O tempo curto pareceu uma
eternidade. Minutos não passaram como deveriam, horas arrastaram-se como se
cada instante fosse e voltasse inúmeras vezes apenas para deixá-lo ainda mais
irritado. No fundo, não era com o tempo o seu desgosto. Ou, talvez, fosse
devido a sua incapacidade de voltar nos erros cometidos. Um erro de oito meses
atrás agora tornava-se uma realidade complicada e da qual ele se escondeu
vergonhosamente nos últimos tempos. Aquele erro fazia com que fosse obrigado a
abandonar a esposa na reta final de uma gestação complicada e rodeada de
problemas familiares e profissionais para cumprir sua inadiável obrigação de
ver seu outro filho nascer.
- Isso não está se
alongando demais? – Perguntou à médica obstetra que acompanhou Alejandra
durante toda a gravidez.
- Não estamos fora da
normalidade, Miguel. Na verdade, três horas de trabalho de parto é até mesmo
uma situação tranquila. Podemos dizer que sua filha é uma menina apressada. –
Drª Margô afirmou. – Acredito que em meia hora ela nasça.
Então Miguel percebeu que
não esteve ali por tanto tempo. A verdade é que se sentia tão constrangido, tão
culpado e tão deslocado que não conseguia participar daquele importante
acontecimento. Talvez fosse assim para todo homem que se via numa sala de
parto. Ele, mesmo sendo médico, e por isso conhecedor do ambiente hospitalar,
sentiu-se oprimido naquela sala cirúrgica diante de uma mulher que sofria e o
ignorava sumariamente. Parecia que agora, em seu momento de glória maternal,
Alejandra encontrara a forma perfeita de se vingar de cada uma das vezes que
fora ignorada.
Era um sofrimento
insuportável assistir o parto, mas não participar dele, nem mesmo da forma um
tanto inevitavelmente desnecessária que cabia aos homens. Tocar as mãos de
Alejandra, acariciar seu rosto ou falar qualquer palavra de incentivo poderia
não servir de nada ao parto, mas o ajudaria a se manter mais calmo. Mas
qualquer aproximação era rechaçada por Alejandra. Ao que parecia, a permissão
para que ele estivesse ali serviu muito mais como forma de castigo do que como
bandeira branca em sinal de paz. Somente quando ouviu Alejandra soltar um grito
mais forte é que ele realmente acreditou nas palavras da médica e percebeu que
realmente a filha estava há poucos instantes de vir ao mundo.
- Isso, descanse agora. Mais
alguns empurrões e ela nascerá. – Margô disse, sorridente e segura como apenas
algum que já passou por isso centenas de vezes poderia.
- Miguel...se aproxime. –
Alejandra pediu com uma voz mais firme do que ele esperava.
- Estou aqui.
- Você acredita que ela é
sua filha?
- Não é hora para
discutirmos isso, Alê. – O assunto muito íntimo, trazido à frente de estranhos,
num momento de estremo desgaste físico e emocional, incomodou Miguel.
- Quiero una respuesta. Sí
o no. – Na língua mãe dela e tão comum a ele, Alejandra exigiu uma resposta
direta. Com a testa úmida e os cabelos molhados escapando por uma touca já
caindo Alejandra mostrava-se sem paciência.
- Sí. – Miguel confirmou,
sendo ao menos parcialmente sincero. Não era hora para dizer o contrário. Sim,
é minha filha. - Es mi hija.
- Quero chamá-la de
Catarina. Você concorda? – Alejandra perguntou, esquecendo as desavenças do
passado.
- Catarina é um lindo nome.
– Miguel concordou.
Catarina veio ao mundo minutos depois, sem exigir mais
nenhum esforço de sua mãe, contrariando a expectativa da médica. Para Miguel,
soou como se a menina estivesse apenas esperando seus pais selarem a paz, mesmo
que deixando uma série de coisas por dizer.
- Parabéns, papais. Catarina é uma linda menina. – Margô
afirmou.
- Obrigada. – Miguel respondeu de forma automática, vendo
a filha chorar bravamente e ser acalentada por sua mãe antes de ser levada pelo
pediatra. Ela nasceu antes do tempo e precisava de cuidados. – Alê, parabéns.
Eu...não fui um bom marido pra você e...acho que também falhei bastante como
ex-marido e como pai. Mas eu quero que tenhamos uma boa relação por Catarina.
- Elizabeth é uma mulher de sorte. Ela conseguiu de você
o que eu sempre quis...Catarina não foi um acidente Miguel, não pra mim, pelo
menos. Eu queria você de volta...não... na verdade eu queria esse novo Miguel
de volta, não o com quem eu me casei. Eu cobicei o marido de Elizabeth, não o
meu ex. E achei que um bebê o traria para mim.
- Esse Miguel, Alê, só existe por Liz. Ele morreria se eu
me afastasse dela.
- É. Agora eu vejo isso. Você nunca me amou. – Essa era
uma verdade tão dura quanto real. – Catarina é sua, mas ela não veio por acaso.
Eu sabia do risco de engravidar naquela noite. Queria usar o bebê para destruir
o seu casamento. Odiava Elizabeth por conseguir ser feliz com você!
- Vamos deixar isso no passado Alê. Catarina é o nosso
presente e eu desejo ser um bom pai para ela, mesmo estando divorciado de você.
Espero que consiga lidar com isso.
- Não quero mais viver assim, sozinha e em guerra com
todos. Vou voltar para a Espanha e retomar minha vida.
Era algo que faria bem para sua vida conjugal, pensou
Miguel, mas que, lá no fundo, lhe desagradava. Afinal, como cumprir com suas
obrigações de pai tendo Catarina do outro lado do mundo? Por outro lado, ele
não se sentia no direito de pedir nada.
- Não decida isso agora. Você acabou de dar a luz, Alê.
Você e Catarina têm tempo para decidir onde querem morar. Eu gostaria que fosse
aqui no Brasil.
...
Elizabeth acordou com a dor nas costas que costumava
acompanhar todas as gestantes em fim de gravidez. Sobretudo aquelas com o corpo
inchado além do aceitável e a pressão arterial permanentemente alta. Por isso,
ao abrir os olhos, ela não se surpreendeu nem um pouco. Havia trabalhado
intensamente junto de sua equipe, analisando os dados que por todos esses meses
estiveram escondidos, mas que agora vieram à luz graças a Beatriz.
Tanto trabalho fez que já tivessem um plano de ação
completo. Rebeca estava comparando cada informação nova com a atual linha de
investigação. Provavelmente, agora surgiriam novas pontos soltas. De pronto, um
nome lhe chamou a atenção.
- Preciso revisar o primeiro depoimento do Kara Machado.
Na íntegra. – Ela pediu à colega de polícia, ao revisar um arquivo de Beatriz.
Na verdade, uma espécie de check-list que ela deixará, apontando assuntos que
precisava esclarecer no futuro. – Eu já li esse nome antes. E acho que foi Kara
quem o citou.
- Kara Machado? – Tom questionou puxando pela memória. –
Uma das escravas sexuais morta pouco depois de ser libertada?
- Essa mesma. Ela citou um tal de “Otto” que seria
importante no comando dos negócios. Esse nome também aparece nas anotações de
Bia. – Liz respondeu. Após anos lidando
com esses casos, os quais ela tinha certeza estavam ligados, chegava a lembrar
de cada frase registrada nos depoimentos.
- Cuidado, Liz. – Tom argumentou. – Pode ser uma pista
falsa ou coincidência. Beatriz investigou o assunto aqui em São Paulo e Kara
foi resgatada de uma boate na Rússia. Dificilmente elas cruzariam com o mesmo
homem.
- É, dificilmente. – Mas Elizabeth costumava acreditar
que coisas difíceis ocorriam. – Antes de morrer naquela suposta overdose,
conversei com Kara. Sei que ela escondeu muita coisa por ter medo, o que depois
confirmamos haver fundamento. Mas ela comentou algumas coisas importantes. Ela
citou o nome Benitez e ela me disse que o negócio ia além da Rússia. Ela
conheceu esse “Otto” e o temia. Beatriz o descreve como um homem bonito e
escorregadio, daqueles que cativava suas vítimas para atraí-las.
- Os perfis são similares. – Opinou Rebeca. Ela aprendeu
que duvidar do sexto sentido de Liz normalmente era perda de tempo.
- Vamos procurar outras vítimas resgatadas nessa boate,
talvez alguém confirme o que Kara afirmou e nos dê uma descrição física desse
homem. – Liz pediu. Por experiência própria, ela sabia que na cama, com uma
mulher que consideravam sem cultura, os homens falavam demais. – Vamos
encontrar Otto. Se ele tinha funções aqui e na Rússia nesse esquema, meu
palpite é que Otto levava as brasileiras para lá e as inseria na prostituição.
Talvez não num lugar de alto nível como a Noxotb, mas numa casa mais simples e
barata. As mulheres que se destacavam e serviam para os clientes exigentes ele
encaminhava para o ponto classe A.
- Faz todo o sentido. – Tom concordou. – Vamos conversar
com Patrícia. Ela pode acrescentar algo.
Quando o cansaço tomava conta de todos e o relógio
mostrava que o amanhã já chegara, a equipe impediu Elizabeth de fazer uma nova
remeça de café e pôs fim ao trabalho. A grávida precisava dormir. Após negar
todos oferecimentos de Beca para ali ficar, ela colocou os colegas para fora,
tomou banho e se deitou. Deixou a imagem de Miguel junto de Alejandra fora de
sua mente para que o sono não se fosse, abrindo espaço ao sofrimento. O ciúme
do marido ainda ardia em seu peito. E a certeza daquela traição seguia como uma
ferida aberta por baixo de um curativo bem feito. Podia sorrir para Miguel,
deliciar-se em seus braços, sonhar em passar a vida toda com ele, mas, ainda
assim, sofria ao imaginá-lo sendo pai do filho de outra.
Pensar em Beatriz, porém, também não evocava sonhos
melhores. Nada poderia ter lhe feito mais feliz do que a certeza da irmã estar
viva. Mas aquele mistério lhe feria. Até agora Beatriz não respondera sua
mensagem nem ligou para o número de celular seguro que lhe passou. A ideia de
ouvir a voz e Bia novamente fazia seu coração disparar. Apenas ainda não
entendia porque ela não procurara uma embaixada brasileira, seja lá onde
estava, se tinha liberdade o bastante para usar telefone e internet. Todas
essas preocupações a lhe tumultuar o sono devem ter colaborado para aquela dor
nas costas particularmente ruim.
- Bom dia, Benício. Vamos tomar café da manhã? Mamãe está
com muita fome, meu bebê.
Somente quando chegou na sala foi que Elizabeth percebeu
que a casa não estava exatamente como na madrugada. A bagunça feita por ela e a
equipe policial fora arrumada. Todos os copos e xícaras espalhados pelo
apartamento agora estavam limpos e escorrendo sobre a pia. E sentado à mesa,
com o rosto apoiado nas mãos estava Miguel, cabisbaixo demais para quem acabara
de viver um momento tão importante.
- Tudo bem? – Liz
perguntou. – Limpar a casa pareceu mais agradável do que dormir ao meu lado? Eu
estou grande, mas ainda há espaço para você na cama.
- Estava sem sono então
resolvi adiantar umas coisas. Assim você não tem de lavar louça. Como se sente?
Alguma novidade de Bia?
Elizabeth observou Miguel
antes de falar. Ele tinha os olhos cansados e as roupas amassadas. Estava
visivelmente precisando de banho e repouso. Porém, parecia perdido em sua
própria casa e sem saber como chegar ao chuveiro. Provavelmente, fugira da cama
para não precisar falar do único assunto que realmente o interessava naquele
momento.
- Nada de novidade. E você?
Acho que tem coisas para me contar.
- Você não precisa ouvir
sobre isso Liz. Te causa sofrimento. Eu compreendo e vou me manter dis...
- Me causou sofrimento você
encher a cara e dormir com sua ex. O fato de terem gerado um bebê foi apenas um
detalhe com o qual terei de me acostumar. É sua filha, Miguel. Não posso
ignorá-la. Por isso, comece a falar. Você tem motivos para estar empolgado.
Miguel pareceu surpreso com a reação da esposa, o que a
feriu um pouco. Afinal, imaginava que ele tinha uma visão um pouco menos cruel
ao seu respeito depois de tanto tempo juntos. Para ela é assim, se o perdoou a
vida tinha de seguir em parceria. A surpresa de Miguel passou e, no instante
seguinte estava contando a respeito de Catarina, seu choro estridente, a pele
delicada, os traços ainda muito jovens para dizer claramente se trazia ou não
alguma semelhança com os Benitez. Contou, também, da conversa surpreendente com
Alejandra e da confissão de que tudo fora planejado para pôr fim no casamento
deles.
- O que não tem remédio, está remediado. Vamos seguir a
vida, Miguel. Ao menos agora ela viu que estava errada e nos deixará em paz.
Resta agora você fazer as pazes com sua mãe.
- Acho um tanto difícil. – Para ele
sempre foi mais fácil aceitar a armação da ex do que entender a negativa de
Rúbia em vê-lo feliz com a esposa. - Mas me conte o que aconteceu aqui na minha
ausência. - A investigação evoluiu?
- Muito...penso que muito em breve
terei Gabriela na cadeia...e Bia livre. Mas ainda espero poder encontrar cada
membro dessa quadrilha e colocar um a um na cadeia.
Um
relatório mais completo, porém, ficou para depois. Depois de desabafar e
relaxar, Miguel se entregou ao cansaço e Elizabeth voltou para cama para lhe
fazer companhia. Era a única forma dele dormir tranquilo, tendo a certeza de
que ela não fazia nenhuma estripulia pela casa.
...
Inteligente
e sagaz, Gabriela não levou muito tempo para perceber que Nikolay facilmente se tornava
cego devido ao próprio ego. Eles jamais foram próximos, mas concorreram por
tantos anos que, e alguma forma, ela imaginou conhece-lo bem. Errou. Somente agora,
sob o seu comando e tendo de lidar com suas sádicas ações é que realmente soube
quem é esse poderoso homem, movido pelo dinheiro e pelas maníacas vontades.
Para conseguir algo que realmente desejava, era capaz de muito, inclusive de
colocar em risco o império que construiu. O que os diferenciava, além das áreas
de atuação, pensou Gabriela, é que enquanto ela passou anos mantendo as sua
identidade em sigilo, Nikolay esforçou-se para fazer um nome e gerar terror em
torno dele. Além disso, ele facilmente misturava negócios com prazer. Tanto que
tomou uma de suas garotas como escrava pessoal e ficou destroçado depois que se
livrou dela. E Gabriela sabia exatamente onde essa mulher estava. Quando começou
a se incomodar com Elizabeth, passou a manter atenção sobre seus passos e soube
da garota presa que foi “adotada” pela policial. Fez ligação quase que instantaneamente
com a garota de Nikolay. Chegou a assustá-la, no intuito de segurar sua língua.
Naquele momento, a queda de Nikolay era negativa para todos no negócio. Porém,
não pode atentar a Paty porque Beatriz tornou-se um problema mais emergencial.
Deixou Paty viva no Brasil, ao lado de Elizabeth. E isso agora mostrava-se uma
jogada de sorte.
- Não haverá um doce reencontro seu
e de Paty, Nikolay. Se Elizabeth chegar até mim, também chega até você. E aí,
basta um depoimento daquela ratinha. Vou dar a Liz alguém para colocar na
cadeia e sair limpinha disso tudo.
Enquanto isso, porém, era necessário
obedecer e passar ilesa pelas garras de Samantha. Isso, é claro, até conseguir lhe
cortar a garganta silenciosamente.
- Seu cliente a espera, queridinha.
Está pronta? – Samantha disse após destrancar a porta do alojamento onde agora
Gabriela vivia. – Ele é brasileiro e gosta de agitação. Escolhi especialmente
para você.
- Eu posso imaginar. – Gabriela respondeu.
– Desde que não me reconheça.
- Não creio. Até porque você está
diferente.
Sim, diferente, pensava Gabriela.
Mas o despeito que via nos olhos da rival lhe dizia que seguia bonita e
atrativa. E se Samantha pensava que deitar-se com um homem por dinheiro iria
humilhá-la, iria decepcionar-se. Passou a vida fazendo isso. Os valores é que
era muito superiores, na maior parte das vezes disfarçados por jóias e alto
padrão. No fim das contas, porém, era sexo prazeroso sendo oferecido em troca
de algo muito valoroso. Exatamente igual.
O brasileiro deleitou-se nela ao
primeiro olhar. Seu gosto por mulheres fartas e sedutoras, daquelas que pareciam
nascidas para dar prazer, era conhecido de Nikolay. Fazendeiro do Mato Grosso
do Sul, bronco e pouco afeito a modernidades, João Aguirre poderia ser chamado
de tudo menos de um homem moderno. As mulheres, sobretudo as que viviam do
corpo, gostavam do trato de um homem forte e ele sabia lhes manter satisfeita e
sob rédea curta. Essa, Nikolay lhe garantiu, era experiente na profissão e
gostava de apanhar. Sem muitas apresentações, chamou-a para que se aproximasse
e quis provar se ela era tão gostosa quanto a roupa oferecia.
- Qual seu nome, minha belezura? – Ele perguntou
já apalpando as curvas arredondadas do quadril farto e colocando-a sobre um
balcão.
-
Pode me chamar de Gaby.
-
Bom nome para uma puta. Você é bem gostosa.
-
Não viu nada ainda, João. – Ela disse enquanto abria a camisa dele.
E
então foi surpreendida por uma forte bofetada, que a fez sentir o gosto de
sangue na boca. Ele não era inofensivo, confirmou.
-
Me chame de Aguirre. E não faça nada sem que eu mande. Me desobedeça, Gaby, e
te desmonto a pancada. Entendeu?
-
Sim. – Gabriela sabia que naquele momento precisaria ser assim. – O que deseja,
senhor.
-
Primeiro vamos tirar essa sua roupinha.
Somente
cinco horas depois, com muitos arranhões e hematomas pelo corpo, porém, com
três vezes mais dinheiro do que o combinado, Gabriela chegou a boate. Nikolay
já havia ficado sabendo do “alto desempenho” de sua nova garota.
- Você
fez um trabalho arrasador, Gabriela. – O novo dono a provocou. – Posso afirmar
que você nasceu para isso.
-
Vai tomar no cú! – Ela respondeu.
-
Fiquei sabendo que o seu desempenho nesse quesito foi muito bom. Adorei seu
profissionalismo. No seu lugar, eu iria dormir agora, afinal logo terei outro
cliente para lhe oferecer.
-
Você é um porco, Nikolay. Um porco que não conseguiu manter nem mesmo uma
escrava! – Ainda não era a hora, mas tendo o ego tão machucado, Gabriela não
resistiu em feri-lo com a única arma que possuí-a. Pois saiba que nunca mais colocará as mãos
nela...a menos que eu permitir.
-
Eu só não a mato, Gabriela, porque você merece coisa bem pior. – Foi a única
resposta oferecida por ele.
Seus
olhos claros se tornaram mais duros. Havia emoção, mas ela foi deixada de lado
rapidamente. Pensar em Paty era, para ele, algo doloroso e desnecessário. Ele
havia se livrado dela quando julgou adequado. Reconhecia que depois arrependeu-se
do ato impensado. Principalmente, porque nenhuma outro mostrou-se igualmente
satisfatória no posto de escrava sexual. A doce Patrícia, que nada lhe negava e
que sempre o esperava disposta. A menina idiota que o tratava como seu
salvador, não o seu proprietário. A imbecil que ousou gerar um filho seu. E
pagou o preço disso. Patrícia é o seu passado. E ver Gabriela trazê-la de volta
o desagradou.
...
Elizabeth
esperava o telefone tocar para ouvir Beatriz, poder, enfim, ter a certeza da
vida de sua irmã. Mas quando enfim recebeu uma ligação do exterior, ouviu a voz
de um homem. Sebastian Gonzáles, reconheceu instantaneamente. Aquele homem, com
o qual esteve recentemente em uma elegante festa no Brasil, agora lhe
confirmava ser o sequestrador de sua irmã ou, no mínimo, um receptador. Bonito,
charmoso e perigoso, Elizabeth resumiu, montando um perfil do seu suspeito.
Acionou o sistema de gravação de áudio e conversou com ele.
-
Espero que minha irmã esteja viva ao seu lado Sebastian e que você passe o
telefone para ela agora. Já vou indiciá-lo por sequestro e tráfico internacional,
assassinato não está nos planos. – Afirmou, lutando para manter a voz firme.
-
Ela está comigo sim, Elizabeth. Eu sei que você está gravando e que isso será
usado contra mim como uma confissão. E não me importo.
Isso
pegou Liz de surpresa. Ela não entendia o que Sebastian planejava.
-
Passe para ela. – A policial ordenou.
-
Não será possível. – Ele respondeu com a voz tranquila de quem é acostumado a
dar ordens. – Sua irmã está dormindo nesse momento. Ela precisa descansar.
Teremos momentos complicados nos próximos dias.
-
Que bondoso da sua parte. Quer que eu simpatize com você por ser um carrasco de
bom coração? – Liz debochou.
- Não sou bondoso, mas também não fui um
carrasco para sua irmã. Eu...quero o bem dela.
-
Então avise as autoridades de seu paradeiro e logo ela já estará no Brasil. –
Elizabeth não acreditava em uma palavra do que ouvia. Ninguém que rapta ou
compra um ser humano tem bons sentimentos.
-
Ela já está em território brasileiro, Elizabeth. Estamos em meu avião, numa
parada para reabastecimento. Em duas horas estaremos em São Paulo, em me
entregarei à polícia e você terá Bia ao seu lado.
Se
aquilo fosse verdade, seria o fim de um pesadelo. Ainda assim, Liz duvidava.
Por que Sebastian faria algo assim? Ele parecia muito seguro ao telefone.
Estava decidido e sabia da turbulência que sua vida teria, mas não aparentava
nenhuma disposição a desistir.
- Por
quê? – Ela perguntou, direta. – Porque está me avisando disso? E porque não é
Bia a me telefonar? Eu respondi uma mensagem dela.
-
Ela precisará muito de você nas próximas horas. – Ele disse apenas. E então
cortou a ligação.
Beatriz
dormia sem saber daquela ligação. Ela contatou a irmã segura de que Elizabeth
ajudaria Sebastian ao conhecer toda a história. Mas ele sabia que já não
restava ajuda capaz de livrá-lo da prisão. Não quando ele sempre soube fazer
uso de mulheres escravizadas. Ser preso era um preço justo pela retomada da
vida de Beatriz. E ele estava disposto a pagar. Temia, apenas, o sofrimento que
causaria em sua família. Sua mãe e filha sofreriam ao saber quem ele era de
verdade. Seu império provavelmente decairia até que ele pudesse retomá-lo. Já
que, acreditava, seus advogados conseguiriam tirá-lo de trás das grades um dia.
Até lá, porém, teria perdido sua filha, perdido Bia e todo o seu prestígio.
-
Bia? Minha querida. É hora de acordar. Nós chegamos. – Ele a despertou na confortável
cama.
-
Estou no Brasil? Preciso...preciso falar com Liz...
-
Eu já fiz isso. Fique tranquila. Meu destino já está traçado, eu preciso apenas
que você fique tranquila. Acho que teremos uma grande recepção.
Ele
estava certo. Assim que desceu do avião, sob o olhar atento de uma Elizabeth
não uniformizada e agindo como civil enquanto uma dúzia de outros policiais
agiam, Sebastian foi preso para o desespero de Beatriz. Liz assistiu, cheia de
preocupação e angústia, a irmã chorar, se debater e rebelar enquanto os agentes
a separavam do homem que a escravizou.
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