Em
seu silencioso mundo, Maria Fernanda aproveitou o primeiro abraço de seu pai
sabendo que não seria o último. Ela não entendia algumas coisas que ele
insistia em falar pela boca, ao invés de usar as mãos. E agora, emocionado e
chorando, ela não conseguia entender o movimento de seus lábios. Não teve
importância alguma. Milena observou-os apenas de longe, sem interferir. Achava
que, independente dele não saber libras, iriam se entender porque falavam a
língua do amor.
Um
amor que não bastou para manter ela e Nathan juntos, mas que seria forte o
suficiente para que ele jamais deixasse a filha novamente. De longe, viu Nathan
afagar Maria Fernanda e a menina, sorridente, passar os braços pelo pescoço do
pai e passar as mãos pelos seus cabelos, tão mais escuros que os da mãe.
-
Eu nunca, jamais, ficarei longe de você novamente. Eu juro. Você vai para
sempre contar com seu papai. Eu vou estar velhinho e você já ser um mulher,
linda e forte feito sua mãe, e, ainda assim, sempre que me quiser por perto, eu
estarei aqui. – Entre lágrimas Nathan repetia, sabendo que a menina não o
compreendia.
E
não apenas por sua surdez. Maria é muito jovem para entender os problemas dos
adultos. Caso fosse um pouquinho mais velha, talvez nem mesmo conseguisse
aceitá-lo tão facilmente. Provavelmente guardaria as mágoas e tristezas de sua
mãe e exigiria explicações. Mas sendo aquele anjo inocente, deixava o passado
para trás, sem questionamentos nem recriminações e o recebe disposta a ter
amor.
-
Eu te amo tanto filha. – Nathan disse, muito lentamente e à frente de Maria,
torcendo para que ela, ao olhar o movimento de seus lábios conseguisse captar a
mensagem.
Maria
entendeu o que Nathan, o seu papai tentava falar entre algumas teimosas
lágrimas. Soube entender e, também, responder, mas ao seu modo. Primeiro
acariciou a face de Nathan, secou as lágrimas e o fez abrir um sorriso, para
então juntar as pequeninas mãos a frente do peito e também sorrir. Era a sua
forma de dizer que ele já habitava aquele coração infantil.
Depois
ela correu para o balanço novamente, era hora de brincar. E claramente disse ao
pai que queria sua companhia na brincadeira. Quando Nathan percebeu, já não
mais chorava. Apenas empurrava o balanço de Maria Fernanda, que se divertia
sentindo o vento em seus cabelos. Passando um tempo, Nathan a pega no colo,
fazendo-a entender que é hora de ir para casa. Já brincaram demais. É hora de
reencontrar Milena e, a partir de agora, seguirem como uma família.
Se
ganhar a confiança da filha fora fácil, não seria bem assim com Milena. Já
dentro de casa, Nathan percebeu que tinha de resolver questões práticas. Umas
das mais urgentes era conseguir levar a sua vida, sem criar dificuldades para
Milena e, ainda assim, conseguir conviver com Maria. O problema era como quando
viviam em estados distantes. Milena era necessária em Bento Gonçalves já que
seu trabalho tanto na administração da vinícola quanto no turismo rural em
hipótese alguma poderia ser feito à distância. Já ele precisava estar no
Calderone. Depois de tanto tempo tocando dois restaurantes sozinha, agora Emily
enfim contava com o sócio. Não podia simplesmente sumir.
Logo
que chegaram a casa, Nathan disse para Milena que precisavam acertar algumas
coisas. Ele tinha responsabilidades em São Paulo, ela no Rio Grande do Sul, mas
manter-se distante de Maria não era mais alternativa possível. Ela se esquivou
do assunto. Disse que precisava pensar e pretendia fazê-lo com calma.
-
Está bem. Por esse final de semana consigo ficar aqui. – Nathan concordou,
sabendo que precisava ser paciente. – Eu vou para um hotel e amanhã nós
conversamos.
Os
Vicentin, porém, não concordaram. Vovó Ângela não admitiu que eles, tendo uma
casa tão grande, não recebessem o pai de sua bisneta. Já Milena, porém, não
gostou muito da ideia. A presença de Nathan a abalava demais e tê-lo ali por
muito tempo a deixava desconfortável. Pena que não teve alternativa.
-
Eu vou para o hotel, vovó, sem nenhum problema. – Nathan reafirmou, percebendo
o constrangimento de Milena.
-
Você não incomoda nada, meu filho. E vai ficar na casa de Maria, perto dela,
que é o seu lugar. – Ela olhou para a neta. – Acomode-o no quarto de hóspedes.
E veja se está tudo bem para que ele consiga ficar confortável.
Olhando
o constrangimento em todos os presentes, Milena tentou argumentar. Nem mesmo
Giovanna ou Leonel conseguiram fazer com que a vovó interferisse um pouco menos
na vida dos netos e bisnetos, permitindo que eles escolhessem o que fariam. Mas
nada adiantou.
-
Vamos! Não vou falar novamente. Maria acabou de conhecer o pai. É seu direito
ter ele por perto. Você fica.
Vencida,
coube a Milena aceitar. Maria Fernanda e Nathan têm que se conhecer melhor.
-
Você está certa, vovó. Eu te acompanho até o hotel para pegar as malas. E esse
final de semana você passa conosco. O futuro, na segunda-feira nós decidimos.
Maria vai adorar tê-lo aqui.
No
sábado, muito antes de seu horário habitual de deixar a cama, Rafael se
levantou silenciosamente. A casa ainda adormecida não o viu sair. Mas, quando a
cama ficou fria e, quase que por um hábito formado no decorrer dos anos,
Melissa, ainda em sono, esticou o braço para tocar o marido, ela então percebeu
que havia fica sozinha logo cedo. E ficou magoada. Seu marido a tinha deixado
num sábado, coisa que jamais fazia. E antes de sair nem mesmo um beijo de
despedida lhe deu.
Triste,
olhou-se no espelho pensando que talvez a crise conjugal que por anos pensou
que jamais teria, enfim, alcançou seu casamento. Talvez Rafael já não a amasse
como no passado. Talvez hoje eles sonhassem coisas distintas. Talvez agora a
felicidade dela já não mais lhe interessasse. E talvez ele tenha preferido ir
passar aquele sábado num futebol entre amigos. Ou, ainda pior. Talvez ele já tivesse
encontrado outra parceira na vida.
Triste,
porém, sem se entregar para a derrota, arrumou-se com o mesmo cuidado de
sempre. Escondeu as marcas das lágrimas sob uma maquiagem perfeita e acordou
Táles para o café da manhã.
-
Cadê o papai? – O menino perguntou quando viu só a mãe à mesa.
-
Não sei.
-
Como assim, mãe?
-
Eu não sei Táles. Seu pai saiu sem avisar nada para mim e eu não pretendo
ligar. Caso faça questão, ligue você para ele. Fim do assunto. – Irritada, foi
a resposta de Melissa.
-
O sábado começou bem hem. Vou jogar vídeo-game no meu quarto.
Antes
dele subir as escadas, porém, Táles viu a porta da frente se abrir. E por lá,
além de Rafael, passar uma pessoa tão esperada quando inesperada por todos. Mel
viu Isabely e não acreditou. Carregando sua mochila e indo alguns passos à
frente de Rafael, ela parecia constrangida em estar ali, mas segura ao lado
dela. Como Rafael conseguiu isso? Entre lágrimas e sorrisos Melissa recebeu a
menina.
-
Oi tia. – Foi tudo o que Isabely ofereceu de cumprimento.
-
Oi Isabely. – Melissa lembrou-se das palavras de Marta e tentou agir de forma
natural, sem pressionar a menina. – Seja bem vinda em nossa casa.
-
Valeu... - Tímida, Isabely não sabia o
que dizer ou como se comportar.
-
Ei! Que mochila é essa? – A pergunta foi feita por Táles e despertou a
curiosidade e a felicidade de sua mãe. – Você veio passa o final de semana?
-
Vim sim...seu pai me convidou.
-
Que legal Isa! Então vem conhecer o meu quarto! Eu ia jogar videogame!
Os
dois foram com a única recomendação de que Táles passasse na cozinha e levasse
um lanche, já que Isa deixou o orfanato muito cedo, sem tomar café. Quando
ficaram sozinhos na sala, Melissa e Rafael se olharam, reencontrando a
simplicidade que esteve junto deles nos últimos anos. Com um olhar provocador,
ele a desafiava a criticá-lo, mas sabia que a esposa jamais assumiria ter
ficado chateada ao acordar sozinha.
-
Como? E por quê? – Ela perguntou, de forma direta.
-
Conversei com Marta e com Isabely e lhes propus que ela se torne nossa afilhada
afetiva, nada mais do que isso. Isa concordou porque gosta de Táles e porque
lhe garanti que não vamos forçá-la a ser nossa filha. E também prometi que não
vamos mimá-la nem tratá-la como se fosse uma criança abandonada. Por isso,
controle a sua fúria consumista. Temos que fazer com que ela se sinta em casa e
não perceba que muda a nossa rotina em nada. Depois vemos os próximos passos.
-
Está bem. Vou me controlar. E arrumar o quarto de hóspedes para ela, sem mimos,
apenas o básico. – Ela concordou, considerando que alguns mimos todo hóspede
recebe. Isso é básico, pelo menos no seu modo de receber alguém. – E porque fez
tudo isso em segredo. Podia ter me dito onde foi
-
Você estava em greve de silêncio comigo, me castigando simplesmente por eu não
pensar como você. – Rafael começou a explicar. – Achei melhor agir sozinho.
Agora eu vou tomar um banho. Não tomei antes para não te acordar.
Ele
sempre fora assim, Mel pensou ao vê dar-lhe às costas e subir as escadas. Ele
sempre pensava nela e em seus desejos acima de qualquer coisa. Sentindo-se um
pouco culpada, Melissa foi atrás do marido e encontrou-o separando as roupas
para tomar banho. Sem camisa e lindo como ela nunca se cansava de observar, ela
o abraça pelas costas antes de virá-lo para lhe dar o beijo que há dias não
oferecia. Rafael retribuiu, acarinhando-a com mais paixão do que ternura,
extravasando a paixão que, depois de tantos anos de casamento, às vezes ficava
escondida atrás do companheirismo e amizade criados no passar do tempo. A
verdade é que Melissa tornou-se sua companheira, melhor amiga, parceira, mãe de
seu filho, organizadora da sua casa e sua maior fonte de segurança, mas, ela
jamais deixou de ser a sua namorada e a amante perfeita. Mesmo que esquecessem
disso de vez em quando.
-
Me perdoa? – Foi ela a dar o braço à torcer assim que a tempestade passou. – Eu
não tenho o direito de forçá-lo a ser pai mais uma vez. Adotar uma criança é
algo difícil, você tem todo o direito a não desejar isso nessa altura da nossa
vida, em que Táles já está criado.
-
Você estava certa sobre Isa, Mel. Ela vale todo o esforço que fizermos. Fui eu
quem errou e, por isso, fui conversar com ela.
-
O que te fez mudar de ideia?
-
Eu pensei muito e conversei com alguns amigos... Isa É uma menina que só
precisa de amor e carinho. Nós podemos dar isso a ela. Hoje ela pode negar a
querer vir viver aqui, mas, aos poucos, vamos conseguir. Eu enxerguei isso
conversando com ela. Isabely já ama sinceramente Táles. Ela é uma menina doce,
com sentimentos. Eu acho que ela só se nega a estar em uma família porque não
deseja perder Marta e os irmãos que têm no orfanato. Ela tem medo de largar
tudo por nós e, talvez, também nos perder um dia, caso não mais a quisermos e a
devolvermos.
-
Não sei como alguém pode adotar uma criança e devolver...onde ficam os laços?
-
Isabely nunca se recuperou de ser abandonada pela família adotiva e não quer
novos pais. Mas ela nos aceitou como padrinhos. Isso significa que ela pode
passar finais de semana aqui, feriados e até viajar conosco nas férias. Isso
tudo sem perder o seu lar lá no abrigo. Vamos dar o que ela está pronta para
receber.
-
Sim...vamos. – Ela voltou a beijar o marido. – Obrigada, Rafa. Não sabe o
quanto você me faz feliz. Eu...nunca me senti tão...tão completa.
-
Fiz porque te amo acima de tudo. E vê-la triste me machuca. Eu não sei viver de
outra forma, além de fazendo-a feliz, Melissa. Sei o quanto você fez pelo nosso
casamento, quando abandonou as passarelas para ser a minha mulher, a mãe de meu
filho e a minha anfitriã. Dar-lhe tudo que a faz feliz é a minha obrigação.
-
Você me faz feliz, sempre fez. – E aquela é a mais completa verdade de todas.
Foi
um sábado de surpresas também para Joaquin. Acostumado a ficar com a babá
enquanto a mãe se trancava no escritório para adiantar coisas do trabalho,
naquela manhã ele a viu sentar-se ao seu lado para tomar café. O sorriso de sua
mãe também o surpreendeu. Havia algo de muito diferente nela naquele sábado.
Mas parecia bom, então resolveu aproveitar.
-
O que você quer fazer hoje, filho? – Ela perguntou.
-
Acho que eu e Nath vamos no parque. – Ele respondeu, repetindo o que a babá
tinha lhe dito dois dias antes.
-
Nath está de folga, meu amor. Se quer o parque, vamos eu e você. Você quer
dizer o parque da praça ou o de diversão?
-
O com a roda gigante, mãe. Mas...você não tem nada de trabalho pra fazer?
-
Não. Meu dia hoje é seu, filho. Só seu! Termine seu café para irmos.
Feliz,
porém um pouco desconfiado, Joaquin trocou de roupa e saiu com a mãe. Ela
estava mesmo diferente. Brincou, sorriu, correu com ele pelos brinquedos, como
doces e até sentou na terra com ele. As roupas ficaram sujas e ela nem se
importou. Parecia a sua mãe de antes, quando eles moravam com o papai.
Na
hora do almoço, ela o deixou escolher o que comer e também a sobremesa. E
então, quando já estava bem cansamos, resolveram que podiam ir para casa,
assistir a um filme juntos. Lá no fundo, ele ainda não entendia o porque da
estranha forma da mãe se comportar.
-
Mamãe, você está bem? – Joaquim não resistiu e teve de perguntar.
-
Sim, meu filho. Uma mãe não pode querer passar um tempo com seu filho?
-
Pode...mas você sempre trabalha tannntooooo. Hoje não tem trabalho
-
Não, Joaquim. Hoje não tem trabalho. E daqui para a frente será assim. A mamãe
vai encontrar tempo para ficar com você. E tem mais. Eu quero te pedir desculpas,
meu filho, por não ser a mãe que você merece, por deixar meus problemas com seu
pai afastarem você.
-
Vocês brigaram de novo? – Talvez isso explicasse o estranho comportamento dela.
-
Não. Nem vamos mais brigar. – Ela riu entendendo o quanto Joaquim compreendia o
que se passava entre ela e o ex-marido. – Acredite, você é a pessoa mais
importante da minha vida.
Joaquim
sabia disso. Sempre soube, mesmo quando a mãe passava mais tempo trabalhando ou
brigando com o papai. Ele entendia que ambos o amavam muito e, talvez por isso,
discutissem cada vez que ele ia ou vinha da casa de um para a do outro. Chegou
a pensar que talvez ele fosse o culpado de tantas discussões. Ele então se
virou para a mãe e beijou seu rosto, como fazia todos os dias. Esse beijo,
porém, pareceu mais especial.
-
Eu também te amo muito, mamãe. – Disse, sincero, em retribuição à mãe. – Também
amo meu papai. Você não fica triste com isso, né?
-
Não filho, claro que não. Papai ama você também. Muito. Ele só não ama mais a
mamãe. Só isso.
-
E você ama ele ainda? – Porque os adultos são tão complicados, Joaquim tentava
entender.
-
Não. A mamãe só ama você agora. – Era melhor mudar de assunto. – Acho que
precisamos ir embora e tomar banho antes de ver nosso filme. Pode ser?
-
Sim. Você deixa eu comer mais sorvete enquanto vejo o filme?
-
Deixo. – Márcia respondeu.
Apostando
corrida pelo estacionamento, Márcia sentia-se mais leve e mais feliz do que há
muito tempo. Tinha sido sincera com o filho. Não mais amava Alex, talvez já não
o amasse muito antes do divórcio. Estava se deixando guiar pela mágoa e pelo
ódio, não pelo que havia sobrado do sentimento que a levou a se casar com o pai
de Joaquim. Agora sentia-se livre de todos os sentimentos ruins e com espaço
aberto no peito para encher de bons sentimentos. Enquanto o filho tomava banho,
num impulso quase adolescente, pegou o celular e enviou uma mensagem para Raul.
Apenas uma foto feita pelo celular no parque de diversão, em que ela e Joaquim
apareciam sorridentes, sujos e cansados. No texto, apenas uma palavra:
obrigado. Raul não sabia, mas sua atitude de abandonar o caso e forçou a ver a
vida com outros olhos.
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