A aula havia sido desafiadora como todas as outras
e apesar do sono que tomava conta de seu corpo, Ariella conseguiu se concentrar
nos conceitos passados pelo professor de história da arte. Ainda assim, por
alguns instantes seu pensamento viajava para Diego, seus sussurros de amor e
beijos acalorados. Uma mensagem de Dulce questionava como foi a noite. Teve de
responder, ou a amiga a infernizaria durante todo o dia.
[Ele é gostoso pra caramba. Perfeito até demais. Ainda procuro um
defeito. Rsrsrs Agora me deixe estudar]
[O defeito é morar na Europa, Ariella. Use e
abuse do gato. Mas não se apegue. A malinha dele deve tá pronta e logo ele
deixa Buenos Aires. Não se esqueça.]
[Chupou limão essa manhã? Ontem você estava me incentivando!]
[E continuo incentivando! A
transar com ele até dizer chega. Mas não a se apaixonar, querida.]
[Pode parar por aí. Não sou essa carente e dependente que você
fala.]
[Ótimo então. Não quero lágrimas
de despedida então. Ok????]
[Ok Dulce! Vá achar um namorado e larga do meu pé!]
Ariella até tentou dar ouvidos a
amiga. Mas desistiu quando passou em casa por poucos minutos para se trocar e
correr ao escritório do pai e encontrou uma caixa de bombons esperando por ela
na recepção. Ele não parava de mimá-la. Era mais atencioso a cada momento. E
estava sim conseguindo o objetivo. “Para adoçar seu dia, mi sol”, dizia o
cartão sem assinatura. Ela estranhou isso, principalmente porque as flores
também não tinham remetente no cartão, mas logo esqueceu o fato.
- Isso não é coisa de homem que está
de mala pronta. Ele me quer! Ele me quer mesmo! – Ariella saltitou pelo
apartamento, largou o material escolar e se preparou para ver seu pai.
Não estava particularmente ansiosa
pelo encontro. Afinal, ela e Afonso sempre tiveram uma relação estranha. Ele
não era o mais carinhoso dos pais, mas jamais permitia que lhe faltasse nada.
Ao contrário, dava-lhe muito e não exigia nada em troca. Muitos pais
teriam reclamado dela jamais ter manifestado interesse em ajudar na empresa nem
preocupar-se com o próprio patrimônio. Simplesmente usava a mesada robusta que
caía em sua conta a cada virada de calendário e, se precisasse de alguma coisa
extra, pedia ao pai. Ele nunca lhe disse não.
Naquela reunião, como a secretária
chamava os encontros normalmente bi ou trimestrais que tinha com Afonso,
pretendia lhe contar como estava adorando a faculdade e lhe garantir que todo o
dinheiro investido naquela formação não seriam desperdício. Ela estava segura
de que poderia sustentar-se da arte no futuro. Talento tinha e agora estava
lapidando-o.
- Papai! Como está? – Ela abraçou-o
como fazia a cada encontro.
- Como sempre, minha linda filha.
Acho que não me cabe mais dizer que você cresceu. Mas posso afirmar que está
cada vez mais bela.
- Bobagem sua, papai. Vamos almoçar?
Estou com muita fome hoje e tenho muito o que lhe contar da faculdade. – A
agitação dela deixava clara sua felicidade.
- Vamos sim, é claro. – Afonso
respondeu, pegando o casaco das costas da cadeira e deixando o escritório.
Após contar ao pai, em detalhes,
cada uma de suas aulas e receber comentários animados em retorno, Afonso mudou
o rumo da conversa. Começaram a falar do que sempre falavam, ou seja, como
estava sua vida objetivamente e sua segurança. E Ariella ficou com a sensação
que tudo o que falou antes logo seria esquecido pelo pai.
- O prédio segue bem frequentado?
Não recebi nenhuma queixa mas...
- Tudo como sempre, papai. Não
precisa se preocupar.
A questão segurança sempre foi
importante para Afonso. E piorou quatro anos atrás, quando ela sofreu um
sequestro. Nada de muito grave aconteceu. Alguns homens a pegaram na saída da
escola, quando viria passar o final de semana em casa. Levaram-na
para um lugar deserto e pediram resgate. O pai pagou e ela foi abandonada no
meio de uma estrada. Nada sofreu, a não ser o trauma da violência. Estava
completamente recuperada, ao contrário de Afonso, que jamais deixou de se
preocupar com sua segurança.
Quando o almoço terminou, Ariella
voltou para casa com três pedidos atendidos e a consciência um tanto pesada. Em
menos de duas horas juntos, seu pai concordou em lhe pagar um curso
extracurricular de desenho criativo, financiar a troca de seu carro e emprestar
a casa de campo para um final de semana entre amigos. E, mesmo assim, quando
ele lhe perguntou se ela seguia sozinha ou se já estava novamente apaixonada,
ela lhe mentiu com facilidade.
- Solteira, papai. Nenhum príncipe a
vista em meu horizonte. – Disse brincando para esconder a mentira.
- Melhor assim. Porque tem mesmo de
ser um príncipe para merecer você. Nunca se esqueça disso. – Afonso respondeu.
Por pouco Ariella não brincou
afirmando que na falta de um príncipe, estava saindo de um conde. Quando a
piada com fundo de verdade estava na ponta da língua ela desistiu para não
descumprir uma promessa por algo tão sem importância. Conforme Diego mesmo
afirmou, o fato dele ser um conde em nada mudava sua vida. Ariella voltou para
casa feliz e decidida a manter o relacionamento com Diego em segredo,
exatamente como ele lhe pediu. Lhe enviou uma mensagem assim que ficou sozinha,
confirmando um próximo encontro. Rapidamente havia se acostumado a ter Diego ao
seu redor.
Ela não fazia ideia, mas com isso
permitia ao namorado seguir seu plano exatamente como imaginado por tantos
anos. Logo após por fim ao contato telefônico de Ariella, certo de que seu
segredo seguia em segurança, ele fazia planos de como prosseguir. No sonho era
tudo muito mais simples que na realidade. Agora, ali em Buenos Aires ,
percebia o quanto de sacrifícios teria de fazer em sua vida particular e
profissional para seguir com o plano. Os hotéis estavam precisando de atenção e
tinha mensagens de amigos em Madri que simplesmente não podia responder. Tudo isso
representava várias dores de cabeça;
- Uma semana! Só uma semana e sua
vida já está de cabeça para baixo. – Ítalo lembrou-o. – Quando tempo levará
para a amarrá-la definitivamente? Muito!
- Todo o tempo que for necessário.
Tenho funcionários capacitados em casa e nos hotéis. Nada me impede de passar
uma longa temporada na Argentina. – O que não o fazia desejar isso. Não gostava
daquele país. Estava ali unicamente para enredar Ariella a tal ponto que ela
não resistisse a cair na armadilha. – Mas sei que Olívia e Murilo desejam sua
presença em Madri. Pode
ir vê-los, Ítalo.
Vontade não faltava a Ítalo. Mas
deixar seu jovem patrão, quando esse estava perto de realizar o grande erro de
sua vida era impossível. E sua família era capaz de entender isso.
Especialmente porque Olívia os conhecia há muito mais tempo, trabalhou para
Ramón e Silvana. Ajudou a criar Diego quando sua mãe morreu Ramón afundou-se
cada dia mais. Agora a única família que sobrara ao garoto era Anita, a avó
paterna que o ama, mas visita-o ocasionalmente e não faz ideia dos erros legais
e morais que Diego está prestes a cometer.
Por isso tudo, Olívia senti-se como
uma guardiã daquele jovem e, apesar de sentir a falta do marido, jamais pediria
que esse retorna-se à Espanha deixando-o na América do Sul, sem ninguém para
orientá-lo e trazê-lo de volta à razão. Quem sofre mais com isso é Murilo.
Apenas quatro anos mais jovem que Diego, o filho de Ítalo e Olívia cresceu
frequentando as mesmas escolas e usufruindo da grande casa dos Bueno em Cádiz. E mesmo após
crescerem e se mudarem para Madri, os dois mantinham a mesma amizade da infância.
Se dependesse do patrimônio do pai,
Diego seria hoje um homem pobre já que Ramón perdeu tudo após a morte de
Silvana, usando seu tempo para beber e jogar e esquecendo dos negócios. O que
salvou Diego da pobreza foi a herança deixada pela mãe, que recebeu da justiça
ao completar 18 anos. Com ela ele iniciou seus negócios e apesar de muito
jovem, fez o dinheiro se multiplicar. Quando chegou a hora de Murilo fazer
faculdade e Diego já tinha uma pequena cadeia de hotéis estruturada, Murilo
procurou o amigo e expôs seu plano de fazer hotelaria e, com isso, um dia
receber uma oportunidade de trabalho na empresa de Diego. Respondeu uma
resposta surpreendente.
- A menos que você goste muito de
hotelaria, Murilo, prefiro que você curse administração e venha trabalhar
comigo desde já na empresa. Eu contrato hoteleiros em cada estabelecimento. O
que preciso é de um administrador da minha confiança para administrar os
negócios. Pretendo dobrar a quantidade de hotéis em poucos anos e isso exigirá
trabalho. Se topar, garanto que não se arrependerá. Vou te recompensar.
Desde então Murilo, além de um
amigo, às vezes confidente, tornou-se funcionário de total confiança. Nesse
momento, mesmo sem estar formado ainda, era ele quem estava responsável pelos
negócios localmente quanto Diego cuidava de seus problemas pessoais. Caso algo
grave ocorresse, ele ligava e conversava diretamente com o chefe, mas, quando
as coisas caminhavam calmamente, ele conseguia resolver a tudo sem precisar de
ajuda.
Era com isso que Diego contava nas
próximas semanas ou meses. O que fosse necessário para enganar Ariella.
Tranquilidade nos negócios e em casa para
resolver sua vida particular. Enquanto não conseguisse vingar-se e
acabar com Afonso Amaral, sua vida não estaria completa, mesmo que viesse a ser
um dos maiores empresários de seu país.
- O que fará quando ela aceitar
casar-se e ir para Madri, Diego? O que pretende com tudo isso? Matar uma jovem
de 18 anos que nada lhe fez?
- Não sou um assassino e você sabe.
Matar Ariella e até mesmo Afonso, jamais esteve em meus planos. Já tenho as
operações da maior parte das empresas dele, que estavam falidas. Vou
desmoralizá-lo publicamente. Todos na Argentina saberão que ele é um péssimo
administrador que não tem mais nenhum centavo. E que ele também perdeu a filha
ao mesmo homem.
- Isso tudo você já disse. – Ítalo
pressionou-o. – Mas e depois? A menina estará na Espanha, contrariada e, provavelmente
temendo você. E o que fará? Como termina essa história criada por você.
- Não termina. Ela será a minha
mulher. Se quiser ficar e ser uma duquesa, continuar em sua vida de princesinha
sustentada, ótimo.
- E se não quiser?
- Ela pode ir embora. – Diego
respondeu friamente. – Depois que me der um filho, Ariella pode deixar a
Espanha. Desde que abra mão dele. E saiba que não mais terá quem a sustente.
Terá de aceitar pela primeira vez na vida que trabalho a mais do que um gosto,
é necessidade. E, posso garantir, ela preferirá uma prisão de luxo do que uma
liberdade na miséria.
- E então? O que acontece? –
Novamente Ítalo tentou fazê-lo ver a realidade.
- Então o que? – Diego já estava
irritado. – Então eu terei vencido. Simples!
- Vencido? Isso é vencer? Terá uma
mulher magoada e uma criança traumatizada em meio a tudo isso. E você estará
feito um louco, como Ramón.
- Não fale do meu pai!
- Falo! Falo porque vi. Ele ficou
infeliz e por isso enlouqueceu. A infelicidade e a solidão faz isso com um
homem. E você foi criado em meio a essa infelicidade. Veja no que se
transformou. Quer colocar outra criança no mundo para passar por isso?
- Os Amaral tomaram a minha mãe. Eu
tirarei um filho deles. É isso que fará Afonso Amaral saber o quanto sofremos.
E se isso se chama loucura, que eu seja um louco. Agora me deixe sozinho.
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