Depois de um longo passeio pelo jardim do
condomínio que agora era seu lar, Beatriz avisou Francisco de que chegara a
hora de retornar para seu esconderijo e se arrumar. Após três dias de
distância, Sebastian viria passar a noite ao seu lado. E isso lhe bastava para fazer
surgir um sorriso em seu rosto. Conforme os dias passavam, melhor ia conhecendo
Sebastian. E vendo coisas bonitas nele. Sebastian agora lhe permitia sair à
rua, sempre acompanhada, é verdade, mas a companhia de Francisco não era um
incomodo.
Por
vezes ao amanhecer abraçada ao peito do amante, Beatriz percebia não mais se
ressentir de sua condição na vida dele. Chegava a esquecer ter sido comprada.
Junto dele esquecia-se de tudo. Somente uma dor era tão forte para permanecer a
qualquer hora: a saudade de Eva. Sua filha, ainda bebê quando foram separadas,
era uma contínua fonte de tristeza. Poderia superar a tudo, menos não saber
como ela estava, com quem e se bem cuidada. Porém, nunca teve coragem para
falar a Sebastian que havia deixado uma filha para traz. Engolindo aquilo que a
sufocava, banhou-se e embelezou-se para receber quem conseguia aquecer. Quando
chegou, Sebastian encontrou uma mulher bela e perfumada, uma casa à meia luz e
música, muita música, que ela dançava agilmente.
-
Estava te esperando! – Ela disse, sorrindo, assim que o viu passar pela porta.
-
Estou vendo. – O sorriso dela espelhava-se nele. E, de repente, Sebastian
percebia que há muito não se sentia tão feliz. – Essa música é muito animada.
-
Dança comigo!
-
Eu não sei dançar. Não assim, pelo menos.
-
Sabe sim, vem...é só aproveitar o momento.
Ele
realmente não tinha o molejo que o ritmo exigia. Mas quem se importaria quando
tudo o que Beatriz desejava era, na verdade, que as mãos dele estivessem em sua
cintura? Logo o corpo dele mostrava pressa, desejo acumulado nos dias distante
dela, distante intimamente de qualquer outra mulher.
-
Linda, única...minha. – Sebastian repetia palavras doces ao tirar de seu corpo
cada uma das peças de roupa vestidas por ela. – Senti muito a sua falta. Sentia
mais do que eu queria sentir.
Isso
representava pouco perto da realidade. Sentira falta dela de uma forma
insuportável. Caso fosse possível, teria parado qualquer reunião, almoço de
negócios ou assinatura de contrato para estar com Beatriz sob os lençóis
daquela cama que agora os aquecia. E em cada noite longe dela seu corpo ressentiu-se,
negando-se a responder a qualquer outra. Mesmo que essa tentação fosse grande
como a voluptuosa e ousada Gabriela, que deixara clara sua intenção de fazer
com ele bem mais do que negócios. Nada, porém, conseguia lhe tirar a atenção
daquele furacão sensual e de cabelos negros chamada Beatriz.
-
Viciante. É isso o que você é, minha Beatriz. Tem um sabor viciante.
-
E qual é o meu sabor? – Beatriz não resistiu em provocá-lo, afinal, já sem
calcinha e sendo provada na intimidade, Sebastian não tinha muita facilidade em
se concentrar. Mesmo assim, ele não a decepcionou na resposta.
-
Sabor...eu diria doce e picante, numa mistura perfeita. – Lhe disse deixando um
rastro de mordidas no abdômen.
Beatriz
dissolveu-se nos braços de seu amante. Logo depois, porém, lembrou-se de lhe
oferecer as carícias que mais o agradavam. Sebastian ia a loucura quando o
tomava na boca. E ela, como profissional, tinha a obrigação de satisfazê-lo.
Por mais que ele não mais dissesse as palavras, ela sabia seguir como uma prostituta
de luxo.
-
Perfeita! Não sei como vivi sem você até agora. – Sebastian disse após
dissolver-se nela e despencar sobre a cama, sem energia para nada além de
dormir por alguns minutos.
Na
manhã seguinte, quando enfim deixaram de lado o sexo, ficaram na cama
conversando até que Beatriz foi à cozinha na intenção de preparar um lanche.
Surpreendeu-se ao ver Sebastian lhe seguindo ao invés de sentar-se à mesa e
esperar pela refeição, preparar o lanche ao seu lado. Ele não era não esnobe
quanto parecia. E ficava lindo daquele jeito, nu, sem segredos nem mentiras,
numa atividade tão rotineira quanto cortar fatias de pão.
-
Porque está me olhando assim? – Sorrindo ele ainda teve a ousadia de perguntar.
Será mesmo que sequer imaginava?
-
Você aí sem roupa e cozinhando. Não é uma imagem que combina muito com o cara
terrível do qual as garotas me alertaram antes de te conhecer.
Sebastian
a olhou muito sério, largou a faca e sentou-se numa das cadeiras que ladeavam a
bancada.
-
Aquele tempo acabou. Nenhuma delas me conhecia de verdade. Não como você
conhece.
Aquilo
não era a verdade, pensava Beatriz. Porque por mais intimidade que tivessem
conquistado – na cama e fora dela – Sebastian jamais mostrava-se inteiramente.
É verdade que já não a mantinha trancada naquele prédio. Às vezes eles saíam
juntos, porém, sempre muito discreto, Sebastian costumava levá-la a lugares sem
acúmulo de pessoas. Já tinham ido passar um final de semana no campo e jantar
fora. Mas não passou despercebido o Bia que o restaurante havia sido fechado
para eles. Sebastian não deseja ser visto junto dela. Além disso, jamais falava
de sua família. Nem mesmo da linda menina a quem ela tinha visto numa foto
guardada por ele com todo o carinho na carteira.
-
Coma! Quero lhe levar para fazer compras. – Ele anunciou, tirando-a de seus
devaneios.
-
Vão nos ver juntos.
-
Vamos a um lugar muito discreto. Não se preocupe. Além disso, não devo
satisfação a ninguém.
Sebastian
tinha mais razões para manter a amante escondida do que as conhecidas por ela.
Manter aquele relacionamento em segredo era mesmo um grande objetivo, afinal,
não tinha como explicar à sociedade da onde aquela mulher vinha. Alguém poderia
tentar investigar seu passado e descobrir que ela havia desaparecido no Brasil
há algum tempo. Bia não costumava falar de seu passado, mas ele desconfiava não
se tratar de uma mulher abandonada pela família. Pessoas deviam procurar por
ela e, qualquer foto publicada em jornais poderia alertar para o seu paradeiro
e colaborar para que lhe tomassem sua Beatriz.
-
Você é minha. – Ele lhe disse ao vestir um boné e lhe abrir a porta do carro,
ainda na garagem do edifício.
O
que Sebastian não viu foi a presença de um homem num carro discreto a
observá-lo assim que deixaram o prédio. Ele esteve ali desde que viu, na tarde
anterior, Sebastian chegar para se encontrar com a amante. Conforme ele
desconfiava e já havia informado Gabriela, ali era o esconderijo da mulher a
quem ela desejava ver morta. O desejo apenas ainda não fora concretizado porque
a segurança do condomínio já era alta e se elevava ainda mais quando Sebastian
chegava. Seria necessário armar um plano sabendo exatamente os horários em que
ele não aparecia por lá.
Sem
saber que eram observados de longe, Beatriz e Sebastian aproveitaram o passeio
juntos. Tratava-se de um conjunto comercial que ele costuma frequentar antes de
ser casado. Um lugar afastado, sem requinte, porém, que oferecia uma grande
tranquilidade. Seus amigos da alta sociedade não conheciam aquele recanto, o
que lhe livrava de qualquer risco de ter de dar explicações. Ou assim ele
pensava. Infelizmente, ao sair com sacolas de uma das lojas perceberam que eram
observados. Inicialmente, Beatriz percebeu a irritação de Sebastian, mas não o
motivo, afinal não reconheceu ninguém. Depois lembrou-se da menina na foto e
entendeu tudo.
-
Papai! Você não estava viajando? – Essa havia sido a desculpa oferecida por
Sebastian à mãe e à filha.
-
Estava. Voltei há pouco e ia vê-las logo mais. – As mentiras se acumulavam.
Seus planos eram de passar mais aquela noite com Beatriz. – Mamãe...o que faz
aqui com Luísa?
-
O mesmo que você, ao que parece, estamos passeando. Não vai me apresentar?
-
É claro...essa é....Beatriz...ela... – Ele não encontrava uma palavra
verdadeira e não comprometedora para representar Beatriz em sua vida.
-
Amiga. Sou uma amiga de Sebastian. – Beatriz mentiu com facilidade e aproveitou
para entender a vida de Sebastian melhor. – E você?
-
Eu sou a Luísa! E essa é a minha vovó Angelina! Se você é amiga do papai porque
nunca veio na nossa casa? – Até mesmo Luísa percebeu algo de muito errado
naquela história.
-
Talvez um dia, Luísa. – Foi Sebastian a responder. – Agora eu preciso levar Bia
para casa. Nós falamos depois.
Aquele
encontro improvisado desagradou Sebastian bem menos do que ele esperava. Nenhum
dano impossível de corrigir, como ele mesmo falou ao entrar no carro. Sua mãe
iria fazer perguntas e sonharia com um relacionamento duradouro, mas aceitaria
ter se enganado quando percebesse que não a levaria para a casa da família.
Além disso, o comportamento de Bia, sem lhe comprometer em nada o agradou
muito. Ela o agradava por completo, Sebastian pensou. Menos agora, quando não
mais sorria.
-
O que foi? Não gostou de conhecer minha filha e minha mãe?
-
Elas são muito simpáticas. Não é isso.
-
O que é então? – Sebastian a olhava deixando claro que não desistiria de
entender o que ocorria.
-
É que ver a sua filha me fez lembrar da minha. – Beatriz disse e ficou olhando
em seus olhos para ver a sua reação. – Ela tinha quase dois anos quando eu a vi
pela última vez.
Sebastian
não sabia o que dizer. Havia um sofrimento nos olhos dela jamais visto antes.
Ele se perguntou onde aquela dor estava até agora. Eles se conheciam há meses,
dormiam juntos desde então e nas últimas semanas mantinham um relacionamento
muito agradável. É verdade que ele jamais abriu mão das regras estipuladas por
ele e nem pensava em fazê-lo, mas aprendeu a gostar dela muito além do sexo.
Jamais a deixaria completamente livre ou lhe permitiria voltar ao Brasil. Ela
era sua! Ainda assim, faria qualquer coisa pela sua felicidade.
-
Ela está com o pai?
-
Não acredito. Eles nunca tiveram uma relação próxima. Eva deve estar com minha
irmã. Talvez nem se lembre mais de sua mãe.
-
Se ele pudesse, buscaria sua filha para viver aqui com você. – Foi o de mais
terno Sebastian conseguiu responder.
Mas
a Beatriz soou como uma oferta ameaçadora. Eva merecia ser livre e seguir em
sua pura infância. Ela não merecia ser jogada nesse mundo imundo em que pessoas
são escravizadas e vendidas feito coisas, no qual uma cela bonita e um
Sebastian mais doce e controlado eram considerados o melhor dos mundos.
-
Aqui não é o lugar de Eva. – Nem o meu, ela teria acrescentado caso fosse
completamente sincera.
Já
sozinho em seu escritório, Sebastian ainda pensava em Beatriz. Era fácil pensar
nela, seja como uma prostituta ou amante. Já vinha tendo pensamentos mais
familiares ao seu respeito, principalmente quando passavam horas na companhia
um do outro. Ainda assim, vê-la com sua filha e depois lhe confessando já ser
mãe, foi uma surpresa. Nunca tinha pensado nela com um bebê nos braços, tanto
que organizou para que fosse atendida por um médico que lhe oferecesse o melhor
método contraceptivo. Mesmo assim, agora aquela visão não o abandonava.
-
Chegaram os papeis que esperava, senhor Gonzáles. – Foi a secretária a tirá-lo
dos devaneios.
-
Certo, obrigada. – Logo após dispensá-la, ele dedicou-se a ler o relatório por
muito tempo aguardado.
O
conjunto de papeis relatava a vida de Gabriela Alencastro, a belíssima
brasileira loura e sensual que veio procurá-lo com um estranho plano de entrar
no mercado hoteleiro. Ela claramente planejava despertar-lhe o desejo. Não
conseguiu. Ao contrário, o fez sentir desconfiança. Porém, nada naqueles papeis
aparentava nem vestígios de mentiras. Uma herdeira rica e funcionária pública.
Ficou muito curioso porque nada daquilo combinava com o que sua intuição dizia.
Havia lacunas na história de Gabriela. Quem eram os homens com quem se
envolveu? O que ela fez em todas aquelas viagens rápidas à Europa. Aquela
mulher rica tinha segredos e ele, sendo mantenedor de vários, sentia o cheiro
de longe. Chamando a secretária novamente, resolveu que precisava investigar
aquilo de perto.
-
Marque em minha agenda um almoço com a senhorita Alencastro. E lhe avise que
tenho interesse em seu projeto para abrirmos um hotel em São Paulo.
No
Brasil, Elizabeth e Miguel encontravam-se jantando com Patrícia e Matheus.
Apesar dos problemas, era um jantar de comemoração. Aquele seria o primeiro
final de semana a que Liza, após todos os recursos tentados por Rafael,
conseguiria enfim ficar com sua sobrinha e afilhada.
-
Eu lhe disse que não importava o quanto ele conseguisse retardar a decisão
final do juiz, não há nem nunca houve razão aceitável para você ficar longe de
Eva. – No linguajar típico dos advogados, Matt ainda desfilou muitos outros
argumentos, até ser interrompido pelos beijos de Paty. – O que? Falei demais?
-
Tipo isso. – Ela mesmo respondeu. – E me beijou de menos.
Eles
eram um casal já tão próximo que, mesmo ainda namorados, pareciam casados há
muito tempo. Patrícia conhecia toda a história de vida de Matheus desde sua
infância num abrigo até tornar-se um advogado de carreira ascendente. Ele tinha
conhecimento de cada vergonhoso trecho da juventude criminosa e de abusos
vivida por Paty no Brasil e na Europa, e foi apenas por seu auxílio que ela
conseguiu deixar tudo para trás. Agora ambos formavam uma família e tinham
planos para no futuro oficializar o relacionamento. Por Matt, já estariam
casados, era Paty a adiar os planos por pensar que antes ainda tinha alguns
fantasmas a exorcizar. Um deles ela começaria a afastar naquele momento.
-
Liza....como está a situação daquele homem que foi baleado e preso na boate
russa?
-
Gregory. – Liza estranhou a pergunta, mas respondeu. - Ele se recuperou. Deve
ser verdade que vaso ruim não quebra. Está na carceragem aqui da Polícia
Federal e à minha disposição, mas até agora não abriu a boca. Parece que está
disposto e ficar um tempo em cana, sem entregar mais ninguém.
-
E você tem com condená-lo sem uma confissão? – Patrícia tornou a perguntar e
notou que apenas Matt não a olhava com estranhamento. Ele já sabia de tudo.
-
Sim. Mas se ele abrir a boca, prendo outros. Mas porque essas perguntas, Paty?
-
Por que eu menti para você. Quando nos falou de Gregory eu disse não ter
nenhuma informação a respeito, mas foi apenas por não desejar me aproximar
disso tudo novamente. Dói falar deles. Dói pensar sobre isso. Mas...mas eu já
estive com esse Gregory.
-
Acho que já está na hora de falar tudo Patrícia. – Foi Miguel a intrometer-se
na conversa. – Liz está se arriscando muito para que as pessoas ainda lhe
escondam informações.
-
Eu sei. Me desculpem...
-
Está bem. Vá direto ao assunto, por favor. Conte como conheceu Gregory e porque
está me dizendo isso. Eu sei o quanto esse assunto é difícil para você e, se
resolveu falar, deve ter algo relevante a dizer. – Liz orientou a amiga. Estava
nervosa, antecipava algo realmente importante.
E
estava certa. A informação seria capaz de mudar os rumos de toda a
investigação. Patrícia voltou anos no tempo até estar novamente na Grécia, numa
boate muito similar a que Elizabeth tinha fechado na Rússia. Lá ela se prostituía
com quem estivesse disposto a pagar e lá conheceu Nicolay, o homem que a
comprou e tornou-a sua escrava. Nicolay foi o que de pior a vida lhe apresentou
e, após quase matá-la ao obrigá-la a realizar um aborto, passou a utilizá-la
como mula no tráfico de drogas.
Antes,
porém, de conhecer Nicolay, Patrícia atendeu a muitos homens na boate grega.
Presenciou reuniões escusas nas quaism o chefe da casa, chamado por todos de
Zenon, recebia convidados. Ela sempre desconfiou daquelas reuniões e costumava
servir bebidas aqueles homens apenas para tentar ouvir algumas palavras. O
grego nunca foi o idioma mais usado e por vezes entendeu a conversa. Uma delas
ocorreu quando Gregory lá esteve para falar com Zenon. Numa mistura de inglês e
português eles trocaram informações a respeito da chegada de um novo lote de
garotas, que iriam dividir entre as duas boates. Elas, ambos acreditavam,
dariam muito lucro, pois era de origem latina, a preferência dos europeus.
-
Ótimo, Paty. – Liz interrompeu-a. – Agradeço a sua confiança em me contar isso.
Mas nada do que falou é novidade à polícia. Essa troca e venda de mulheres
latinas na Europa é, infelizmente, uma chaga antiga. O chefe da quadrilha sabe
disso e se alegra ao ter mais sul-americanas.
-
Eu não terminei Liz. – Paty afirmou, chamando ainda mais a atenção de
Elizabeth. – O que a polícia não sabe é que eles se referiam ao chefe da
organização como ‘ELA’. É uma mulher, Liz, quem comanda tudo.
Miguel
e Elizabeth trocaram um olhar desconfiado. Não havia nenhuma garantia naquela
informação, mas também nada impedia de o comando de tudo ser feminino. E isso
mudaria o rumo de todo o processo de investigação. Porque eles sempre
procuraram por um homem. Porém, Patrícia poderia estar enganada esse tempo
todo, afinal conversas cochichadas podiam sempre ser compreendidas da forma
errada.
-
Você tem certeza disso, Paty? Porque não falou antes se sabia o quanto isso era
relevante? – Elizabeth pressionou.
-
Liz...ela não tinha como sab... – Matt interferiu.
-
Ela não precisa de advogado, Matheus! Isso não é um interrogatório, ainda! Se
eu precisar intimá-la você estará presente. Agora, fale, Patrícia. – Liz
gritou.
-
Acalme-se, Liz. – Miguel pediu e se calou com o olhar recebido em resposta.
-
Zenon recebia muitos homens nessas conversas. – Paty, enfim, continuou. –
Alguns eu percebia serem falastrões. Dava para perceber que esse chefe é alguém
muito protegido a quem pouquíssimos realmente conhecem ou sabem o nome. Mas
muitos fingem conhecê-lo. Só agora quando você prendeu Gregory é que soube ser
ele o chefe da boate russa. Então entendi que ele realmente conhece quem manda,
assim como Zenon. E se eles a chamavam de ELA é porque quem comanda o tráfico
de mulheres que levou eu e Bia para a prostituição na Europa é sim uma mulher.
Elizabeth
chegou em sua casa naquela noite confusa e agradecida. Jamais esqueceria o
grandioso ato de coragem de Patrícia ao resolver falar. O sofrimento que ela
guardava nas lembranças serviria para calá-la para sempre caso não amasse Bia,
Matt e a ela o bastante para fazer o que é certo. E aquela simples palavra –
ela – tinha mudado tudo.
-
Você acha que há lógica nisso? – Miguel questionou-a enquanto massageava seus
pés.
-
Sim. Por que não haveria?
-
Não sei...sempre pensei ser um homem.
-
Isso é machismo, Miguel. Vocês homens sempre vêem as mulheres como um ser mais
fraco. Não é verdade. Uma mulher pode comandar...inclusive algo desumano como
uma quadrilha de tráfico sexual. Sim, faz muito sentido e eu vou investigar isso
detalhadamente.
-
Amanhã. Por favor. Agora você terá de dormir. Meu filho, ou filha, quer
descanso. Aliás...você não esqueceu...
-
Não! Claro que não esqueci da nossa consulta com a doutora Francisca amanhã
cedo. Estou ansiosa para enfim sabermos se é menino ou menina. Ele não ter nos
deixado saber até agora é muito injusto. – Com o passar do tempo, mesmo lidando
com tantos problemas, eles conseguir curtir a gravidez. E Liz já se adaptara a
ideia de ser mãe. Mesmo que isso lhe trouxesse muito mais medo do que qualquer
ação policial.
-
É. Mas não desejo apenas isso. Preciso conversar com Francisca porque acho que
você está com muita retenção de líquidos no corpo. Essa barriga está muito
tímida para seis meses. Você precisa ganhar mais peso.
-
Me sinto ótima, Miguel. Sossegue! – Não estava tão segura, mas era melhor do
que mantê-lo tão nervoso. – Desculpe, mas não posso esperar por amanhã. Preciso
dividir essa novidade com minha equipe.
A
‘equipe’ deveria começar por Tomaz, seu superior. Mas foi o telefone de Rebeca
a tocar segundos depois. A fiel escudeira de tantas operações deveria estar
dormindo e, ainda assim, Elizabeth sabia que seria bem atendida. Não foi,
porém, uma voz sonolenta a responder no primeiro toque.
-
Nossa! Eu já ia te ligar. Isso que é transmissão de pensamento. – Beca
respondeu. – Você não vai acreditar no que eu descobri.
-
Ponho minha mão no fogo que não é tão interessante quanto ao que eu tenho pra
te contar. – Liz respondeu.
-
Pois cuidado para não queimar sua mão.
-
Agora fiquei curiosa. – Se não fosse realmente importante, Rebeca não a estaria
impedindo de falar. Ao que parecia, não fora a única a ter revelações naquela
noite - O que é? Diga, Rebeca.
-
Você é testemunha de que analisamos todas as imagens de câmera de segurança e
anotações em livros caixa e não achamos nenhuma referência a alguém chamado
Sebastian.
-
Sim. E? – Liz sentiu o coração acelerar pela segunda vez naquela noite. - O que
mudou?
-
Eu sentia que estávamos deixando algo passar. Trouxe uns materiais para
analisar em casa e achei várias anotações. Inicialmente eram várias letras
incompreensíveis. Tinha “FR” “PM”, “JJ” e outras siglas sempre seguidas de uma
anotação que informava “reservada para SG”, tudo em datas diferentes e, ao
lado, era sempre gravado o nome de um mesmo hotel. – Beca continuou.
-
Iniciais. Entendi. Mas descobriu um nome? – Liz tinha pressa.
-
Sim. Foi a quantidade de marcações que chamou minha atenção. Nos últimos tempos
ele encontrou-se sempre com “B”. Então...
-
Bia...é o homem com quem ela se encontrou antes de ser vendida e muito
provavelmente é o seu comprador. Fale! Quem é!
-
Eu liguei para o hotel, mas não quiseram me informar...então pedi alguns
favores para membros da polícia russa e eles conseguiram o registro no hotel.
Apenas as imagens das câmeras de segurança do hotel irão confirmar se Bia
esteve lá com ele para servir de prova em tribunal e isso depende de
autorização judicial...mas...o nome eu consegui e...
-
Fale de uma vez, Rebeca! – Liz gritou.
-
Sebastian Gonzáles. – Rebeca disse pausadamente, saboreando a descoberta. - E
uma rápida pesquisa na internet o coloca exatamente na descrição obtida por
você nos depoimentos. Temos o nosso suspeito de estar com Beatriz, Liz. Estamos
muito perto.
Miguel
viu Liz empalidecer e desistiu completamente de terem uma noite normal de
casal.