pensando que talvez Beatriz fosse precisar, resolveu voltar e
entregar para ela, já que no apartamento não havia telefone e não poderia lhe
perguntar se tinha urgência nos produtos.
Logo
quando chegou ao estacionamento do prédio notou três motos grandes e estranhas
no estacionamento. Os olhos treinados e a quantidade de vezes que vinha ali o
ajudaram a concluir que aqueles veículos nunca haviam estado ali. O arrepio na
espinha piorou quando foi utilizar o elevador privativo e percebeu que ele
estava parado na cobertura. Depois que ele saiu, alguém havia subido até o
apartamento. Com a mão segurando na arma que trazia escondida na cintura, subiu
e viu o corredor que levava a uma única porta em completo silêncio e ordem. Mas
sons estranhos vinham do outro lado. Eram coisas se quebrando e vários gritos.
Com
um chute na porta e arma em punho, Francisco entrou no apartamento e viu
Beatriz prensada contra a parede, com um homem mascarado lhe apertando a
garganta. Outro estava do lado oposto da sala, jogando tudo no chão, numa clara
demonstração de que planejavam fingir um assalto. Obviamente, pensou Francisco,
não se tratava disso. Seria mais fácil assaltar qualquer outro local. Sem dar
tempo para eles reagirem, Francisco atirou contra o homem que segurava Bia, no
exato momento em que ele virou surpreendido pela abertura da porta.
-
Solte ela! – Gritou.
O
homem não teria lhe soltado apenas pelo comando. Mas sentiu o sangue escorrer
por seu abdômen e não teve alternativa se não libertá-la e sacar a própria
arma. O parceiro também atirou e em meio ao fogo cruzado Beatriz se abaixou e
aproximou-se da porta. Já no corredor, temeu por Francisco. Não lhe parecia
justo abandonar quem veio lhe salvar. Porém, sabia que ele tinha condições de
se defender. E depois de rolar pelo chão e lutar com aquele brutamontes, estava
com o corpo dolorido demais para tentar qualquer ato de bravura.
-
Corra Beatriz. Não sou eu quem eles querem. – Francisco falou e Bia obedeceu
sem mais vacilar.
Beatriz
preferiu descer todos os andares pela escada, com receio de alguém estar
aguardando no térreo. Mesmo de pés descalços, levou vários minutos para vencer
toda a decida e quando enfim chegou à portaria, passou reto pelo porteiro
perguntando-se como aqueles homens passaram por ele. Chegou a rua e a viu
deserta, e ficou ali estática, sem saber o que fazer. Aquele era a primeira vez
em muitos meses que estava sem ninguém lhe vigiando. Não tinha noção de em que
parte da cidade estava nem de onde encontraria uma delegacia de polícia. Estava
suja e esfolada da luta com os bandidos, sem documentos, confusa e com muito
medo.
-
É...a minha chance de fugir de tudo isso. De fugir dele. – Ela disse, mas seus
pés não se mexeram. – Eu...vou...vou deixar Sebastian e ir na polícia. Vou...
Beatriz
deu alguns passos e já na rua, próximo do meio fio, saiu da frente do prédio.
Queria andar pela rua até encontrar uma viatura policial e usar de sua fluência
em inglês para relatar tudo o que lhe aconteceu, do sequestro no Brasil até
aquele aprisionamento. E então, quando fosse descoberto quem era o proprietário
daquele apartamento, Sebastian seria preso por mantê-la em cárcere privado. E
isso é o correto. Porque ele lhe comprou. Ele pagou por uma mulher e isso é
crime, sua consciência lembrava. Os pés, porém, não obedeceram. E ela ficou
ali, na lateral do prédio, escondida, com medo de ser vista pelos bandidos
quando saíssem. Eles passaram correndo minutos depois. Um ajudava ao outro, que
estava ferido, a caminhar até um carro estacionado do outro lado da rua. Eles
dispararam pela noite e só muito tempo depois Francisco saiu, correndo, parecendo
procurá-la.
-
Estou aqui, Francisco. Você está ferido?
-
Não muito. Um deles me golpeou na cabeça. E aí aproveitaram para fugir.
-
Eles saíram faz tempo. Devem estar longe.
-
Vamos para o meu carro então, vou ligar para o patrão. Você não pode mais ficar
aqui. – Francisco colocou-a na segurança do carro e se afastou para contar a
Sebastian tudo o que acontecia.
Já
ciente do risco de Beatriz e Francisco correram e tentando entender porque
alguém invadiria aquele apartamento, que ele mantinha com tanta descrição,
Sebastian teve de decidir rapidamente como agir. Colocar a amante em um hotel
seria arriscado demais. Porém, em hipótese alguma, ela poderia ficar no mesmo
apartamento, agora conhecido de pessoas que desejavam seu mal.
-
Ela está machucada? – Isso é o mais importante. – Precisa de atendimento
médico?
-
Acho que não...está um pouco lanhada, parece que rolou pelo chão e bateu no
cara.
-
Ótimo. – Sebastian relaxou e então pode sorrir. – É uma grata surpresa saber
que Bia não é tão indefesa quanto pensei.
-
Na verdade, talvez o problema seja exatamente esse, patrão. Você não sabe nada
a respeito dela. Sebastian...essa invasão foi muito estranha. Está na cara que
não se trata de dinheiro. Esses homens desejavam levar Beatriz, ou matá-la.
-
Eu sei...vou cuidar disso. Tem muitas coisas estranhas ocorrendo.
-
Você precisa investigar o passado de Beatriz. Desde o início me disse que ela
não era como as outras prostitutas, mas isso agora está longe demais!
Sebastian
até poderia, mas não se aborreceu com o comentário do funcionário de tantos
anos. Ao contrário, pensou que somente Francisco o conhecia tanto a ponto de
compreender e não julgá-lo pela confissão que estava prestes a fazer.
-
Eu jamais desejei saber do passado de Beatriz porque desconfio que ele irá nos
separar. Eu sempre soube que há um segredo em torno dela, algo que Gregory me
escondeu desde a primeira vez que resolvi tê-la para mim durante algumas horas.
Ela é incomum, eu percebi logo. Ela me olhava de forma estranha, observadora,
analítica. Ela é mais inteligente que vários dos meus executivos. Seja o que
for que ela esconde, vai tomá-la de mim. Eu sei que vai.
-
Mas não há alternativa. A segurança dela está em risco. – Francisco lembrou.
-
Isso nunca! Leve-a para minha casa, mas antes faça com que ela esteja
apresentável. Vou avisar minha mãe e inventar uma desculpa qualquer...direi que
seu apartamento teve de passar por uma reforma urgente no encanamento. A casa é
cercada da melhor segurança e quero que você permaneça por lá até eu voltar.
-
E isso ainda demora?
-
Não! Vou adiantar meu voo. Diga para Beatriz ficar tranquila, que em algumas
horas estarei junto dela. E que prometo que ninguém a machucará.
Sebastian
desligou o telefone e ficou sentado na mesma poltrona por várias horas. Deveria
ir dormir, seu corpo estava cansado, a cabeça latejava, a mente não parava de
pensar. E os caminhos que aqueles pensamentos tomaram não o agradaram. Várias
conexões o estavam preocupando. Em toda a sua vida, jamais acreditou em coincidências.
E a aproximação de Gabriela cada vez mais lhe gerava calafrios. Agora, o
aparecimento do primo dela à sua frente em uma festa soava ainda mais curioso.
Ainda mais porque teve a clara impressão de que a mulher grávida que o
acompanhava parecia analisá-lo com uma frieza cirúrgica.
Sem
mais alternativa, tomou atitudes práticas. Avisou sua mãe da ida temporária de
Bia até a residência oficial da família. Como já desconfiava, apesar da hora
avançada, Angelina adorou a novidade. E sequer desconfiou da desculpa inventada
pelo filho. Ou, resolveu que a mentira tinha uma boa causa.
-
É lindo ver que enfim uma mulher foi capaz de trazê-lo de volta ao mundo real,
meu filho. – Angelina lhe disse.
-
Eu sempre estive nele, mamãe.
-
Não. Quem vive sem amor, não vive de verdade. E se Beatriz conseguiu fazê-lo
viver, ela merece toda a minha hospitalidade.
Quando
desligou, Sebastian seguiu para a próxima tarefa, sem analisar a declaração da
mãe. Estava tentando não colocar rótulos no que sentia por Beatriz e ater-se às
atitudes práticas. A ligação seguinte foi para o investigador a quem costumava
recorrer com relativa frequência. Fora ele quem preparou o relatório a respeito
de Gabriela. Agora lhe tinha uma tarefa bem mais difícil. Aprofundar as buscas
quanto a loura e estender aos demais Benitez, em especial Miguel e a esposa. E,
para não deixar nada de fora, a empresa.
-
É bastante coisa, Sebastian. Não será rápido. – O detetive explicou.
-
Eu sei. Mas não demore nem um minuto além do necessário. Preciso dessas
respostas urgentemente.
Em
um quarto próximo, Gabriela também fazia ligações. Ela já sabia da ação
frustrada em que, não apenas Beatriz saíra viva da emboscada como um de seus
homens estava ferido e agora Sebastian teria ainda mais cuidados com sua
amante. Aquilo não poderia ter acontecido. Seu maior temor era Sebastian
desconfiar do plano e, investigando-a, fazer ligações perigosas. Pela primeira
vez em tantos anos atuando naquele ramo, percebia estar se expondo demais.
-
É incompetência demais! Matar uma única mulher é tão difícil assim? Vocês só
tinham de acertar um tiro na testa dela. Simples! Qual a dificuldade?
-
Ela escapou porque o cara...
-
Um mísero motorista! Matassem também!
-
Ele luta bem e estava armado! – O homem ferido, com dor e recém costurado por
um médico que fazia serviços ao grupo sem avisar as autoridades, também estava
irritado e disposta a discutir.
-
Eu não sabia que ele era um segurança treinado! Mas vocês deveriam superá-lo
com facilidade. Que seja! Agora só resta se esconderem até a poeira baixar. Não
estranharia se Sebastian resolvesse tentar encontrar vocês. Ele parece apegado
demais na vagabunda. – Já bastante assustada com o risco daquilo tudo, Gabriela
arrependia-se de não ter matado Beatriz no primeiro dia. – Vão sumir os dois.
Mas também me ajudar em duas coisas.
-
É só falar. – O homem, leal à Gabriela, respondeu.
-
Vão para Rússia e fiquem próximos da boate de Otto. Samantha foi enviada para
lá, mas é ardilosa demais. Ajudem ele a lhe dar um tratamento especial e, se
qualquer coisa estranha acontecer dêem cabo dela.
-
E Gregory? O que foi feito dele?
-
É juntamente por ele que ficarei no Brasil por mais alguns dias. Ele esteve
hospitalizado por bastante tempo, mas agora está ao acesso na polícia brasileira.
Vou resolver isso definitivamente antes que ele fale algo comprometedor aquela
policial sem noção do perigo. Mas Samantha não deve saber disso.
Sem
saber que sua testemunha estava prestes a morrer, na manhã seguinte ao festa em
que ficou cara a cara com Sebastian Gonzáles, Elizabeth carregou sua pesada
barriga até o presídio que agora servia de casa a Gregory. Encontrou um homem
bem mais debilitado do que na primeira vez em que conversaram. Já tinham
conversado após ele se recuperar o tiro e da cirurgia, mas os últimos dias não
parecerem lhe fazer bem algum.
Ele
estava abatido e revoltado. Talvez porque a quadrilha não tenha lhe oferecido
ajuda. Ainda assim, ele não parecia disposto a abrir a boca. Já desconfiando
disso, Liz passou na banca de jornal e levou ao encontro uma arma especial.
-
Perdeu seu tempo, investigadora. Não tenho nada a lhe dizer.
-
Do meu tempo, Gregory, cuido eu. E eu tenho algumas coisas para lhe dizer.
-
Pois diga...se é tão insistente assim, diga de uma vez.
-
O que você faria se eu lhe disse que já sabemos quem é a mulher que coordena
tudo? Que sabemos a quem você obedeceu por todos esses anos? A mulher, ouviu
bem?
Gregory
deixou transparecer apenas um leve apertar na mandíbula. E isso bastou para
garantir a felicidade de Elizabeth. Estava certa.
-
Eu diria que você está demente, investigadora. – Ele afirmou. – Acho que
deveria parar de mexer nisso. Seria mais seguro para você...e seu filho.
Ignorando
a ameaça velada, Elizabeth voltou ao ataque. E, diante do abandono que a
quadrilha lhe oferecia, jogou sua cartada na mesa e abriu o jornal na coluna
social. Na foto, Sebastian e Gabriela, desembarcando no aeroporto dois dias
antes.
-
Ontem houve uma festa muito elegante no Rio de Janeiro, Gregory. Muito
champanhe e muita gente rica. Inclusive esses dois aqui. Sebastian Gonzáles e
Gabriela Alencastro. Eu me pergunto...estando tão próximos de você, será que
seus amigos virão lhe visitar?
-
Não sei do que está falando! – Ele gritou, completamente fora de si. Enquanto
ele estava preso, Gabriela bebia champanhe em um jantar de gala.
-
Sabe, Gregory. A corda arrebentou no mais fraco, como sempre acontece.
-
Sua vadia desgraçada! Não vou cair na sua! Não vou.
Elizabeth
resolveu lhe dar algum tempo. Que ele sofresse com aquela imagem mais um pouco.
-
Está bem. Se prefere assim, você fica preso, sua esposa...como chama...a
Samantha...fica perdida por aí em algum lugar enquanto ELA segue no poder. Você
faz a sua escolha Gregory! – Liz disse e saiu da sala, deixando o jornal para
ele, como uma recordação.
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