Angustiada, Dulce estava sentada em um dos cafés
mais tradicionais do centro de Buenos Aires. Já tinha ligado para o celular de
Ariella algumas dezenas de vezes e em nenhuma conseguiu ouvir sua voz. Suas
redes sociais estavam paradas. E pelo WhattsApp a resposta que recebeu dizendo
apenas “estou bem e pode ficar tranquila” de nada serviu a não ser plantar mais
dúvidas em suas mentes.
O sumiço da amiga e também de Diego, que
desapareceu de forma tão abrupta quanto chegou, estavam causando calafrios em
Dulce. Na esperança de tentar descobrir algo, foi à faculdade e ao prédio da
amiga. Surpreendentemente, descobriu que Ariella trancou a matrícula no curso
sem dar mais explicações. Depois de muito pedir, praticamente implorar, o
porteiro autorizou sua entrada no apartamento.
- Obrigada! É caso de vida ou morte!
- Está bem dona Dulce. Só deixo porque sei que são
muito amigas. – O simpático funcionário ao qual tantas vezes ela cumprimentou
ao vir visitar Ariella agora retribuía o carinho.
Ao entrar no apartamento, Dulce teve algumas
surpresas. Seja qual fosse a razão que levou Ariella a sumir, não foi algo
inesperado. A mala da amiga não estava no local de costume e mesmo sem ter
percebido a falta de nenhuma roupa em especial, ela obviamente havia retirado
peças do closet. Na pia do banheiro havia também um vazio. Ela levou sua
nécessaire e também o frasco de seu perfume. E na cozinha ele teve outra grande
confirmação. A geladeira fora esvaziada. Ariella pretendia demorar a voltar e,
mesmo assim, não lhe falou nada.
Sem alternativa, Dulce ligou para todos os amigos
em comum. Ninguém soube dizer absolutamente nada. O desespero foi aumentando,
no compasso que os minutos passavam. A ideia de que Dulce não estava tão bem
quanto aquela mensagem sugeria. Numa última esperança, desagradável, porém,
necessária, foi tomada por Dulce menos de uma hora depois de sair do
apartamento da amiga. Ela entrou no escritório de Afonso Amaral, recebida por
um olhar desconfiado e um tanto abatido.
- Bom dia. O senhor não me conhece, mas...
- Conheço, é claro que conheço. Tenho conhecimento de
todos os amigos de Ariella. Algo necessário à sua segurança. Algo com o que eu
me tornei obsessivo após algumas coisas que nos aconteceram no passado.
- Eu compreendo, Sr. Amaral.
- E no que eu posso ajudar a essa bela jovem? Não é
que sua visita me incomode, Dulce, mas minha agenda não está livre hoje.
- É claro. Mas é algo muito rápido. Apenas preciso
que me diga para onde Ariella viajou sem avisar aos amigos. Como o senhor mesmo
afirmou, mantém muitos cuidados sobre a segurança dela então, certamente, sabe
o local exato aonde ela está nesse momento. – Havia um fundo de provocação na
pronuncia de cada uma das palavras.
Afonso Amaral observou Dulce com atenção pela
primeira vez na vida, mesmo já tendo lhe visto em outras oportunidades. Nunca,
porém, havia observado aquele brilho em seus olhos, início de sua curiosidade
aguçada. Tentar enganar Dulce era um erro. Mesmo assim, não podia lhe dizer
nada próximo da verdade.
- Sei, é claro. Mas não posso lhe informar nada.
Sinto muito. – Disse apenas.
- Como assim? Se sabe, diga logo!
- Se Ariella desejasse lhe contar, teria feito
isso. Não o fez, certamente com suas razões. Então não me cabe lhe informar.
Agora, se me der licença...
- Não! Há algo de muito errado nesse sumiço. E essa
sua mentira só me faz desconfiar ainda bem. Saiba que não desistirei!
- A sua imaginação é típica de sua idade, minha
jovem. – Afonso falava sorrindo, tentando conquistá-la pelo charme. Viu que não
ia conseguir e endureceu o tom. – Se quiser perder seu tempo e continuar a
procurar por Ariella, perca. Mas não o meu. Agora saia antes que eu chame a
segurança.
Na Espanha Ariella pensava em Dulce e em como ela
deveria estar encarando seu sumiço. Talvez já tivesse denunciado à policio o
desaparecimento. Ou, quem sabe, estivesse investigando seu paradeiro. Qual
fosse a atitude da amiga, não faria diferença a menos que ela estivesse segura
do que fazer. Mesmo que a polícia invadisse aquela casa, para salvar seu pai,
caso fosse essa a sua decisão, seria obrigada a ficar ali. A cada momento
odiava mais aquele homem que a enganou, porém, hora após hora, compreendia
melhor suas razões e passava a duvidar do próprio pai. Chegara em uma situação
tão desesperadora que não conseguia confiar em nada ou esperar a ajuda de ninguém.
As atitudes dos amigos de Ariella, na agora
distante Buenos Aires, era apenas um dos temores que Ítalo levava a Diego. Não
passou despercebido ao experiente funcionário dos Bueno que ao executar aquele
planejado objetivo, Diego não se preocupou em mentir a própria identidade ou
nacionalidade. Não demoraria muito para que Dulce ou qualquer outro dos amigos
de Ariella, todos com recursos e contatos o bastante, chegassem até a Espanha
procurando pelo Conde por quem Ariella se encantou pouco antes de desaparecer.
Cego de vingança, Diego deixou mais pistas do que esperava.
- Não estou preocupado. Se alguém aparecer aqui,
lidarei com o problema. – Ele respondeu ao amigo e funcionário.
Ítalo deixou o assunto de lado. Tinha outros ainda
mais urgentes e que o fizeram procurar por Diego assim que ele pôs os pés para
fora de casa, mais uma vez deixando a jovem esposa trancada e aos gritos de
socorro. Podia ver nos olhos de Diego que aquela situação também o estava
ferindo. Raivoso como nunca, o patrão parecia estar percebendo que dominar
Ariella seria tarefa árdua e lenta demais. E ele tinha uma vida a qual estava
parando, sem ter como segui-la enquanto não resolvesse isso.
A necessidade de deixar a Espanha para uma viagem
profissional era mais forte a cada minuto. Funcionários não estavam conseguindo
responder por demandas que apenas o jovem empresário tinha condições de colocar
no rumo certo. E Diego estava amarrado aquela casa enquanto mantivesse por lá
uma esposa fugitiva. Ele se tornara tão refém quanto Ariella.
- Como pode ir ao escritório e deixá-la aos berros,
dessa forma?
- Logo ela cansa de gritar e dorme. E ninguém
conseguirá ouvir da rua. – Diego respondeu, como quem mente a si mesmo.
- Você está feliz, Diego? Ouvir esses gritos,
assistir seu sofrimento, te traz alguma coisa boa? Você se sente bem sendo o
carrasco dela?
A primeira resposta ficou presa no céu da boca de
Diego. Seria um inseguro e audacioso ‘sim’ do qual até mesmo ele desconfiava da
veracidade. Caso respondesse com ‘não’ também não seria totalmente sincero. A
verdade é que sentia-se satisfeito com o sofrimento de Ariella, mesmo que
depois a culpa pesasse em sua consciência. Mesmo agora, quando no carro já não
ouvia seus gritos, estava temeroso por ela.
- Ariella está tendo o que merece. Ela foi mimada
demais pelo pai. Por isso todos esses gritos. Não lhe espanquei, não lhe deixei
faltar nada. A maior parte das mulheres pagaria para dividir aquele quarto
comigo.
- É uma bela prisão dourada, sem dúvida. Mas, ainda
assim, uma prisão a qual ela não aceita.
- O que ela aceita ou não é irrelevante! – Diego
disse, agora já elevando a voz.
- E se ela jamais se render e aceitar, sorridente,
esse plano que você criou? Você não perdeu a sanidade, rapaz! Sabe muito bem
que ela não vai aceitá-lo como marido. Ainda mais quando você ameaça o pai
dela.
- Se Ariella não aprender a se comportar como eu
exijo, ficará presa no quarto. Simples. E o pai dela continuará nas minhas
mãos, até o momento em que eu desejar liquidar com as empresas dele. Ariella
pensa que fazendo esse teatrinho de estar feliz aqui irá impedir Afonso de
pagar o que me deve. Tola! O pai a está usando. Mas eles apenas conseguirão um
fim ainda mais trágico.
- O que quer dizer?
- Ele não liga para ela. Acha que está ganhando
tempo enquanto consegue uma saída da teia financeira em que o envolvi. Só que
não tem saída alguma. Ele está amarradinho ao alvo. Quando eu desejar, o
destruo. Já sou o comandante das empresas e ele é um mero gestor do patrimônio
que agora é meu.
- Ótimo então! Vingue-se dele e solte Ariella.
- Assim que ela me der um filho, poderá ir embora.
Simples.
- Você não percebe que, além de loucura, isso é impossível?
Você tem uma cadeia de hotéis a liderar e, antes que invente outra desculpa,
não pode esperar que meu filho faça isso enquanto brinca de carrasco. A empresa
precisa de você.
- E me terá. Como sempre. – Mas no fundo ele
entendia e concordava com Ítalo. – Contrate uma equipe de segurança pesada. E
um chefe de segurança realmente eficiente. Um militar que imponha respeito a
Ariella, que a amedronte. Assim, poderei seguir minha vida.
- E sua esposa fica presa aqui?
- Exatamente.
Sem alternativa, Ítalo fez exatamente o que seu
patrão ordenou. Apesar de gozar de toda sua confiança e recordar-se de quando
Diego ainda se aconselhava com ele, precisava lembrar-se que ele e sua família
trabalhavam para Diego. Ele era bem remunerado para acompanhar o patrão aonde
fosse e cuidar para que a casa estivesse segura. Ao que parecia, garantir a
segurança e evitar uma fuga de Ariella agora passaram a integrar sua lista de
atribuições. O problema é que aquelas novas funções o deixavam insatisfeito e
criavam brigas com Olívia.
- Você não tem de estimulá-lo. Tem de colocar juízo
na cabeça desse menino. É isso que os pais dele esperariam de você! – Ela lhe
repetia em cada manhã.
- Então eles deveriam ter agido de forma mais
sensata e não ter bagunçado a cabeça do garoto. Sou empregado, não o pai. Não
me cabe fazer nada além de obedecer. – Ítala respondia, porém, lá no fundo,
concordava com a esposa.
Procurou por um chefe de segurança. Depois de
algumas indicações, apresentou três opções a Diego. Sua escolha não surpreendeu
Ítalo. Diego escolheu o que aparentou maior rigor e vontade de cumprir suas
regras. O único que não titubeou ao ser alertado que coisas ilegais aconteciam
ali. E o homem que nem mesmo cogitou ir embora ao saber que sua principal
tarefa seria controlar e impedir qualquer tentativa de fuga de um jovem que lá
vivia. Pablo Lopez parecia ser exatamente o que Diego buscava.
- Não irá me perguntar por que desejo mantê-la sob
minha custódia?
- Não me diz respeito. – Pablo respondeu.
No dia seguinte Pablo já morava na casa dos Bueno,
para desgosto de Olívia e preocupação de Ítalo e Murilo. Não que o novo
funcionário desse motivos para qualquer desconfiança. Ao contrario, ele parecia
interessado demais em obedecer as ordens do patrão. Mesmo as mais revoltantes.
-Você não está satisfeito em me manter presa aqui, onde
eu nem mesmo sair posso e agora vem com
essa de segurança. Vai pro inferno! – Ariella, como Diego já esperava, não
fugiu da briga e mostrou sua insatisfação pela nova sombra que recebia.
- Com Pablo aqui, ao menos poderá sair pela cidade
às vezes. – Ele explicou. – Caso se comporte e eu permita, é claro.
A partir da chegada do segurança, Ariella pode
deixar o quarto, utilizar qualquer área da casa, da biblioteca à piscina, desde
que sempre com sua sombra por perto e, jamais, acessando qualquer meio de
comunicação. Para alguns poderia ser sinal de tempos de paz ou, ao menos, um
número menor de discussões. Nada disso. Ela não suportava ser seguida. Ainda
mais por alguém como Pablo, em quem jamais confiaria.
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