Minutos após discutir
com os sócios devido a um atraso, Márcia ainda estava nervosa em sua sala.
Jamais aceitou aquele tipo de comportamento, independente da empresa na qual
atuava. Problemas particulares não poderiam jamais estar acima do coletivo, do
que era importante para os resultados da JRJ Construtora. Se fosse permitir que
os problemas pessoais a afetassem na profissão, sequer estaria ali e teria
passado os últimos anos chorando em casa.
Ao invés disso,
reinventou-se e agora morava em outro estado, trabalhava em outra empresa e
retomava sua vida. Passou 18 anos de sua vida casada, e feliz, com Alex
Salomão, um empresário a quem ela conheceu ainda na escola e com quem fundou
uma empresa de sucesso. Administrou-a ao lado dele por uma década. Julgava ter
a vida perfeita. Um marido apaixonado, um filho saudável e uma carreira de sucesso.
Tudo desmoronou quando descobriu que Alex tinha uma amante a qual bancava com o
dinheiro da empresa fundada por eles e a qual ela dedicava seu tempo. Poderia
ter ignorado o fato e seguido ao lado dele, fingindo que tudo era perfeito.
- Não mesmo! – Pensou.
Pediu o divórcio e
exigiu na justiça metade da empresa. Muito dinheiro, sem dúvida. Vendeu as suas
ações e comprou parte de JRJ, além de investir em outros segmentos da economia.
Era uma mulher muito rica. Mesmo assim, fazia questão de que Alex lhe pagasse
uma gorda pensão. Era sua obrigação para com Joaquim e, se fosse sincera,
reconheceria que tinha prazer em vê-lo pagar pelas despesas do filho sem que
ele pudesse conviver com o menino. Ela fez questão de se mudar para outra
cidade e, agora, para Alex conseguir passar um final de semana com o menino,
precisava vir de Belo Horizonte até São Paulo ou lhe pedir para levá-lo até
Minas Gerais.
- Você merece por isso
pelo que me fez. – Era o que sempre dizia a si mesma quando sua consciência a lembrava
da tristeza causada por essa decisão.
Agora ali estava,
adaptando-se a uma nova casa e novo trabalho no qual não era a comandante de
tudo e precisa debater os assuntos junto de Rafael e Jonas. E isso era um
problema quando eles pareciam sempre estar às voltas com questões particulares.
Tentando adaptar-se à
nova realidade, Márcia mandou um recado ao seu novo advogado pessoal cancelando
a reunião almoço que teriam já que Jonas e Rafael desorganizaram a sua agenda e
enfim pode seguir a reunião que teriam com os sócios. A própria vida teria de
esperar, como sempre.
Aquele foi um dia
extenuante para Jonas também. Quando enfim reuniu-se com Márcia e Rafael, a
conversa alongou-se demais. A nova sócia, apesar de uma pessoa difícil para se
conviver, tem grande competência administrativa e isso facilitava as coisas.
Ela gosta de conduzir tudo com mão de ferro, analisando cada número da empresa.
Isso leva tempo, porém, garante bons resultados. E o liberaria para dedicar-se
ao que mais gostava, a engenharia das construções e lhe ofereceria mais tempo à
vinícola. Não gostava de levar para casa trabalho. Lá era o momento de cuidar
dos filhos e de passar algum tempo com Emily. Hoje, curiosamente, também era um
tempo em que gostaria de passar com sua irmã já que Milena ainda não havia
retornado ao sul, mas ela preferiu novamente recolher-se ao quarto.
- Milena não vai
jantar? – Ele estava estranhando demais o comportamento da irmã.
- Não. Disse que
ofereceria um lanche para Maria e elas ficariam no quarto depois. Elas saem
cedo amanhã. Pegarão o primeiro voo.
- Estou preocupado com
minha irmã. Isso não é normal para ela. Milena sempre foi uma mulher reservada,
mas nunca foi triste nem se isolou.
- Sua irmã é adulta,
Jonas. E não podemos viver a vida dela. Deixe-a fazer as coisas como ela
prefere. Se é sem dividir seus problemas com a gente, que seja. Ela sabe que,
caso precise, nós estaremos aqui.
Emily sabia o quanto
Jonas estava perto da verdade. Ele ainda não havia juntado as peças, mas estava
no caminho certo. Milena nunca fora uma mulher que demonstrava sobressaltos.
Sua vida sempre foi tranquila, sem arroubos de paixão juvenil nem crises
emocionais. A forma como agora ela se fechava, era muito estranha. Somente uma
vez ela surpreendeu a todos. Foi quando anunciou estar à espera de Maria
Fernanda. Uma filha que, nas palavras dela, não teria pai. Ela chocou aos tão
tradicionais Vicentin, mas, depois, Maria, fez o trabalho de conquistar a cada
um sem nenhuma dificuldade. Ainda assim, a dúvida a respeito da paternidade
dela ainda pairava sobre a família.
Milena realmente
pretendia dormir cedo para estar de pé antes do amanhecer e retornar à sua
terra. Porém, já era madrugada e ela continuava revirando-se na cama. Tanto que
ela resolver descer, fazer um chá e caminhar pela casa enquanto o sono não
vinha. Em seus pensamentos, Nathan continuava a atormentá-la. Não era apenas
pelo que ele lhe fez no passado, mas por medo que fossem criados vínculos com
Maria Fernanda e depois, quando Nathan cansasse de ser pai, afastaste-se e
fizesse a menina sofrer. Quando o chá já estava pronto, ela foi surpreendida
pela cunhada que, ao que parecia, também estava com insônia.
- Emily! O que faz de
pé até agora? – Ela surpreendeu-se.
- Acho que depois de
termos filhos, perdemos o direito a um sono tranquilo. E você?
- Nada eu...
- Não precisa procurar
desculpas Milena. Se não deseja falar o que te preocupa, não fale. E, quando
quiser se abrir, pode contar comigo.
Cansada
de carregar tudo aquilo nas costas e não ter com quem desabafar, Milena pensou
que após tantos anos na família, Emily certamente era digna de confiança.
Porém, ela também era a esposa de Jonas e seu irmão não aceitaria bem caso
soubesse de tudo. Além disso, Nathan e Emily conviviam muito. Emily não era
pessoa mais indicada. Ainda assim, era ela a estar ali, no momento em que tudo
parecia sufocar Milena.
-
Eu não aguento mais guardar tudo somente comigo. – Milena, enfim, reconheceu. - Imagino o que está passando e não sei
como suportou por tanto tempo, Milena. –
Diante do olhar confuso da cunhada, Emily continuou. - Eu já sei na verdade, na
verdade eu imagino qual seja desde antes de você anunciar estar grávida. Maria
Fernanda é filha de Nathan.
-
Como? Eu fui tão óbvia assim? Ou foi ele? Ele contou!
-
Não! Nathan jamais me falou nada e nem imagina que estamos tendo essa conversa.
Eu percebi a aproximação de você e a sua tristeza quando ele foi embora.
Depois, quando falou de Maria à família, juntei as coisas.
-
E Jonas?
-
Por mim ele jamais saberá de nada. Mas preciso te dizer que você é injusta com
seus irmãos. Jonas e Lorenzo não iriam destratá-la nem a Maria. Somente Nathan
teria problemas, é claro.
-
Não lhe desejo nada de ruim, apesar de tudo. – Milena foi totalmente sincera.
-
Isso porque você é muito boa, eu teria raiva dele. Sei que você ficou
decepcionada quando descobriu que ele tinha esposa, mas Nathan casou muito cedo
e não por amor.
-
Ele me falou disso tudo, Emily. Mas que respeito é esse que o fez ficar ao lado
da esposa sem abandoná-la, mas que o permitia sair por aí divertindo-se com
outras?
-
Entenda Milena, eu não o defendendo, apenas lhe digo que independente dos erros
cometidos, ele merecia saber que iria ser pai. O destino é justo e naturalmente
se encarregou de unir pai e filha.
-
Não sei se posso perdoá-lo. Nathan acha que tudo pode voltar ao que era antes.
-
Nathan se engana quanto a isso. Vocês têm uma filha, nada será como antes. Mas
podem ter uma relação adequada, sem brigas e sem mais segredos. Acho que vocês
devem reunir toda a família revelar o que se passou e legalizar toda a questão.
Nathan tem obrigações morais para com Maria Fernanda.
-
Ele quer fazer isso. Mas não sei se estou pronta. – Havia lágrimas nos olhos de
Milena.
-
Não precisa se preocupar com a reação de ninguém. Você é uma mulher
independente. E, além disso, vovó Ângela sempre achou que você e Nathan
formariam um belo casal. O único perigo é ela lhe pedir mais bisnetinhos.
Milena
recolheu-se com o coração mais leve. Dividir seu sofrimento com Emily a fez se
sentir melhor. E como tinha total confiança na cunhada, dormiu mais tranquila
e, logo cedo, seguiu para Bento Gonçalves. Iria pensar nas atitudes a tomar
daquele ponto em diante e aproveitar os próximos dias para decidir que rumo
daria na sua vida. Por sorte, Jonas não pode levá-la ao aeroporto. Ela preferia
mesmo ir sozinha para não ter de responder mais perguntas.
Jonas
não podia levá-lo porque Rafael não estaria por lá e Márcia não era do tipo de
sócia que aceitava substituí-los em agendas de última hora. Por isso, seria ele
a atender dois clientes com quem Rafael havia marcado de conversar. O sócio
estava em um compromisso de família. E dos mais complicados. Iriam ao abrigo
dirigido por Marta para visitarem Isabely. A empolgação de Melissa lhe era
chocante. Quase tanto quanto o mau humor de Tales com aquele compromisso.
-
Que saco! Agora vou ter que fica indo atrás de uma pirralha que nem conheço!
-
Justamente para você conhecê-la é que vamos lá! Ela poderá ser sua irmã!– Mel repreendeu
ao filho. – E cuidado com esse linguajar porque eu lhe dei educação!
-
Melissa, vamos com calma...
-
Eu estou calma. Vamos logo que Marta deve estar aguardando já. – Com isso,
Melissa encerrou o assunto e toda a família entrou no carro, rumo ao orfanato
que servia de lar a Isabely.
Aos
poucos Emily percebia como seus amigos estavam cercados de problemas. Se Mel
tentava a todo o custo convencer a família a adotar um bebê, ao chegar naquele
dia ao restaurante, encontrou um furioso Nathan a cozinhar agilmente. Pensou em
ignorá-lo já que obviamente ele estava irritado. Mas não seria boa alternativa.
E pensou que um pouco de recriminação iria lhe fazer bem. Afinal, Nathan colhia
os frutos do que passou anos plantando.
-
Você quer cozinhar ou quebrar todos os pratos? – Ela provocou-o. – Está irritado
homem.
-
Sim, estou. Me deixe, Emily. Não sou boa companhia hoje.
-
Eu imagino. Até porque a companhia que você deseja está em Porto Alegre já.
-
Ela te contou tudo então. – Nathan não demorou a entender. – Que bom. E contou
ao resto da família também?
-
Não. Na verdade eu já sabia faz tempo. Não era difícil adivinhar. Mas nessa madrugada
Milena resolveu desabafar. Veja se não a faz sofrer mais. A sua cota já foi
encerrada, Nathan.
-
Curioso como só os meus erros são vistos! Ou você acha justo que eu nunca tenha
sido informado que Maria é minha? Quer dizer que você sabia de tudo e nunca me
ligou para dizer a verdade?!? Que amizade é essa?
-
Sem drama, Nathan! Você foi um canalha! E, se eu fosse Milena, teria ido até a
Itália para lhe dar uma bela surra, e não a notícia da paternidade! Quem você
pensa que é para sair por aí fazendo filhos e enganando mulheres! Você mente,
abandona Milena e ainda pensa ter direito de reclamar alguma coisa? Sinto muito
abrir seus olhos, mas não é assim! Trate é de tentar remediar o que você fez!
-
Eu tinha o direito de saber!
-
Primeiro as obrigações, Nathan. Depois direitos. – Emily não se preocupou em
amenizar os erros do amigo. – E pense bem antes de se aproximar de Maria. Milena
é uma grande mãe e evitou até hoje que qualquer mal acontecesse à filha. Se você
fizer a menina sofrer, ela jamais te perdoará. Ninguém na família irá aceitar
isso.
-
Será que ninguém entende? – Revoltado, Nathan gritou tirando a panela do fogo e
desistindo de cozinhar. - Eu já amo a Maria desde o primeiro dia que vi na
fazenda. Não vou fazer minha filha sofrer. Jamais faria isso. Eu errei com
Milena, sei disso, mas não errarei com minha filha.
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