Aos seis meses de vida, os gêmeos Vicente e Cecília
provavam que amor, ânimo e paciência de pais eram infinitos. Com a animação dos
dois, Clara parecia a mais comportada das crianças. Vicente e Cecília os tinham
mantido acordados em algumas madrugadas. Tanto que Lorenzo sugeriu que contratassem
uma babá, mas logo depois os dois concordaram que aquele era um momento único,
difícil às vezes, mas delicioso. E até no choro de Vicente e Cecília eles viam
uma demonstração de amor. Uma demonstração barulhenta e que os deixava com sono
no dia seguinte, mas que, ainda assim, não trocariam por nada.
Reorganizaram suas rotinas agora que Jéssica trabalhava
ao meio dia e à noite. Ele saía cedo pela manhã para cumprir as agendas da
Vinícola e Jéssica ficava em casa com as crianças. No meio da manhã ela deixava
a todos na escolinha. Jéssica tinha algumas horas livres durante a tarde, por
meses elas foram dedicadas a verificar com eles estavam adaptados ao berçário e
a retirar leite do peito. Agora, mais adaptada às crianças e ao novo trabalho,
podia aproveitar para se cuidar e dedicar um pouco de tempo para si mesma. À
tarde Lorenzo costumava envolver-se mais com a administração de sua jovem empresa
e por volta das 18hs era ele a pegar o trio na escola. Jéssica ainda se
surpreendia ao chegar em casa e encontrar os filhos banhados, alimentados e
adormecidos. Essa era uma rotina deliciosa de ter em cada um dos dias.
Menos nos domingos, quando nenhum deles trabalhava e
passavam o dia todo sem olhar para o relógio. Os gêmeos em seus carinhos,
Jéssica e Lorenzo sentados na grama e Clara, já com seis anos e meio, brincando
na pracinha. Era essa uma boa forma de recarregar as baterias para mais uma
semana de trabalho. Dessa vez, ainda mais corrida que as outras. Na sexta-feira
pela manhã ela embarcaria para o sul com as crianças. Lorenzo iria no sábado.
- Ainda acho que deveria esperá-lo e viajarmos todos
juntos. – Jéssica argumentou.
- Não. Na sexta você irá com calma, aproveitará para
passar mais um dia na companhia de seus pais na fazenda e, caso precise, terá o
apoio da minha família. Eu irei assim que me liberar. – Lorenzo respondeu.
No final de semana seria comemorada uma dada muito
importante na família Vicentin. Vovô Francesco e vovó Ângela completavam 60
anos de casados. Vindos de um tempo em que as uniões eram firmadas entre casais
muito jovens e duravam muito mais tempo, eles eram o registro de um tempo
diferente. Francesco olhava para Ângela como se ela ainda tivesse os 16 anos de
quando se conheceram. E foi por isso que ele ensinou aos filhos e netos a amar
e respeitar a companheira de toda a vida.
Vovô já não tinha a mesma saúde do passado. Aos 81 anos,
era normal, dizia o médico. Esporadicamente ele esquecia algumas coisas e na
mais recente visita à Vinícola, Lorenzo e Jéssica perceberam que ele tremia
muito uma das mãos. Aquilo despertou o alerta na família, mas não lhes tirou a
alegria de festejar. E isso surpreendeu Jéssica.
- Você não está preocupado com seu avô? – Ela lembrava-se
de ter perguntado ao marido no voo de volta daquela viagem.
- Sim, é claro. Mas infelizmente não posso evitar que
vovô adoeça, só lhe oferecer bons tratamentos médicos e garantir que será amado
até o último minuto de vida. E depois dela também.
- Acho lindo isso.
- O que? – Lorenzo não havia entendido realmente.
- A forma como se completam. E aceitam o que a vida
oferece.
- Não há escapatória, Jéssica. As cartas quem nos dá é o
destino, cada jogada é nossa. O que vale é ser feliz. O que me lembra...quero
saber se você está feliz, amor. Com a nossa casa, o trabalho, tudo.
- Muito. A casa é o nosso lar e eu descobre que gosto do
que faço, mais do que imaginei no início. Receber é bom. Quero atender aos
clientes cada vez melhor. E, por isso, pensei em me matricular num curso de
vinhos. O que você acha?
Lorenzo sorriu, orgulhoso e feliz em ver a esposa ter
projetos, ter ânsia de aprender. E se seu objetivo era se tornar uma
especialista em vinhos, ele estaria ao seu lado, disposto a ajudar em cada
minuto.
- Acho ótimo. Acho inclusive que eu posso te dar a primeira
aula, agora à noite, no nosso apartamento. Comprei uma garrafa chilena hoje
maravilhosa. – Ele ofereceu mordiscando o pescoço dela.
- Eu gostei bastante desse plano, muito mesmo. – Jéssica
não demorou em responder, atirando-se em seus braços.
Na segunda-feira bem cedo Jonas e Emily também acordaram cedo para organizar tudo o que era
necessário antes da viagem. Eles já estavam bem mais adaptados a rotina
profissional agitada e aos bebês. E após algumas tentativas falhas, Emily
convenceu-se de que precisava de uma babá. Apesar de não querer e por vezes
negar a possibilidade sugerida por Jonas, ela aceitou.
- Nada a tornará menos mãe deles, meu amor. Só precisamos
de ajuda. – Jonas lhe garantiu.
- Eu sei. Bobagem minha. Mania de querer dar conta de tudo
sempre, de aproveitar cada minutinho do dia.
- É, mas nós lidamos com as responsabilidades de uma
vinícola, uma construtora e dois restaurantes, Emily. Precisamos de uma
ajudinha. E a Helena será isso.
Era com Helena, uma mulher de meia idade indicada por
Márcio, que Bernardo e Vida estavam. Agora que tinham uma ‘secretária do lar’,
eles não precisavam acordar tão cedo quanto os pais. Só depois das nove horas Helena os levava
para a escolinha e organizava a casa. Também era ela a buscá-los às 17hs para
estarem descansados e no lar quando os pais chegassem. E os jantares em família
agora eram uma tradição. Os dias para Jonas e Emily costumavam começar cedo e
terminar tarde, mas eles não reclamavam, eram felizes daquela forma.
Tanto que, às vezes, Emily sequestrava o marido logo
cedo. Tudo para tê-lo junto de si por mais alguns minutos e num lugar lhe
adorava. A feira. O cheiro das frutas frescas e dos temperos lhe encantava.
Junto do aroma de Jonas ficava ainda mais tentador. Antes das 7hs da manhã eles
caminhavam entre as bancas e, dê mãos dadas, faziam planos.
- Você vai poder viajar na sexta-feira? – Emily
questionou.
- É claro. E você?
- Tudo combinado com Márcio. Dei-lhe folga hoje e amanhã
para que, descansado, consiga dar conta dos dois restaurantes. Já está tudo
programado inclusive com Marta. Ela irá no mesmo voo que nós.
- Ótimo...a não ser porque isso significa que hoje você
trabalha em dobro. Certo ?
- Certíssimo! E tenho reunião com Nathan.
- Algum problema? – Jonas evitava se envolver nos
problemas do restaurante. Confiava no talento de Emily e conhecia sua
independência, mas, como administrador, gostava de saber como tudo estava.
- Nenhum. Desde o início seu plano era ficar na Itália a
maior parte do tempo e eu administraria tudo. Até porque sua esposa está lá.
Mas ele ficou aqui no Brasil todos esses meses e eu achei que ele iria se
instalar aqui.
- Também pensei. Fiquei sabendo que esteve novamente na
vinícola e enviou um grande lote de vinhos para a Itália. Nos deu uma ótima
propaganda internacional ao colocá-los na carta de seu restaurante.
- É, ele...se encantou pelos Vicentin. Os vinhos, digo.
Mas eu o convidei para ir conosco nesse final de semana e ele respondeu que não
e me avisou que precisávamos conversar porque ficará um bom tempo sem vir ao
Brasil.
- Você acha que tem a ver com a esposa?
- Não, acho que não. Não é esse o tipo de relação deles.
– Emily disse simplesmente.
Emily não desejava falar do assunto porque não o conhecia
por completo. Sabia que Nathan se casou com Valentina após um namoro breve e
que era do interesse dos dois, mas que envolveu mais interesses econômicos do
que amor. Alguns poucos meses depois do enlace Nathan lhe confidenciou que a
união na prática nunca ocorreu, que eles queriam coisas diferentes da vida e
não havia chance de permanecerem juntos.
Num acontecimento pouco esclarecido, no entanto, poucos
dias depois Valentina sofreu uma parada cardiorespiratória. Sobreviveu. Porém,
ficou com sérias sequêlas. Há oito anos vive sem falar ou deixar a cama. Na
verdade ela não vive, apenas sobrevive no que, para Emily, representava o
pior dos destinos. Diante disso, Nathan
nunca se divorciou. Mas também nunca se importou com ela. Pagava para ela ter
atendimento médico e jamais entrava no quarto em que ficava. Não, Valentina era
o último dos motivos a levá-lo de volta para Milão.
Emily trabalhou com o afinco que pode o dia todo.
Acompanhou de perto o almoço em um restaurante e depois correu para o outro e
comandou o jantar. Quando as panelas encontraram descanso, ela enfim, também se
sentou para dar algum repouso ao corpo. Mas ainda havia um assunto pendente. Nathan
Johnson, seu amigo e sócio tinha algumas coisas para lhe dizer. Misterioso como
sempre, ele não estava interessado em dizer uma vírgula além do necessário.
- Porque está indo embora? Achei que estava se adaptando
ao Brasil. – Ela tentou com todo o tato.
- Eu nunca tive planos de ficar. Era um período para a
sua adaptação aos dois restaurantes e nós desejávamos ajustar o cardápio,
testar alguns pratos e eu achei que precisava dar o meu estilo ao lugar. Mas o
Brasil não é o meu lugar.
- Está mentindo para mim.
- Emily! Assim você me ofende! – Nathan afastou-se. Não
estava habituado a ser contrariado.
- Pode ser. Mas prefiro ofendê-lo com a verdade. Você
gostou do Brasil e pensou em ficar aqui. Não só de SP, mas também do Ri Grande
do Sul.
- É claro, a vinícola de seu marido é maravilhosa. Mas
aqui não é o meu lugar. E essa é toda a verdade. – Ele insistiu.
Emily não mais insistiu. Viu que por agora não saberia de
mais nada. Mas seu instinto fez alguns pelos se arrepiarem em sua nuca. Havia
algo ali, naquele olhar mais triste e mais decidido do que se lembrava. Nathan
estava fugindo. Quando o acusou de mentir, ele não ficou bravo como no passado
aconteceria, ficou muito envergonhado. Emily pegou as chaves de seu carro e foi
para casa com a certeza que mais cedo ou mais tarde saberia o que aconteceu.
Quando enfim chegaram à vinícola na sexta-feira, Emily
teve essa sensação reforçada. Parecia que o clima era outro. Havia sim muita
felicidade pelas bodas dos avos, assim como Giovanna e Leonel passaram horas
acarinhando os cinco netos. Mas havia algo de diferente.
E quando Milena surgiu na sala e discretamente
cumprimentou a todos, Emily desconfiou que ela teria as respostas de que
precisava. Ainda assim, não quis pressioná-la, afinal, no sábado, Ângela e
Francesco queriam toda a família em seu almoço de 60 anos de casados. Desejavam
e mereciam que houvesse paz na família.
Ainda na sexta-feira pela manhã Jonas se divertiu
caminhando pela vinícola com os convidados. Marta não quis ir, preferiu ficar
junto de Emily. Mas Laura e Henrique acompanharam Jéssica e fizeram a alegria
daquela filha enternecida por tê-los conquistado novamente.
- É tão bom tê-los aqui. – Disse beijando o pai e
recebendo o afago de volta.
Já no sábado, quando Jéssica cozinhava junto da mãe e da
sogra, Lorenzo chegou. As matriarcas o viram se aproximar enquanto Jéssica
seguia de cabeça baixa, cortando as batatas da salada. Só quando Lorenzo a
abraçou por trás e ela beijou-o com toda a naturalidade é que ficou clara às
mais velhas que ele esteve longe de surpreender a esposa.
- Sei muito bem quando você está chegando. Conheço seus
passos, seu cheiro. Conheço meu homem. – Ela lhe disse. – Foi bem de viagem?
- Sim. E aqui? Onde estão as crianças?
- Com os bisavós, Emily e Jonas à sombra das árvores.
Quer uma taça de vinho?
- Eu nunca recuso. – Lorenzo respondeu.
Giovanna não se cansava de ver quanto seu filho agora era
feliz. Aquela moça, antes vista com maus olhos pela família, o tinha feito
reviver. Lorenzo transformou-se num
homem mais sorridente, leve e disposto a viver além do trabalho.
- Largue essa faca e vá curtir o seu marido, Jéssica. Eu
termino as saladas. – Giovanna disse à nora.
Vendo que Jéssica não aceitaria, Lorenzo soltou-lhe o
avental e fez sair da cozinha.
- Com licença. Vou roubar minha prenda um pouquinho. –
Disse já levando-a para a sala. Queria mesmo é chegar no quarto. – Vem tomar um
banho comigo?
Ficar sob o chuveiro não estava nos planos de Jéssica,
Ainda assim ela foi para o quarto com ele. Queria conversar, dar-lhe atenção.
Afinal, com filhos, momentos assim eram raros. Precisam aproveitar.
- Como foram seus compromissos? – Ele tinha duas agendas
que o impediram de viajar na sexta-feira. Uma lhe importava bem mais.
- Bem. Aquela empresa contratou a consultoria. – Ele
começou, sabendo que aquilo pouco interessava para a esposa. – E depois...sim,
eu fui ao médico como você pediu.
- Claro que pedi. Já estava na hora de fazer um check up.
- Eu fiz. E está tudo ótimo. Meu médico disse, inclusive,
que eu pareço ter rejuvenescido alguns anos. Você acha que eu lhe disse quem é
a responsável por isso?
- Não sei. – Jéssica ria e abria a sua camisa enquanto
beijava-lhe o peito. Começava a ser simpática a ideia do banho.
- Não. Fiquei quieto. Não quero espalhar as maravilhas
que você me fez para não atrair concorrência!
- Bobo! Eu não tenho olhos para mais ninguém. – Definitivamente,
estava a caminho do chuveiro com seu marido.
E então chegara a hora do
almoço. Vovô e vovó emocionados em enfim poder reunir toda a família, em volta
da mesa, farta em sabor e em sentimentos. Ali estavam filhos, netos, bisnetos,
maridos, esposas e amigos da família que tornavam a mesa quase infinita. E a
felicidade dos idosos também. Vovó Ângela era ladeada pelo marido à esquerda e
por Clara à direita. Ela tinha exigido que a bisneta mais velha ficasse junto
dela. Clara sorria ao ganhar afagos da vovó e se deliciava num imenso copo de
suco de uva. Os outros netos estavam protegidos do sol sob uma tenda bem ao
lado.
-
Vocês já terminaram de comer? – Ana perguntou. – Eu errei a mão no molho? Foi
isso? A carne ficou crua?
-
Nada disso! Tudo está perfeito, Ana. Fique descansada! – Giovanna acalmou a
antiga cozinheira da casa.
-
Ainda bem. Afinal, tenho uma chefe de cozinha internacional na casa. Não posso
fazer feio!
Todos
riram, como era tradição numa mesa italiana. Alguns falavam, outros gritavam e,
no fim, todos se entendiam. Mas havia uma voz que não era ouvida. Milena
manteve-se calada durante todo o almoço. Nada disse para não atrapalhar o
momento feliz da sua família. Ela não estava no mesmo clima. Se bem que,
infeliz também não era o seu sentimento. Essa fase ela já havia superado. Agora
era apenas a surpresa pelo novo rumo que sua vida tomou.
Triste
mesmo esteve há quase um mês quando sua venda caiu e enfim teve de reconhecer
que o já dito por alguns era verdade e o homem que por alguns meses lhe pareceu
uma possibilidade de futuro, nem mesmo um presente lhe oferecia.
Desde
que viu Nathan Johnson, interessou-se por ele. Por mais discreta que tenha sido
sua postura na noite em que o conheceu na casa de seu irmão, ainda assim,
desejou-o. E só percebeu que o sentimento era recíproco quando Nathan foi ao
Rio Grande do Sul algumas semanas depois. Tudo foi muito rápido e, ao
mostrar-lhe os parreirais e os setores da vinícola, Nathan a beijou. Naquele
primeiro dia um relacionamento começou, um estranho relacionamento. Naquela
mesma noite dormiram juntos, na cabana ocupada por ele naquele final de semana.
E depois disso foram muitas outras noites. Ele veio em várias oportunidades ao
sul. Ela foi a São Paulo outras tantas.
Tudo,
porém, nunca envolveu outras pessoas. Eram sempre encontros muito discretos.
Nathan jamais quis sair em público ao seu lado e nunca aceitou abrirem o
relacionamento à família. Pediu-lhe segredo absoluto. E aquilo, com o passar
dos meses, irritou Milena. Alguns poderiam chamá-la de antiquada por nunca ter
se interessado em investigar a vida de Nathan. Simplesmente não sentia
necessidade. Acreditou no que ele lhe dizia. E achava até mesmo charmoso o fato
dele ser filho de uma italiana com um americano, de alguma forma, nele aquela combinação
parecia fazer sentido. Ela não estava pronta para o que Nathan tinha a lhe
dizer e ele o fez da forma mais fria possível em sua última vinda a Bento
Gonçalves. Definitivamente a última, porque ele avisou que colocar os pés lá
novamente estava fora dos planos.
-
Nós acabamos por tornar nossos encontros mais frequente e mais definitivos do
que eu planejava. Compromisso não me interessa, Milena. – Disse, direto, como
costumava ser. – Não pretendo vir te ver mais. Sua família acabará desconfiando
e...eu já não tenho mais como usar o vinho como desculpa.
-
Por que precisaríamos de desculpa? Somos livres!
-
Não, bella ragazza, eu não sou livre. Eu sou casado. E estou indo embora do
Brasil. Não pretendo mais voltar, não ao sul, pelo menos.
Nathan
não precisou que ela o expulsasse da vinícola. Foi embora pela própria vontade.
Mas ela o teria mandado embora caso ele não o fizesse. Ela manteve-se firme na
frente da família e dos funcionários da vinícola. A sós, no seu quarto, chorou
muito. Passou semanas tentando entender o que levou Nathan, sendo casado, a
procurá-la tantas vezes. E agora a ir embora sem nem mesmo dar uma chance a ela
como mulher. Provavelmente, tudo o que queria era um passatempo para sua
temporada no Brasil. E, naquele momento, já ria na Itália, ao lado da esposa.
Milena decidiu que o esqueceria e seguiria sua vida, sem Nathan, como sempre
foi.
Mas
a vida já havia mudado. E para melhor. Antes sentia-se sozinha, mesmo tendo os
Vicentin lhe acolhendo ainda menina e a amando-a como filha. Às vezes, ainda
assim, sentia a falta de ter alguém do seu sangue por perto. Agora nunca mais
seria assim. E ao saber disso ela só sentiu felicidade. Sua alegria parecia tão
grande que o fato de Nathan não estar ali tornou-se um fato menor.
-
Milena! Milena! – Leonel chamou a filha. – O que você tem? Parece com o
pensamento tão distante. Algum problema?
-
Não, papai. Eu acho que não é um problema, é algo maravilhoso. E já está na
hora de todos vocês saberem.
Milena
olhou no rosto de cada um ali presente e só então começou a falar. Estava
segura. Se ofendesse alguém, não se importaria. Já havia completado 33 anos,
era formada em turismo e independente financeiramente. E, principalmente, era
amada por aquelas pessoas. Eles podiam até estranhar a notícia, mas não a
abandonariam.
-
Quero dizer a vocês que estou muito feliz, mais feliz do que já estive algum
dia. – Ela continuou.
-
Isso é ótimo. Mas qual o motivo? – Jonas interrogou a irmã.
-
Porque Clara, Vida, Cecília, Vicente e Bernardo ganharão uma prima ou primo.
Vovó e vovô, vocês serão bisavós mais uma vez. Espero que se sintam tão felizes
quanto eu mesma pela notícia.
Eles
se sentiram. Abraçaram a mais discreta dos netos, sempre mais dedicada ao
estudo que ao coração, agora teria um bebê. Vovó Ângela chorou e acariciou a
barriga de Milena.
-
Obrigada, foi o mais lindo dos presentes que eu e vovô poderíamos receber. Mais
um bisnetinho! – Ela disse sentindo as lágrimas correrem.
Felizes
todos estavam. A felicidade de Milena era tão grande que a fazia brilhar e
transmitia seu calor a todos. Ainda assim, havia uma dúvida no ar e fora
Lorenzo a externá-la. Uma criança tinha pai e mãe, dentro de um casamento, não
assim, do nada e com a mãe dando a notícia sozinha.
-
Quem é o pai do bebê, Milena? Não me lembro de ter nos contato de um namorado.
– Ele disse mais sério do que de costume.
-
Sem pai. É uma produção independente. – Milena respondeu, segura e desafiadora.
– Agora, se me dão licença, vou ao meu quarto. Está muito quente aqui. Vou
descansar um minutinho.
Todos na mesa trocaram um olhar assustado. Aquela não
parecia a Milena doce e controlada de toda a vida. Emily desconfiava seriamente
de quem era o pai daquela criança, mas jurou para si mesma que jamais diria uma
palavra. Estava mais preocupada em acalmar os ânimos. Via em Jonas um nervosismo único. Achou até graça. Jonas agia
como se Milena fosse uma criança, posto que obviamente não mais combinava com
ela. Jéssica encarava Lorenzo com a mesma indignação. Eles estavam enciumados
com a gravidez da irmã. E isso soava muito estranho quando Giovanna e Leonel
sorriam felizes.
- Pai! O senhor não dirá nada? – Jonas perguntou.
- Dizer o que, meu filho? Milena é dona de seu nariz. Só
me resta lhe desejar felicidade.
Jonas e Lorenzo, no entanto, não foram acalmados por
aquele pensamento pacificador. Não aceitavam que a irmã fosse mãe sem que eles
soubessem quem a tinha engravidado. Por mais modernos que tenham se tornado,
filho é filho, e merece ser criado em família. Os dois saíram correndo atrás da irmã.
Emily e Jéssica atrás dos maridos.
- Jonas Vicentin! Não ouse brigar com ela! Milena não é
criança e se quer ser mãe, será! Não seja imaturo! – Emily disse em seu
encalço. – Eu mesma teria uma produção independente não fosse você aceitar ser
o pai de meu bebê.
- Exatamente! Aceitei porque criança precisa de pai! E um
homem de verdade assume o filho que faz. Esse irresponsável...que eu não sei
quem é, vai assumir o filho sim!
- Lorenzo se acalme! – Jéssica gritou. – Eu sei que não
esperava, mas...é seu sobrinho e...
- E Milena vai ter de me contar quem é o pai! O que é
isso? Sai por aí, faz um filho e a família nem saberá de quem é? Não dá!
- Lorenzo Vicentin! Você não vai gritar com a sua irmã.
Eu sei o que é passar por isso. Ela precisa de apoio. Ela precisa de carinho da
família. E você vai mostrar o grande homem que é, e ajudará sua irmã!
Quando enfim chegaram no quarto de Milena viram-na
fazendo algo muito diferente de descansar. Ela arrumava uma mala. Eles entraram
sem bater e isso foi bom porque enfim pegaram a irmã sem a máscara de perfeição
de minutos antes. Não era tristeza, apenas raiva. E nisso os três combinavam.
- Saiam! Eu já entendi que ficaram irritadinhos. Deixem-me
em paz! – Ela gritou.
- Paz pra que? Para fazer uma mala que você não usará? –
Lorenzo perguntou. – Não vai sair daqui, do seu lar. Nem cogite isso.
- Você não manda em mim, Lorenzo.
- Está na hora de ser mais madura, Milena. Seu filho
precisará.
- Desculpe se não sou tão perfeita quando os Vicentin de
sangue. – Milena respondeu ao irmão mais velho.
- Não! Nem pense em vir com esse papo! – Jonas então
interveio. - Você é nossa irmã. O sangue que vá pro inferno! E eu não aceito
que diga outra coisa. Nunca, nem por um instante, você não foi tratada e amada
como a uma Vicentin.
Nisso Milena foi obrigada a concordar. Aqueles irmãos
lindos e irritados eram os SEUS irmãos e os tios de seu filho.
- Desculpa. Eu sei. É só que não é fácil. É a primeira
vez que eu terei um parente de sangue...e ele vai sair da minha barriga. Eu
estou feliz. Simples assim.
- A gente está feliz por você, Milena. Claro que estamos.
– Jonas afirmou e abraçou a irmã. – Mas eu quero saber quem colocou esse bebê
aí e quando ele aparecerá para assumir o filho. É o que um homem decente faria.
- E, de preferência, pedir a sua mão em casamento! –
Lorenzo complementou.
- Ele não sabe e nunca saberá do bebê. – Milena esperou o
choque passar e então falou tudo de uma vez. – Esse bebê é meu. Esqueçam que
meu filho tem pai. Eu nunca contarei a ele sobre o bebê e jamais contarei a
vocês o nome dele. Foi apenas um homem que passou por minha vida. Só isso.
Lorenzo e Jonas não concordavam, talvez jamais mudassem
de opinião, mas foram obrigados a concordar que seus papéis não estavam em
julgar ou castigar a irmã. Ela precisava de apoio. E teria. Assim eram os
Vicentin.
Mais sábios, vovô e vovó não se preocuparam em ir atrás
dos netos. Eles iriam se acertar. Conheciam aqueles três tão bem. Eles se
amavam. E os irmãos estavam apenas protegendo a caçula da única forma que
achavam possível. Seja como fosse, ela estava tranquila vendo seus cinco netos
à sombra. Clara, a mais velha, encantada com os bebês. Ângela apertou a mão do
marido nas suas. Não poderia se sentir mais plena e satisfeita com as graças
vindas dos céus para sua família.
- Acho que agora você pode parar de pedir crianças,
Ângela. Temos muitas. – Vovô Francesco disse.
- Sim, meu velho. Estão todos encaminhados na vida. Agora
sim. Agora eles têm o que realmente é importante. Eles vão envelhecer como nós,
rodeados de amor.
- Sim, minha amada. Há 60 anos eu dizia ao padre que te
amo. E eu hoje eu repito: amo você e vou amar enquanto um coração bater no
peito desse velho.
- Eu também te amo, meu velho! – Ângela estava muito
emotiva naquele dia. Um dia especial.
Foi Clara a fazê-los voltar a atenção às crianças. Ela
chamou os avós para brincar, coisa que para eles não era fácil. Não com a
agilidade que a garotinha esperava. Contar uma história era mais fácil e foi
isso que Ângela propôs à Clara. Logo a menina se sentou ao lado dos bebês em
seus cestinhos dispostos à frente dos idosos. E vovó começou sua história.
- Era uma vez uma vovó e um vovô...
- Igual vocês? – Clara interrompeu.
- É. Igualzinho nós... essa vovó e esse vovô eram muito
tristes porque não tinham bisnetinhos. A vovó toda a noite rezava para os
anjinhos do céu lhe mandassem alguns bisnetinhos, mas eles não vinham.
- E aí? O que aconteceu com os vovôs?? – Clara insistiu.
- Calma, minha pequena. Vovó contará tudo. Um dia vovó
ficou sabendo que papai do céu resolveu lhe dar uma bisnetinha e mandou uma
anjinha lá do céu. Mas ainda era pouco! Vovó continuou rezando para o pai do
céu lhe dar mais...
Clara ainda não sabia, mas, um dia, entenderia que ela é
um dos anjinhos pelos quais vovó um dia rezou. E nenhum outro presente poderia
ser tão importante quanto ter suas crianças para ouvir uma história. A vida
seguiu, ela e Francesco envelheceram e a nova geração estava ali, firme e forte
como todos os Vicentin. Aqueles parreirais ainda veriam muitas crianças da
família correndo e provando de suas uvas e isso bastava para acalentar seu
coração.
Ela seguiu contando sua
história...
Nota das autoras: Há um pouquinho de tristeza nos nossos corações. Acabou. Foi lindo, mas acabou. E nós agradecemos cada leitura, cada estrelinha e cada comentário. Vocês já devem ter percebido que vem segundo livro né? SIMMMM Milena e Nathan merecem um livro só seu. Só??? Não! Terá muito mais. Preparem-se! 2016 será show para os Vicentin!
Bjs em cada leitor e leitora. E que venha: Alguém Para Perdoar :)
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