Não fosse Emily estar com pressa para chegar ao
restaurante e Jonas, no fundo, entender que ela realmente precisava ir, eles
teriam continuado aquele bate boca sem perceber que não estavam sozinhos.
Lorenzo estava achando até típico. Casal não era casal de verdade sem brigas.
Duas pessoas diferentes precisavam divergir de vez enquanto ou, no mínimo, não
se importavam muito uma com a outra. Eles iam encontrar um meio termo e, cada
um cedendo um pouquinho, buscar a felicidade. Ele pensou em sugerir uma saída.
- Eu acho a noite de hoje perfeita para conhecer o
restaurante de Emily. – Disse e viu um sorriso surgir no rosto da cunhada,
acompanhado pela expressão de desânimo de Jonas. – Não reclame, meu irmão. Não
é questão de escolha. Emily tem suas responsabilidades profissionais, assim
como nós.
- Mas ela está em repouso por indicação médica! – Jonas
argumentou.
- Por isso mesmo! Ela não precisará dirigir. Você nos
levará no seu carro enquanto Emily repousa. Ela cuidará do restaurante por
essas últimas três horas que faltam ao expediente, enquanto nós apreciamos um
belo jantar. E você aproveita para ficar de olho nela.
O lugar estava cheio e, ao entrar, Jonas entendeu que sua
namorada era realmente necessária ali. Mesmo assim, preferia estar no sofá de
sua sala, com ela sentada ao seu lado. A realidade era um pouco menos
desagradável devido ao sabor da comida e o belo atendimento que a equipe
liderada por Márcio oferecia no salão.
- Senhor Jonas, é um prazer recebê-lo novamente e dessa
vez acompanhado de seu irmão. Não cometerei a gafe de lhe oferecer a carta de
vinhos. Posso trazer o seu favorito? – Márcio disse.
- Pode sim, Márcio. E pode também me fazer o favor de
ficar de olho em Emily. Não
a deixe se esforçar muito.
- Àquela cozinha está uma loucura! Mas ela sabe se manter
na linha. E me pediu para serviços com cuidado especial.
- Ele é sempre assim tão formal? – Lorenzo comentou.
- Sim. Trabalha com Emily há muito tempo e é de total
confiança. Além de ser uma figura e tanto.
Eles comeram e beberam muito bem. E Jonas teve de
reconhecer algo que, após tantos anos frequentando o lugar, só agora percebia.
Emily era competente. Não se tratava de um hobbie ou de algo apenas
profissional. Era ambos. Ela tinha sim talento com as panelas e, também
tornou-se uma grande administradora. O resultado dessa soma de talentos foi uma
mulher com carreira de sucesso. Ao irem embora, Jonas sentia o peito estufado
de orgulho.
Seis semanas depois...
Lorenzo já estava bem adaptado a São Paulo e vivia bem no
seu novo apartamento. Mesmo que o espaço reduzido e a falta de verde da vista
de sua janela o incomodassem. Ele e Jonas revezavam-se em visitas a Bento
Gonçalves. Ou os pais reclamavam do afastamento de ambos os filhos. Além disso,
a vinícola exigia atenção. A consultoria em administração empresarial ainda
estava em fase de abertura e, mesmo assim, ele já vivia as alegrias e
dificuldades de se dividir entre duas empresas.
Nada do qual Jonas não experimentasse há vários anos. Na
contramão, Jonas tentava fazer o oposto de Lorenzo. Ele se via forçado a abrir
espaço em sua agenda para questões pessoais. Não era culpa de Emily nem algo
que complicasse a sua rotina. Ao menos era isso que ele vivia repetindo para
acalmá-la. Há alguns dias, a médica de Emily liberou-a para seguir com o
tratamento para engravidar. Leonor afirmou que o útero de Emily estava
recuperado da raspagem e que podiam seguir com os procedimentos. Isso significava
consultas, exames e tratamentos muitas vezes nada agradáveis.
Emily estava utilizando uma combinação de medicamentos
por via oral e, também, injeções subcutâneas para melhorar as chances de
ovulação. Ela jurava que não sentia dor ou desconforto algum e parecia mais
animada do que nunca. Mesmo assim, não era algo agradável de ver então não
deveria ser muito bom de fazer. E se o bebê era um desejo dos dois, não achava
justo ela ter de passar por aquilo sozinha. As injeções podiam ser aplicadas em
casa mesmo, mas, a cada quatro dias ela tinha de ir ao hospital e fazer exames
hormonais. E surgiam mais agulhas.
- Acalme-se, Jonas. Você também terá sua quota de
sacrifícios. – Leonor lembrou-o.
Era verdade. Como a médica explicou, os ovários e trompas
de Emily foram muito comprometidos pela endometriose. Então, sua melhor chance
de ter um bebê era a inseminação artificial. E era padrão nesses casos, também
testarem a qualidade dos espermatozóides antes de realizarem qualquer
procedimento.
- Mas quem não é saudável sou eu. – Emily argumentou
sabendo que aquilo era constrangedor para qualquer homem.
- Não sabemos. – Leonor respondeu. – E temos de maximizar
nossas chances já que você já tem problemas. Então vamos testar os
espermatozóides de Jonas.
- Não tem problema, Emily. Eu faço. – Ele disse apertando
sua mão bem firme dentro da dele.
E lá estava ele, numa sala pouco amigável, fingindo não
haver nada de estranho. Estava sentado numa poltrona confortável. No chão um
tapete felpudo. À sua frente uma televisão moderna. Não fossem as capas de
revistas masculinas, poderia fingir estar numa sala de estar comum. O potinho
de plástico na mesa à sua esquerda não deixava dúvidas. Estava ali, depois de
vários dias de abstinência, para coletar seu esperma. Depois a equipe médica
faria testes para descobrir se ele poderia engravidar sua namorada.
- Teve um tempo em que essas coisas eram mais fáceis. – Resmungou.
Preferiu usar apenas nos próprios pensamentos para se
excitar e aproveitou para pensar que naquela noite estaria liberado para tocar
Emily. Estava há dias sem ela devido a esses testes. Não demorou para concluir
a coleta.
- Me desculpe por isso. – Emily disse assim que saíram da
clínica.
- Fique tranquila. Eu estou muito bem. E nós ficaremos
bem.
Ficaram deliciosamente juntos naquela noite. Jonas
aproveitou para mostrar o quando a desejava. Emily vinha dizendo que ele a
mimava muito e tratava-a como se fosse se quebrar a qualquer toque desde que
soube de sua doença. Aquela noite lhe pareceu uma ótima oportunidade para
mostrar que não era assim.
- Eu quis você por todos esses dias. Sempre quero. Mesmo
quando não posso ter. – Lhe disse enquanto beijava seu rosto acompanhando a
linha do maxilar delicado.
- Então me tenha. Sou toda sua. – Emily respondeu.
Naturalmente pouco carinhosa e mais objetiva no dia a
dia, na cama Emily sabia como fazê-lo se sentir amado na cama. Jonas não
gostava de pressa e ela dedicava-se a acarinhá-lo lentamente. Deliciava-se em
beijar aquela pele perfeita, que somente ele tinha.
-É inacreditável o quanto você é lindo. As mulheres devem
se atirar na sua frente. Loucas por um pedacinho seu.
- Elas não têm. Sou só seu. – Ele respondeu devolvendo os
afagos com beijos acalorados.
O resultado de todos aqueles exames ainda levaria alguns
dias e Emily estava nervosa. Seu estado de espírito não melhorou muito quanto
Jonas pediu por sua companhia num evento da construtora. Ela disse sim, imaginando
se tratar de um jantar de negócios em que ela teria de entreter dondocas chatas
enquanto ele assinava contratos. Mas não era bem isso.
- A JRJ Construtora irá receber um prêmio e, durante a
festa, vamos lançar um empreendimento imobiliário classe A. Essa construção
envolve muito dinheiro, por isso queremos atrair holofotes para ela.
- Claro que eu estarei lá. – Ela disse.
Ela
chegou ao evento ao seu lado. E posou para os fotógrafos junto dele. Orgulhoso,
Jonas informava a todos que perguntavam quem era sua bela acompanhante que
aquela era sua namorada...e futura esposa. Quando ouviu Emily disfarçou a
surpresa, quase susto, e só questionou Jonas quando ficaram sozinhos.
-
Que história é essa de futura esposa?
-
É o caminho normal de um relacionamento, não? Namoro, noivado, casamento.
Família.
Aquilo
pegou Emily de surpresa. Palavras como noivado e casamento nunca passaram por
sua cabeça. Logo foram interrompidos por um empresário que veio cumprimentar
Jonas e ela não teve chance de responder. Foi bom. Assim teve mais tempo para
assimilar aquela novidade.
Para
quem os observava, no entanto, aquilo não era inesperado. A forma como os dois
sorriam juntos, conversavam e se tocavam numa naturalidade típica dos casais
que se conhecem há muito tempo, fazia com que alguns já acreditassem que eram
casados. À mesa do jantar, Emily conversou amigavelmente com alguns dos
convidados. Eles ficaram encantados com a namorada de Jonas.
-
Fez uma grande escolha. Ela é maravilhosa. – A esposa de um amigo de longa data
disse.
-
Sim, ela é mesmo. Sou um homem de sorte. – Jonas respondeu.
Emily
o observava, embevecida na beleza daquele homem, hoje vestido elegantemente
para atrair olhares. Ele tinha alcançado o objetivo.
Além
de Lorenzo e Emily, outras pessoas queridas para Jonas estavam prestigiando o
evento. Juliana e Rafael, seus sócios na construtora, sentaram na mesma mesa.
Rafael veio acompanhado da esposa, Melissa. A amiga de Emily já os tinha
desculpado pelo relacionamento escondido e agora apoiava o casal. Estava
adorando a ideia delas, amigas há tantos anos, namorarem os sócios da mesma
empresa
Já
Juliana estava deslocada. Ela sempre teve uma amizade distante com Melissa e
nunca se relacionou com Emily. Ela lembrava-se da loira, chefe de cozinha, que
foi madrinha no casamento de Rafael e Melissa. Mas há algumas semanas foi
surpreendida com a notícia que Jonas a estava namorando. E, ainda pior,
tratava-se de algo antigo e agora eles viviam juntos.
Juliana
sempre pensou que Jonas seria um eterno solteiro. Não sozinho, é claro. Era
bonito e agradável demais para isso. Mas nunca o imaginou num relacionamento
sério. Ainda mais depois dele tê-la carinhosamente dispensado após algumas
saídas.
-
Você é minha sócia e minha amiga. Não vou estragar a nossa relação por algo
passageiro. – Ele lhe disse.
Foi
delicado, foi simpático e, mesmo assim, doeu ser dispensada por ele. Superou
apenas pela certeza de que ninguém seria capaz de fazer Jonas desejar
compromisso. Por isso sua decepção em vê-lo derretido por Emily.
Essa
decepção não passou despercebida por Emily. Juliana cobiçava Jonas, estava em
seus olhos. E mesmo não tendo nenhuma razão para sentir ciúme, o sentimento
estava ali, pronto pra derrubá-la.
-
Ela o quer. Dá para ver de longe. – Disse para Melissa.
-
Sim, sempre quis. Mas Jonas a dispensou quando eu e Rafael ainda namorávamos. –
Esclareceu a amiga. – Ela está enciumada. Apenas isso.
-
É. Mas não gostei disso. – Um sentimento possessivo começava a tomar conta
dela.
Na
hora em que Juliana
foi ao toalete, resolveu que era hora de mostrar as garras. Juliana passava
tempo demais com seu homem, precisava entender definitivamente que aquele
belíssimo representante do sexo masculino tinha dona. Ficou ali, retocando seu
batom enquanto Juliana usava o reservado. Só o olhar assustado que a ruiva lhe
deu quando percebeu sua presença já confirmou suas desconfianças.
-
Oi...é Emily, certo? Jonas não chegou a nos apresentar. Sou Juliana, sócia
dele.
-
Muito prazer em conhecê-la, Juliana. Sou Emily. O Jonas não teve oportunidade
de nos apresentar.
-
É verdade. Mas eu sei que você é namorada dele.
-
Mais do que isso, na verdade. – Emily teve o prazer de responder.
-
Aaaa claro. Vocês dividem o apartamento. – Ela fez soar como dois adolescentes
repartindo um quarto e sala por falta de opção.
-
Mais do que isso. – Emily repetiu.
-
Acho que eu não entendi.
-
Eu explico. – Nada daria mais prazer a Emily naquele momento. – Sou a futura
esposa de Jonas. Ou a noiva, se você preferir.
-
É, eu...eu...não sabia. Desculpe-me.
-
Não se preocupe. Agora você já sabe. É ótimo termos esclarecido essa questão.
Emily
logo deixou o banheiro e voltou para os braços do namorado, agora noivo. Ele
não fazia ideia do clima ruim entre as duas. E nem precisava. Certo era que
agora Juliana se comportaria. E ela gostou do novo título.
-
Será que está bom de festa por hoje? Eu gostaria muito que você levasse sua
futura esposa para casa agora. – Disse em seu ouvido.
-
Você gostou? Achei que iria...estranhar.
-
Eu gostei, claro. É bom saber que você me quer como sua mulher. Um dia, quem
sabe, nós vamos casar.
-
Um dia? Você acha que será distante assim? – Ele achou lindo o rubor que surgiu
em seu rosto e resolveu arriscar. Ergueu o tom de voz e subiu novamente no
palco onde minutos antes recebia o prêmio. – Senhores! Peço a atenção de todos.
Quando
todos se voltaram para ele novamente, muitos estranhando vê-lo novamente sobre
o palco, ele olhou para Emily e disse palavras as quais jamais imaginou repetir
para uma mulher.
-
Eu peço licença para interromper a festa de todos para informá-los de que essa
linda mulher chamada Emily Fruett aceitou tornar-se minha esposa. Foi algo
surpreendente e por isso eu ainda não lhe comprei um anel. Mas não podia perder
a oportunidade de dizer aos senhores que ela é minha. E, muito em breve,
oficializaremos nossa união.
Ao
descer do palco sob aplausos, Jonas beijou Emily e decidiu não deixar a festa
ainda. Queria dançar com ela mais um pouco. Seguiram para a pista sendo
observados por muitos dos convidados.
Mas
não todos. Lorenzo não viu o irmão comprometer-se em público com Emily. Já
estava tarde para os seus hábitos e ele resolveu ir dormir. Surpreendeu-se ao
pegar seu carro debaixo de chuva intensa. Dentro do salão eles não perceberam,
mas um verdadeiro dilúvio havia caído na cidade de São Paulo. E ele precisava
rodar muito até alcançar o bairro onde ficava seu novo apartamento.
Mesmo
no horário avançado, o trânsito seguia com problemas porque muitas ruas foram
interditadas por alagamento. Ele, que ainda não conhecia bem toda a cidade,
surpreendeu-se ao ter de fazer um trajeto muito diferente. E assustou-se ao ver
pessoas empurrando carros enguiçados ou caminhando com água na altura dos
joelhos. As estações de rádio davam conta de que muitas pessoas não conseguiram
pegar seus coletivos para ir para casa.
Todo
aquele caos de cidade grande o assustava. E só ficou pior quando viu alguém
conhecido. Avistou Jéssica, encolhida numa calçada, tentando abrigar-se da
chuva sob uma marquise. Ela segurava uma criança, enrolada num grande casaco.
Dela, provavelmente, já que em sua blusa de manga curta a jovem parecia tremer
de frio. Ele parou o carro junto da calçada e abriu a porta do carona.
-
Entre! Eu te levo para casa! – Era um convite, mas soou como uma ordem. Melhor
assim. Naquela situação, não poderia lhe dar as costas e ir embora abandonando
a funcionária de seu irmão ali. Lorenzo dizia
a si mesmo que não passava de uma gentileza necessária.
-
O senhor....o senhor...aqui. É...inacreditável. – Foi o que Jéssica disse ao
entrar no carro e encharcar o banco.
-
Lorenzo, Jéssica. Só Lorenzo. Me diga onde você mora. Eu te levo em casa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário