Com uma recuperação
lenta, porém, surpreendentemente tranquila, Diego acalmou os corações mais
aflitos. Enquanto ele passou a ficar a cada dia mais acordado, disposto e com o
pensamento rápido que lhe era comum, sua família, amigos e contatos
profissionais foram se tranquilizando. O namorado, neto, sócio e chefe havia
definitivamente voltado do mundo dos mortos.
Felizes todos ficaram.
Mas ninguém, nem mesmo Ariella, experimentou uma sensação tão doce quando Anita.
Apesar de ter sido muito dura com ele nos últimos anos, ela se apiedava do sofrimento
do neto. E a possibilidade dele, mais uma vez, não conseguir rever de forma
plena aquele amor a corroía por dentro. Mais do que o risco de vida ou de ficar
com sequelas, lhe preocupava a temeridade de viver sem afeto, algo que Diego já
experimentara por anos o bastante.
- Meu menino. Enfim
posso vê-lo de olhos abertos. – Ela disse quando puderam conversar.
- Vovó...fico feliz em
vê-la. Ariella me disse que se mudou para o Brasil por minha causa. Não
precisava.
- É claro que
precisava. – Ela lhe afagava o rosto ao falar. – E pretendo ficar até que você
esteja completamente recuperado. Não que viver nesse paraíso seja algo difícil.
Diego observou a idosa
que trazia sentimentos contraditórios ao seu coração. Era bom vê-la. Assim como
era delicioso receber um afago daquelas mãos enrugadas pelo tempo. Mas também
era muito sofrido. O fazia lembrar de dias amargos, quando a mãe havia
desaparecido e o pai, quase que como ela, pouco era visto. Anita era tudo o que
ele tinha e, mesmo nela, percebia apreensão. Depois entendeu que ela tentava
distrair a única criança da família de todos aqueles absurdos impostos pelos
adultos. Enquanto ela brincava com o neto na pracinha, seu filho abria mais
algumas garrafas de bebida no escritório, tentando esquecer-se da esposa infiel
que havia enterrado. As memórias do passado trouxeram medos do presente à
conversa.
- No tempo em que
fiquei dormindo, vovó, como Ariella esteve. Ela teima em me proteger de tudo
quando penso que hora dela ser protegida.
Em grande parte, a
idosa concordava com Ariella. Alguém que leva tiros e passa semanas adormecido
não deve ser bombardeado de problemas assim que abre os olhos. Porém, naquela
circunstância, Anita pensou se fazer necessária uma atitude drástica. Seu neto,
agora, enfim poderia assumir as responsabilidades familiares pelas quais
ansiava há tantos anos. Não podia lhe privar informações que poderiam por
Ariella e aquele frágil bebê em risco.
- Foram dias difíceis,
meu menino. – A idosa afirmou.
- Conte-me, por favor.
Anita puxou uma cadeira
e começou do início, com calma, como toda a conversa de neto e avó deveria ser.
Falou do que a polícia investigava e do que fora divulgado na mídia brasileira
e espanhola a respeito do caso. Depois chegaram ao assunto que mais interessava
a Diego. As informações oficiais e as fofocas para ele pouco importavam, queria
mesmo era saber da mulher amada e dos riscos que ela vinha correndo. Anita
afirmou que segurar Ariella não era tarefa fácil e que, diante de tantas
responsabilidades e coisas com as quais se preocupar, seria impossível não
correr alguns riscos.
- Você viu como está
linda, novamente ruiva?
- Sim, linda. – Diego concordou.
– Mas cansada. Ela tenta disfarçar, mas noto o cansaço marcando seus olhos. O
rosto está mais fino. E ela está mancando mais do que de costume.
- Não foram semanas
fáceis para ela. O início de uma gestação sempre desgasta a mamãe. Imagina
quando o pai do bebê está em coma e, ainda por cima, ela tem de viajar a
trabalho. É natural que esteja cansada.
- É...eu entendo. Só
não me conformo. – O fato de Ariella ter enfrentado problemas enquanto ele
dormia o incomodava muito. – Mas é bom que ela tenha ficado fora do Brasil a
maior parte do tempo e cercada por pessoas da sua confiança.
Ele não tinha dúvidas
de que aquela invasão tratou-se de algo muito além de um assalto frustrado. E
não precisava da polícia para lhe afirmar que o plano era na verdade uma
tentativa de sequestro. Isso sua equipe já havia descoberto antes dele vir para
o Brasil. Agora, porém, ele duvidava de uma das próprias deduções. Logo no
início, quando seu coração foi acelerado pela notícia de que uma funcionária de
Ariella tinha envolvimento com o crime, pressupôs tratar-se apenas de um crime
movido pela ganância.
Ao abrir os olhos, no
hospital. E deparar-se com Afonso ameaçando e destratando a própria filha, seu
pensamento mudou. Mesmo com o pensamento nebuloso devido ao tempo adormecido,
assim que saiu do sono entendeu que, apesar da ganância estar presente naquela
equação, ela parecia infimamente menor que o desejo de vingança. Essa
motivação, tão conhecida por ele e que o levou até Ariella 11 anos atrás,
estava nos olhos de Afonso. Depois dela o ter excluído de sua vida ele quis lhe
tomar o dinheiro que ela não oferecia de bom grado. E ao saber que Ariella fora
capaz de perdoar o ex-marido e ter mais uma vez sido enxotado sem receber da
filha o mesmo tratamento, resolveu tomar à força o dinheiro.
- Aquele homem vai feri-la,
vovó, vai tentar machucar Ariella. Por isso, assim que ela se estabelece
novamente no Brasil após cumprir seus compromissos profissionais no exterior,
ele veio atrás dela. Ele me odeia, agora carrega um grande rancor da própria filha.
E isso só fará piorar quando Afonso souber que Ariella espera um bebê. Isso me
assusta.
Antes de responder,
Anita observou seu neto. Ainda conseguia surpreender-se com a clareza de
raciocínio que ele conseguia impor numa situação tão difícil.
- Tem razão, meu neto.
Mas cuidado ao fazer esse tipo de acusação, por mais razão que tenha. Lembre-se
sempre de que Afonso é pai dela. E por mais dura que Ariella seja, lá no fundo,
nutre sentimentos por ele. Tenha cuidado para não permitir que Afonso se coloque
entre vocês novamente.
- É tudo que não quero.
– Ele tratou de afirmar.
- E se fizer mal à ela
mais uma vez, eu mesma lhe darei uma boa surra. – Brincou a idosa.
- Hoje sei que a amo e reconheço que sou o homem
mais sortudo no mundo por ela ter perdoado.
Anita apenas se retirou porque seu neto tinha mais
uma visita a receber. Murilo conseguiu esperar alguns dias, a pedido de
Ariella, para integrar Diego às rotinas da empresa. Por seu gosto esperaria
mais, porém os problemas se acumularam – e muito – na última semana e se
continuasse postergando decisões importantes, causaria danos sérios e os quais
Diego não aceitaria fácil.
O cumprimento dos velhos amigos, tão íntimo quanto
irmãos, foi longo e cheio de sentimento. Já tinham se visto nos últimos dias,
numa visita em grupo, numa espécie de boas vindas coletivas na qual tanto
Ariella quanto Dulce mais pareciam escudeiras de seus homens. Agora era um
momento diferente, menos afetivo e mais direto. E no qual era inevitável trazer
assuntos sérios de volta.
- Fale, meu amigo. Parece que está engasgado em
coisas para me dizer. – Diego brincou. Depois de ter voltado do mundo dos mortos,
nada poderia ser tão grave. – Não me diga que em poucos meses meus hotéis faliram
e eu estou completamente sem dinheiro e pronto para recomeçar do zero. Pela sua
cara, soa como algo assim.
- Não. Nada tão grave...mas algumas coisas sérias
ocorreram, Diego.
Minutos depois Diego já sabia da crise na empresa,
alicerçada não numa administração ruim, mas nos boatos e na insegurança que seu
estado causaram. Isso poderia ser ajustado em breve. Preocupou-o mais um dos empreendimentos,
que decaiu bastante recentemente e merecia uma visita pessoal...caso ele
conseguisse sair da cama.
- Ok, Murilo. Mas nada disso explica o seu olhar de
preocupação. Fale. – Diego insistiu.
Havia entre os dois uma lealdada sem tamanho, que já
tinha sido testada no passado e vencido barreiras intensas. Como quando Murilo
assumiu o relacionamento com Dulce, apenas da guerra declarada entre eles. Nada
fora capaz de minar a amizade nem a parceria nos negócios. Murilo valorizada o
tino para negócios que Diego demonstrou desde muito jovem e por isso quis
seguir seus passos. Já Diego aprendeu a valorizar o empenho daquele menino que,
vindo da classe social mais baixa, mereceu cada degrau vencido. Agora, porém,
Murilo o olhava como quem cometeu uma traição.
- Você estava...mal, muito mal. E eu estava com a
corda no pescoço, com medo de deixar a crise se alastrar. Precisava liberar
algumas coisas e...
- Vá direto ao ponto, Murilo. Nos conhecemos há
tempo demais para enrolar.
- Eu contei para Ariella que ela tem parte da
empresa. Precisava que ela se responsabilizasse por algumas coisas enquanto
você estivesse fora e, por isso, traí sua confiança. Peço desculpas.
Diante de tudo aquilo, de tantos temores, Ariella
saber que era sua parceira também nos negócios, mas em toda a vida, era pouco
para gerar temor ou irritações. Talvez, diante da maturidade trazida pelas
mudanças e problemas, ele tenha entendido que o importante é ser feliz, mesmo
que nem sempre se conquiste tudo como deseja.
- Ela já sabe que é dona do meu coração, Murilo.
Saber que é dona de parte da minha empresa não é nem de perto tão importante.
Pode tranquilizar sua consciência. Agora, vamos analisar os números das unidades
que, esses sim me preocupam.
Quando mal tinha acabado de verificar as duas
unidades espanholas, Murilo e Diego foram interrompidos por uma sorridente
Ariella. Logo, com todo o seu charme, mas, também, de forma incisiva colocou
fim no assunto empresarial e deixou claro que precisava do marido para ela.
- Você já se esforçou demais. – Decretou.
- Você é quem manda. – Diego não ousou questionar,
tamanha era a felicidade em seu coração. – Tem notícias sobre a minha alta.
- Logo. Foi o que o médico me garantiu. Não seja
apressado.
3 semanas depois...
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