Quando Ariella percebeu já estava
beijando o marido desesperadamente, como se sua vida fosse acabar naquele
instante. Não queria pensar em qual sentimento ou instinto levava-a a fazer
aquilo. Ela desejava apenas fazer exatamente o que fazia. E iria, até o fim,
sem se deixar parar por medos ou preocupações.
Diego estava em êxtase. Por quase onze
longos anos desejou ter a chance de tocar Ariella novamente e agora conseguia.
Quando o amanhã chegasse, talvez ela não se sentisse tão liberta e ficasse
furiosa com sigo mesma. Talvez o acusasse de se aproveitar de suas fraquezas.
Mas e as fraquezas dele? Era impossível resistir quando tudo o que precisava
era justamente dela.
Nenhum dos dois teve paciência para
esperar ou acarinhar o outro por horas sem fim.
Uma década representava muito tempo, ainda mais para quem amava e estava
distante da fonte daquele sentimento. Um beijo roubado na madrugada era pouco
para tanta saudade e desejo. Ariella era outra mulher, Diego percebia em seu
cheiro e seus toques. Ele notava a desenvoltura e desinibição de seus toques.
Hoje ela não mais era a menina inexperiente do passado e essa certeza o
incomodou. Aquela desenvoltura certamente fora desenvolvida nos braços de outro,
ou outros. Ele decidiu não pensar nisso. Agora Ariella pertencia a ele
novamente.
- Diga se algum outro já te fez sentir
assim? – Diego cobrou quando ela respondeu com um gemido ao senti-lo colocar a
mão dentro de sua calcinha. – Diz.
- Não, ninguém nunca conseguiu. – Ela
respondeu, fazendo crescer o ego e o desejo do ex-marido.
- Você está vestida demais. Vamos tirar
essa roupa.
- Apague a luz e feche a cortina.
Agora. – A afirmação foi dita em tom de comando, sem deixar margem para nenhum
argumento.
- Por quê? Você é linda, mora numa
praia e pelas marcas de biquíni que vejo, não sente vergonha de olhares
indiscretos. Duvido que agiu assim com outros amantes. – Diego ousou
questionar.
- Ninguém na praia me conheceu como
você, quando minha pele era lisa e livre de cicatrizes. Nenhum deles tem
lembranças de como eu era há 11 anos.
Aquilo doeu em Diego. Nunca tinha visto
suas cicatrizes, mas conhecia cada uma delas pelos relatórios dos médicos que a
atendiam. Sabia que além das marcas físicas, o acidente poderia ter lhe deixado
rastros psicológicos. Mas como Ariella jamais se fechou para o mundo e por
diversas vezes posou para revistas mostrando sua beleza, nunca havia imaginado
que ela se envergonhava do próprio corpo.
Pensando em não estragar aquela noite,
decidiu fazer o que ela lhe pedia. Apagou as luzes, fechou a cortina e, já na
penumbra, tirou cada peça das próprias roupas. Depois voltou aos braços de
Ariella e despiu-a com carinho e cuidado. Ao toque, as cicatrizes estavam lá,
mas não o atrapalhavam em amá-la.
Sentia em Ariella aquele mesmo desejo,
aquela mesma sensação de libertação. O corpo dela o desejava, aceitava ser
feliz junto dele, nos braços dele. Mesmo que a mente dela não reconhecesse,
eles se encaixavam perfeitamente. E quando enfim uniu seus corpos, encontrou no
grito de prazer dela a própria felicidade. Se pudesse, pararia o tempo naquele
instante apenas para poder seguir com ela, dentro dela, sem nenhuma outra
preocupação. Quando o auge do prazer chegou ao fim, porém, descobriu uma nova e
voraz alegria, a de sentir Ariella explodir em prazer para depois relaxar sobre
seu peito. E juntos esperaram o sono chegar.
Depois da paixão com ares de
tempestade, o sol carioca chegou para acordar Diego escapando por uma fresta
aberta da cortina. Ele ficou observando-a dormir sem acreditar no que haviam
feito. Veio para o Brasil para proteger Ariella, mas tinha que reconhecer que
se quisessem, teriam entrado na casa e os feito refém sem ele sequer perceber,
de tão inebriado que se encontrava. Claro que havia deixado pessoas de sua
confiança observando de longe a casa. Jamais brincaria com a segurança de
Ariella, mas sequer pensou nisso enquanto estiveram perdidos na paixão. Certo
que ela estava bem, deixou o quarto e foi dar um mergulho na piscina aberta,
que se rendia ao mar.
O sol estava alto quando Ariella
realmente acordou. A noite havia sido longa e movimentada e ela não tinha
vontade alguma de encarar a realidade. Sua vontade era ficar na cama até ter
certeza de que seu ex-marido já estava de volta á Espanha, assim não teria de
encarar as consequências do que havia feito. Ele tinha outras intenções, no
entanto, claramente tinha outras intenções. Não fora o sol a acordá-la, mas o
leve abrir da porta e a entrada de um homem belo, lindamente despido e com um
sorriso aberto no rosto enquanto carregava uma bandeja com o café da manhã. Ele
largou-a sobre a mesa, abriu completamente a cortina e, sob o alcance dos
raios, jogou-se sobre a cama para beijá-la antes de dizer qualquer palavra.
- Chega a ser pecado você ficar tanto
tempo nesta cama quando há um sol tão lindo à sua espera.
Ariella ficou sem palavras, aceitou
seus beijos sem saber o que dizer ou como reagir. Ficou com vergonha e tratou
de cobrir-se com o lençol. Era constrangedor ter na sua cama um homem que não
fazia parte de sua vida há uma década e que, ainda assim, era quem a conhecia
mais intimamente no mundo. Sentiu-se sufocada por ele. Física e,
principalmente, emocionalmente. Sentia que estava se afogando numa felicidade
falsa, porque não tinha alicerces sinceros.
- Pare Diego. – Enfim ela o empurrou. –
Obrigada pelo café. Mas eu quero me levantar, me vestir e depois conversamos.
Preciso de privacidade, por favor.
Ela estava tentando se fechar
novamente. E Diego pensou se deveria ou não permitir isso a Ariella. Não tinha
o direito de tomar decisões em nome da ex, porém tinha o dever de tentar
libertá-la de dores do passado. Dores pelas quais ele era o responsável.
- Levante, pegue sua roupa e vista. Não
vou impedi-la nem forçá-la a nada. – Jamais faria algo assim. – Por mais que
ver seu corpo mexa comigo.
- Saia, por favor.
- Não se esconda, por favor. – Ele
respondeu. – Você é a mais bela mulher que eu tive o prazer de conhecer. Com ou
sem cicatrizes.
Ariella não desejava ter com ele,
naquele momento, aquela conversa. Entre outros tantos assuntos difíceis, esse
era o pior. Aqueles riscos que poderia ter tirado do corpo com plásticas eram
como um escudo para protegê-la de Diego. Com eles ali, a cada manhã ao olhar-se
no espelho, lembrava-se do mal que ele lhe causou, lembrava da obrigação de
odiá-lo. Lutar contra tudo isso parecia difícil demais.
- Vamos, Ariella. O café está
esfriando. – Sem ver efeito naquele pedido, mudou de armas. – Coragem, Ariella.
Você jamais foi covarde, sempre soube enfrentar seus piores demônios. Mesmo
quando esse era eu. Ora, minha esposa, se desfilou nua na minha frente quando
eu te feria a cada palavra dita, porque não agora que todo o meu desejo é te
ver feliz?
- Ex-esposa. Aquela Ariella não existe
mais, Diego. Será que não entende!
- Existe sim. Ela estava nessa cama,
comigo, ontem à noite. E pode permanecer pra sempre, basta você deixar. Quem
não existe mais é aquele Diego. Eu não sou mais dominado pelo ódio, nem pelo
desejo de vingança.
- Mas eu carrego agora as minhas
magoas. Não posso esquecer o que aconteceu...
- Não te pedi isso. – Esse era um
objetivo distante demais. – Pedi apenas para não se acovardar. Saia dessa cama,
Ariella, vista seu roupão e venha tomar cama. Deixe o resto para decidirmos
depois.
Mais por medo do rótulo da covardia do
que por convicção, a passos acelerados demais, ergueu-se da cama e cobriu-se
com o longo roupão. Depois de uma breve passada pelo banheiro, sentou-se na
pequena mesa localizada num cantinho do quarto. Aquele quarto que dias atrás
lhe parecia gigantesco, hoje era pequeno. Estava transbordando de apreensão e
de sentimentos que não reconhecia. Estava transbordando de Diego e de tudo o
que ele representava.
- Pare de pensar, querida. Tome café
comigo, apenas isso. Sem conversas difíceis nem discussões. Apenas um café da
manhã.
- Não dá pra fingir que somos dois
amigos lanchando juntos. Só vamos manter a relação até o final do Carnaval, depois você tem que ir
embora, voltar para a sua vida em Madri e me deixar seguir com a minha por
aqui.
- Não vou brincar com sua segurança, já disse.
- Você aceita ir embora assim que o feriado acabar,
ou o obrigarei a pegar suas coisas e deixar minha casa agora mesmo. Nem que
tenha de mobilizar toda a força policial desse país!
Ela o olhou
firme e Diego entendeu que era necessário aceitar a derrota naquela batalha e
assim poder seguir na guerra.
- Está bem, vamos comer. E vamos viver esse nosso
acordo.
- O que quer dizer com isso? – Ariella viu os olhos
de Diego brilharem e sentiu que ele maquinava algo. A inteligência daquele
homem sempre a encantou.
- Quero dizer que ainda tenho quatro dias pra te
mostrar que há muito para nós vivermos. E vou mostrar, Ariella. Termine seu
café e se arrume. Vamos sair e passear pela cidade. Quero entender porque ama
tanto esse país.
A ideia de sair com ele, algo que jamais fizeram em
casados foi inicialmente assustadora. Mas também tentadora. Como aquilo lhe fez
falta? Agora Diego se dizia interessado a se mostrar como homem. E ela não
resistia a conhecer esse homem. Engolindo o café adocicado, ela foi se arrumar.
Desejava estar bonita para o mundo e para Diego. Que fossem apenas quatro dias
então. Mas seriam três dias verdadeiramente vividos.
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