Enquanto
na Serra Gaúcha Nathan era muito bem recebido pelos Vicentin, em São Paulo,
ninguém sabia onde o chefe de cozinha estava nem estava preocupado com isso.
Lorenzo acreditava que tudo estava muito bem na vinícola e só pretendia passar
por lá no final do próximo mês, quando algumas vistorias de vigilância em saúde
ocorreriam e ele desejava estar presente. Por enquanto, pretendia cuidar de sua
esposa e filhos. E isso, apesar de ser a grande prioridade de sua vida desde
que conheceu Jéssica, era tarefa bastante árdua.
Com nove anos, Clara é uma menina ativa, cheia de
energia e ansiosa por chegar a adolescência. Muito parecida com a mãe, já não
era raro lhe ver caminhando – ou tentando caminhar – com os sapatos altos de
Jéssica ou lambuzando-se em suas maquiagens. O tempo estava passando rápido
demais. Ainda bem que ao menos os gêmeos ainda não se importavam de agir feito
crianças. Vicente e Cecília estavam com quatro anos e não podiam vê-lo sem que
alguma brincadeira começasse logo depois. Como Jéssica costumava dizer, eles
sabiam que o pai jamais se negava a brincar, por isso logo encontravam algo
para fazer.
Não que ele estivesse reclamando. Ao contrário, aos 49
anos, se tivesse de abrir mão de qualquer atividade profissional para dar
atenção à família, o faria sem nenhum sofrimento. Porém, com apenas um
pouquinho de esforço ele e Jéssica conseguiam conciliar e, ainda assim, ter
momentos a dois. Eles trabalhavam em horários alternados e que possibilitavam
tempo livre quando as crianças estavam fora da escola. Jéssica tornara-se braço
de confiança de Emily na administração dos restaurantes, já que a chefe de
cozinha por muitos anos teve de administrar dois estabelecimentos sozinha.
Agora, com a volta de Nathan ao Brasil as coisas se acalmaram e tanto Jéssica
quando Emily agora tinham mais tempo. Além disso, tendo Emily e Jonas morando
muito perto, eles conseguiam conviver bastante com Bernardo e Vida. Ótimo já
que os primos tinham quase a mesma idade.
Para a vida ficar perfeita, Jonas e Lorenzo
concordavam que só faltava não precisarem ter a família tão distante. Ambos
sentiam muito a falta dos pais, avós e de Milena. E as crianças perguntavam
muito pela prima Maria Fernanda. Quanto a isso, porém, nada podiam fazer. A
vida de seus antepassados, muito mais do que apenas os negócios. Se sugerisse
ao se pai vender a vinícola e vir para São Paulo ele o acusaria de estar
enlouquecendo. E estaria certo. Porque ele mesmo não conseguia imaginar-se totalmente
fora do campo. Era a Vicentin que oxigenava sua vida e os momentos em que
levava toda a família para sul eram os seus dias mais felizes, junto de
Jéssica, dos filhos e sua terra natal.
- Tudo bem? – Jéssica perguntou, vendo-o pensativo. –
Você está muito quieto.
- Sim. Eu liguei a pouco para Jonas. Eles veem jantar
aqui. Tudo bem, não é?
- Claro. Mas por que está tão quieto? Não é por um
convite para jantar. Conheço você. – Ela insistiu.
- Sim, verdade. – Ele sorriu antes de puxar a esposa
para um beijo. Às vezes até ele surpreendia-se com a relação que construíram.
Mesmo tão jovem, Jéssica conseguia lê-lo e compreende-lo como ninguém mais. –
Conhece mesmo. Estou preocupado com Milena. Sinto que minha irmã não é feliz. E
queria fazer algo por ela. Mas Milena não se abre.
Jéssica tinha as próprias conclusões da vida da
cunhada. Emily já tinha lhe confidenciado algumas coisas e, ao que tudo
indicava, Milena estava mais próxima da felicidade do que já contara aos seus
irmãos. Na véspera Emily lhe disse que passaria mais tempo no Calderone na
próxima semana porque Nathan viajou sem prazo para voltar. Jéssica desconfiava
que Milena tinha a ver com isso, mas não se intrometeria nas escolhas da
cunhada.
- Milena sabe o que faz de sua vida. Dê-lhe espaço. É
o que ela necessita. – Foi tudo o que Jéssica afirmou sobre o assunto. – Porque
não convida Rafael e Melissa para também vierem hoje a noite e faz aquele
churrasco que há dias me promete?
- Ele não
pode...parece que estão com uma convidada em casa. Mas, se minha mulher quer
churrasco, eu providencio. – Lorenzo confirmou.
Jantar fora estava, por enquanto, fora dos planos da
família Gomide. É que, a partir de agora, sempre que Isabely estivesse com
eles, ela seria a prioridade. E nessa difícil adaptação, não era hora de levar
a menina para festas familiares, cheias de crianças sorridentes por terem o
carinho de pais e mães dedicados. Naquele momento, após uma noite de muita
agitação, a família tomou café unida. Surpreendeu Melissa e Rafael o clima
triste. Inicialmente, apenas Tális entendeu o que se passava com Isa.
- O que querem fazer hoje? – Rafael perguntou. – Podem
aproveitar a sala de jogos do condomínio ou podemos sair.
- Se vocês quiserem, podemos almoçar fora e depois eu
os deixo ir aonde desejarem. – Melissa complementou.
Mas Isabely, muito cabisbaixa, não se importava diante
de qualquer resposta.
- Pode ser mãe. – Tális concordou. – A gente joga
agora e depois vamos almoçar. Quero comer sushi. Posso?
- Só se Isa gostar ou quiser experimentar. – Rafael
respondeu.
- Você gosta Isa? É bem gostoso. E tem doce também!
- Nunca comi...mas pode ser sim. – Ela não esboçou
muita animação com a ideia.
- Faremos assim, Isa vai olhar e provar, se não
gostar, ela pede outra coisa. Não se preocupe Isabely.
- Obrigada, dona Melissa.
- Só Mel, Isa. Agora vão brincar.
Melissa ficou preocupada com aquele comportamento.
Porque fora um sábado lindo, de alegria e diversão. E assim deveria ser o
domingo. Porém, Isabely parecia tomada por uma profunda tristeza. Enquanto os
adolescentes se divertiam na parede de escalada da sala de jogos, Mel e Rafael
conversavam. Estavam satisfeitos com aquela primeira aproximação, mas ansiosos
por conhecer melhor a menina que, sonhavam, um dia seria sua filha.
- Temos que dar um tempo para ela. Não deve ser fácil.
– Rafael lembrou à esposa.
- Eu sei.
- Então porque essa carinha triste? Quase tão
tristonha quanto a de Isabely?
- Por que eu sou ansiosa. Sempre fui uma garota mimada
que pensa poder ter tudo o que deseja do dia para a noite. Não é isso que todos
pensam ao meu respeito?
- Só os que não a conhecem como eu. – Rafael não
tardou a contradizer a esposa.
A vida de modelo trouxe a Melissa muitas coisas boas.
E ruins na mesma proporção. Essa é uma carreira que não se escolhe, acontece. E
depois que surge, dificilmente se consegue parar porque a ânsia por alcançar as
passarelas internacionais e desfilar para as grandes grifes segura as jovens
profissionais como se fossem as garras de um animal selvagem.
No caso de Mel, fazer carreira não importava pelo
dinheiro. Era apenas o sonho de uma realização pessoal. Trouxe dinheiro, é
claro. O que fez com que a menina rica pudesse dispensar o dinheiro de família.
Mas, acima de tudo, fez com que a menina rica aprendesse a se virar sozinha
entre um trabalho e outro. Porém, trouxe holofotes e críticas quando ela ainda
era muito jovem. Chamada de fútil por ser uma consumidora assídua de grifes
caras e comprar peças para logo depois desfazer-se. Dita como inconsequente
depois de, aos 19 anos, bater o carro estando alcoolizada. Muitos ainda
mantinham aquela Melissa na memória, mesmo mais de duas décadas tendo passado.
E ela ainda mantinha o ressentimento do que leu sobre si nas revistas.
- Você é uma mulher decente, forte, digna e linda. A
minha mulher e a mãe do meu filho. O resto é tudo inveja de quem não consegue
ser como você.
Um sorriso surgiu em seus lábios. Ele sempre conseguia
isso. Conheceu Rafael quando tinha 24 anos e estava desfilando para grandes
marcas. Porém, há 10 anos rodando o mundo a trabalho, ela já se sentia um pouco
cansada daquela vida andarilha. Ele soube conquistá-la. Mandou flores que ela
guardou com carinho. Depois enviou chocolates. Esse seu agente a proibiu de
comer. Afinal, os centímetros na cintura eram inimigos de quem modelava. Quando
ele lhe telefonou, porém, afirmando que queria levá-la para jantar, não soube
dizer não.
- Eu nem me importo se você escolher um lugar que só
tenha saladas e grelhados. – Ele ainda brincou.
Comeram massa com frutos do mar. E só por isso já
seria uma noite inesquecível para ela. Há meses não comia massa, muito menos
após às 20h. Mas qual a mulher que conta calorias quando está diante do homem
de sua vida? Ela esteve radiante como nunca antes. Acabara de encontrar o homem
capaz de virar-lhe a cabeça e fazê-la esquecer de tudo. Seu agente foi para ela
se afastar porque ele tiraria sua concentração profissional. Estava certíssimo.
As passarelas já não importavam. E quando ele a pediu em casamento, jogou a
carreira para o alto e tornou-se a esposa de Rafael Gomide. Arrependimentos
aconteceram no decorrer dos anos, momentos isolados e saudosos, mas que eram descanteados
quando olhava para Rafael e via em seus olhos o mesmo sentimento daquele dia no
restaurante.
- Eu te amo tanto. Não sei como me aguentou por todos
esses anos...mas sei que tenho uma sorte danada! Vou tomar um banho.
- Vai lá. Estarei no escritório.
Nos momentos em que ficaram sozinhos, Isabely contou
para Tális a razão e sua tristeza. Na verdade ele já imaginava. É que depois de
ser muito reticente em aceitar a atenção dos Gomide, ela descobriu que era
muito legal estar ali, tendo jogos, diversão e muita comida gostosa. Agora ela
se sentia dividida e um tanto culpada. Queria estar com Marta no abrigo,
tomando o café da manhã só com leite e pão, sem todas aquelas delícias, mas com
aqueles que realmente se importavam com ela. Por outro lado, quando voltasse
para lá, sentiria falta daquele lugar.
- Você vai voltar em vários finais de semana. Não
precisa ficar chateada. – Tális arriscou.
- Eu sei. É que...sinto falta deles também. O lar não
tem sala de jogos, mas é a minha casa.
Eles não mais conversaram. E Isa disse que voltaria
para a casa enquanto Tális ainda guardava algumas das coisas que usaram. Ela
entrou na casa e chamou pela mãe de seu amigo. Ela não estava na sala nem na
cozinha. Então abriu a geladeira, pegou um copo de suco e subiu as escadas.
Queria ir para o quarto no qual dormiu, mas, ao passar no corredor, viu que a
porta do quarto de Melissa e Rafael estava aberta. Um tanto tímida, espiou e
viu uma grande cama no centro do cômodo. De um lado duas portas fechadas. Do
outro uma poltrona que aparentava ser bem macia e uma penteadeira, daquelas
dignas de uma princesa cheia de coisas de beleza, bijuterias e joias. Não
resistiu a entrar e olhar de perto.
A penteadeira branca é alta e com um grande espelho.
Sobre ela, numa maleta, três andares de cosméticos. Do outro lado, vários porta
joias com colares, brincos e anéis. Nunca tinha usado nada daquilo, nem tinha
vontade. Eram coisas que só meninas bobocas usavam para tentar ser o que não
eram de verdade. Mas ela pegou um batom apenas para olhar mais de perto. Depois
a pera de uma pulseira lhe chamou a atenção e ela a colocou sobre o pulso. Mas
era apenas curiosidade não vaidade.
- Deve ser cara...ela não usa nada barato. – Disse, um
tanto encantada com o brilho da pedra esverdeada.
- Na verdade eu uso sim. – Mel afirmou, saindo do closet
e indo ao encontro de Isabely. – Mas essa é sim um joia, presente de Rafael no
nosso décimo aniversário de casamento. Ficou bem em você.
- Desculpe pegar. – Isa devolveu ao lugar. – Eu não ia
roubar nada. Só estava olhando.
- Eu não disse que roubou. Jamais diria. Você está
aqui porque confio em você, Isa. Não posso lhe dar essa pulseira, porque tenho
muito carinho por ela. Mas podemos escolher uma que combine com você. O que
acha?
- Não...eu não gosto dessas coisas...é de mulherzinha.
Desculpa aí.
- Tudo bem...acho que você vai mudar de ideia no
futuro. – Mesmo tão diferente dela na infância, Isa fez Mel lembrar de si. – E maquiagem?
Também é só de mulherzinha ou você aceita que eu passe um batom cor de boca em
você?
- Porque você gasta dinheiro com um batom cor de boca?
- Boa pergunta...vamos ver se você descobre depois de
passarmos. Se não gostar, a gente tira, está bem?
Elas não tiraram, nem mais discutiram. E quando saíram
para almoçar havia uma cumplicidade diferente entre as duas. Assim como nascera
uma nova Melissa ao encarar as passarelas, agora nascia uma diferente Isabely
ao encarar a vida real. A adolescente ainda não sabia, mas estava prestes a
descobrir em Melissa o modelo de mulher que lhe faltava até então.
Aquela manhã familiar foi bem diferente da vivida por
Raul. Depois de acordar diante de uma jovem com quem passou momentos
agradáveis, mas que, na verdade não o conhecia de verdade. A noite foi
agradável. Começou com uma sessão de cinema em que nenhum deles importou-se com
a história, continuou num bar onde comeram rapidamente e culminou em sexo quase
profissional. Não que tivesse algo contra o sexo pago, já fizera uso dele
algumas vezes. Porém, naquele caso, apesar de satisfatório, o encontro casual
pareceu ter deixado um sabor amargo. Não foi pleno. Não o atingiu completamente
deixou-o com aquela estranha sensação de vazio. Não da cama vazia, mas, bem
mais grave, de uma vida cheia de espaços não ocupados.
- Vou ver você qualquer dia desses? – A bela garota
lhe questionou ao procurar pela calcinha pelo chão do quarto.
- Cíntia...eu...
- É Cibeli. – Ela corrigiu, já menos sorridente.
- Cibeli, claro. Ato falho. A resposta é não. A noite
foi boa e tal...mas eu não vou te ligar e...vou ignorar qualquer mensagem de
WhatsApp sua que chegar então...adeus.
A sinceridade exagerada já lhe tinha criado problemas
em outros momentos da vida, mas ele não entendia qual o objetivo em fazer
combinações que nenhum deles estava a fim de cumprir. Ele não iria ligar e ela
não tinha nenhuma razão para acreditar no contrário. Afinal, ele esteve desconcentrado
a noite toda...quase toda. Não conseguiu se concentrar desde o momento em que
viu Márcia e Joaquim, no mesmo cinema, num horário muito tardio para sessões
infantis.
Não gostou daquilo. Ficou constrangido por ela ter lhe
visto com a garota. E agora, sozinho no apartamento, estava se perguntando por quê.
Afinal, era um homem solteiro, que não devia explicações sobre com quem se
relacionava. Mesmo assim, a ideia dela vê-lo com Cíntia...ou Cibeli ou quem fosse o
desagradava.
- Vou ligar para você ainda hoje. Deve estar pensando
que sou um fanático pegador de menininhas. – Assumiu um compromisso para si
mesmo.
O telefone de Márcia tocou quando já era perto do meio
dia e ela estava organizando o guarda-roupa de Joaquin junto dele. Afinal, o
menino vinha crescendo rápido e várias peças já não serviam ou agradavam o
filho. A mente dela, porém, ainda estava na noite passada. Raul e aquela
garota, tão mais jovem que ela, o desagradava muito. Quando viu o nome dele no
celular sentiu raiva e não atendeu.
- Vá ligar para a sua garotinha! – Falou para si
mesma.
Só na terceira
ligação é que ela atendeu. E, mesmo assim, o incômodo estava gravado em sua
voz.
- Achei que você
teria algo melhor para fazer num domingo pela manhã ao invés de incomodar suas
clientes. Aliás...a garotinha já voltou pra casa? Os pais devem estar nervosos.
O que quer?
- Está brava
porque me viu no cinema com uma garota? Você é que não deveria estar lá naquele
horário.
- Por quê? Mães
de família não podem ir ao cinema?
- Na sessão da
meia noite com o filho não deveriam ir. Desculpe se preocupar-me com você e seu
menino é muito antiquado. – Ele respondeu assustado com aquela mulher que por
vezes mais parecia uma tempestade furiosa.
- Eu vi o quanto
você é antiquado e conservador! – Acusou Márcia, mesmo sabendo que ele nada
tinha a lhe explicar. – Desculpe! Eu não...não tenho o direito...
- É, não tem. Mas
eu entendo que você tenha estranhado o que viu ontem. Eu saí com a garota, mas
não é nada sério.
- Não tem o que
me explicar Raul. Você é solteiro e faz o que bem entender então. Diga logo o
que tem a dizer e vamos acabar com essa conversa ridícula. Porque me ligou?
Ele não sabia o que dizer, mas aproveitou para dar um aviso sério.
- Eu só queria
avisar que...que vou viajar uns dias. Visitar minha filha. Mas, quando voltar
queria que almoçássemos para conversar. Afinal...sou seu advogado, não é
verdade?
- É verdade. Está
bem. Nós marcamos daí...obrigada por avisar.
Ela desligou e
ficou olhando ao telefone. Deveria ter sido a conversa mais estranha que já
teve com um homem. Comportou-se feito uma namorada ciumenta. E agora, também
não gostava do sentimento que a viagem dele lhe trouxe. De repente, sentia-se
como se ela fosse uma menininha agindo de forma desastrada por não se segurar
frente ao primeiro amor.