Cádiz, Espanha, em 1989
Ramón
e Silvana Bueno encaravam-se com há meses, mesmo morando na mesma casa, não
haviam feito. O casamento não ia bem. Talvez nunca tenha sido como deveria,
como faziam com que parecesse a quem apenas observava de longe. A verdade é que
em algum momento o amor deixou de existir. E enquanto Ramón fingia estar tudo
bem e passava a trabalhar mais horas ao dia, Silvana sentia-se só, abandonada e
sem razões para manter os juramentos matrimoniais. Até que tudo desabou. E esse
erro custou mais caro do que esperava.
-Eu não consigo acreditar que ele foi capaz desta
traição comigo! – Ramón encarava a esposa com olhos incrédulos. Havia ódio
neles. Mas o que mais machucou foi a mágoa. Mesmo vivendo um casamento infeliz
e sem amor, Ramón não esperava pela traição e estava sofrendo.
-Nós nunca desejamos que isso acontecesse, Ramón. –
A vergonha estava estampada em seu rosto. – Jamais!
-Mas aconteceu! Eu fui traído por minha mulher e
meu amigo! – De repente ele ficou pálido. – E Diego? É meu? Ou além de tudo
terei de perder meu filho também?
Diego, com apenas quatro anos, era a única fração
positiva que restou daquela união. E também a fonte de preocupação de Silvana.
Aquele menino não merecia sofrer a tempestade que se avizinhava. Silvana não
tinha nenhuma dúvida de que Diego é filho do marido. Caiu na tentação muito
depois. Engravidou em um momento em que ainda tinha esperança de salvar o
casamento. Errou. O casamento chegou ao fim e agora havia mais alguém para
sofrer.
Ramón ostenta o título de Duque, herdado de seus
antepassados e que irá transmitir a Diego. Viviam na tranquila cidade costeira
de Cádiz e tinham aparentemente a vida perfeita. Essa vida de riqueza com a
sociedade espanhola aos seus pés, com título de nobreza e a imensa casa que
lembrava um castelo não conseguiram salvar o casamento. E no auge da carência
afetiva conheceu Afonso, um argentino de passagem por Cádiz, a oportunidade de ser feliz.
Enganar
Ramón, um homem mais preocupado com dinheiro do que com
ela e a família, parecia fácil. Já Afonso lhe dava atenção, amor, carícias e a fazia sonhar. A cada
vez que tentou por fim ao caso e retomar a vida tranquila de dona de casa, era
atraída de volta para a teia de Afonso. O charme daquele homem a viciou. Mas os
meses passaram e talvez por ter ficado mais ousada ou menos cuidadosa, Ramón descobriu tudo. Agora ali estavam,sem nada a não ser ódio.
-Não diga bobagens.
Diego é seu filho. – Após algum tempo de silêncio Bueno fez o pedido que
sabia jamais seria atendido. – Pode me perdoar? Podemos tentar novamente.
O olhar que recebeu disse tudo que
precisava saber, mas as palavras foram ditas por Ramón da forma mais cruel que
conseguiu.
-Nunca fui interessado em mulheres que não se dão
valor. Vá embora! Sem Diego!
-Não pode fazer isso. Aquele homem não é nada. Eu
fui seduzida! Acabou Ramón, eu juro.
-O que acabou foi o nosso casamento! Você me traiu
com um homem que esteve em minha casa, jantou na minha mesa. Talvez, tenham
usado até mesmo a minha cama. No que depender de mim, você jamais olhará Diego
novamente!
Sem alternativa ou argumento para agir em
contrário, Silvana abraçou ao filho sem saber se tornaria a vê-lo novamente.
Deixar Ramón não foi difícil, já não o amava e, se tentou reatar a união, foi
pensando em Diego. A
ideia de fazer ao filho sofrer lhe doía no peito.
- Mamãe...você vai demorar muito? – Diego perguntou
vendo-a sair com a mala.
- Não sei, filho. Eu não sei. – Foi tudo o que pôde
responder.
Ao sair da casa, Silvana levava suas roupas e o
carro. As joias Ramón havia confiscado alegando que ela não as merecia já que
foram dadas para uma esposa por um homem apaixonado. E essa relação de amor e
confiança já não existia. Os planos de Silvana eram se encontrar com Afonso e,
juntos, deixarem Cádiz. Iriam para a Argentina e fariam uma nova vida. Ela
então poderia tentar rever Diego e um dia retomar a relação com o filho.
Nenhum desses planos foi possível. Silvana jamais
reviu Diego. Nunca colocou os pés na Argentina. Nem mesmo tornou a falar com
Afonso. Ainda na estrada, nervosa e em alta velocidade, ela não conseguiu
manter a atenção na íngreme estrada que levava da casa até a cidade. Quando
percebeu, às lágrimas pareciam encobrir a visão e o carro chocou-se contra uma
árvore. Silvana despediu-se do mundo sabendo que deixara muito por fazer e que
sua falta seria sentida não por Afonso ou Ramón, mas por Diego, que cresceria
sem mãe e em meio ao ódio causado pelo seu comportamento.
Semanas
depois...
Nem mesmo a morte de Silvana aliviou
o peso da traição que afligia o coração do Conde Ramón Bueno. Tudo ali
lembrava-o da mulher com quem se casou. Por mais que tenha cometido erros como
marido, amou-a até o último momento e por isso nunca entenderia como fora capaz
de entregar-se a outro.
Odiava Afonso Amaral com todas as
suas forças. O turista que ele conheceu na rua e convidou para jantar em sua
casa, tornou-se um amigo e depois usou disso para roubar-lhe a mulher. Um homem
sem caráter e que além de trazer traição para o seio daquela família, levou Silvana
para a morte.
- Papai, eu quero a mamãe. Quando
ela chega? – Diego apareceu à porta do escritório logo cedo pela manhã. Usava
pijama e tinha as bochechas rosadas pelo sono.
- Nunca mais. Sua mãe não vem nunca
mais. – Ele disse ao filho, sem piedade. – Por culpa daquele homem. Afonso
Amaral! Lembre desse nome Diego, nunca se esqueça. Foi ele quem destruiu sua
família. Foi ele quem levou a sua mãe!
Em meio a dor da traição e do luto
Ramón tinha apenas uma certeza. Ensinaria Diego a ser um homem honrado e jamais
trair a palavra dada. Esse era o seu dever de pai. Seu filho herdaria muito
mais que o título de nobreza ou sua fortuna, levaria também seus ensinamentos
morais. Seria um homem de verdade. E também o ensinaria a odiar quem assim
merecia e a fazer justiça. Passaria para Diego a imensa ira que hoje carregava
só. Afonso Amaral não seria esquecido.
Naquele instante Ramón observava seu
menino brincar no jardim. Diego ainda sentia a falta da mãe, mas, no futuro,
não teria piedade de nada. Lembraria apenas da traição que seu pai sofreu. E um
dia Afonso experimentaria uma dor tão forte quanto a sua. Ramón não tinha
pressa. Deixaria Afonso construir uma nova vida na Argentina, para onde voltou
após o enterro de Silvana. A traição e a separação jamais foram divulgadas na
imprensa e Silvana teve sua imagem protegida pela morte. Assim como Afonso, que
fugiu para seu país de origem sem ter de se responsabilizar pelo que fez. Não
importava. Quanto mais longe fosse e mais construísse, mais iria perder no
futuro.
Ramón deixou o tempo correr e fazer
seu trabalho...
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