Não foi difícil para Henrique chegar na Vinícola
Vicentin. Mas foi cansativo. As orientações de Laura foram seguras e, ao
desembarcar no Aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre , ele
acessou o Aeromóvel e o metrô para chegar à estação rodoviária e lá pegar um
ônibus em direção a Serra Gaúcha. Teria sido mais simples alugar um carro no
aeroporto mesmo, mas, sem conhecer as estradas, o ônibus lhe pareceu mais
seguro. Já no centro de Bento Gonçalves e com informações dos habitantes de que
era fácil encontrar a vinícola, ele alugou um veículo e dirigiu pela estrada
ladeada de infinitos parreirais. No lindo lugar, a força da natureza lhe
transmitiu tranquilidade. E ajuda a acalmar corações ansiosos.
Quando enfim avistou uma porteira feita em madeira
entalhada com o nome da vinícola em destaque. Uma moça loira decorava a entrada com
flores, provavelmente em função do casamento.
- Buongiorno.
– Ela lhe cumprimentou.
- Bom dia, senhorita. Vai haver um
casamento aqui hoje...
- Sim, meu irmão irá se casar hoje.
Quem é o senhor?
- O pai da noiva. – Ele respondeu
simplesmente. E percebeu o quão bonita era aquela frase.
- É bom vê-lo aqui. Sou Milena. É um
prazer conhecê-lo. Bom...eu tenho muito o que fazer aqui na entrada ainda. Mas,
siga por esse caminho, ele dará na casa. Jéssica deve estar lá com toda a
família.
Henrique não se surpreendeu ao olhar
pelo espelho retrovisor e ver Milena utilizando o telefone. Devia estar
avisando Lorenzo de sua chegada. Era compreensível. Eles não tiveram um início
muito bom. Mas a verdade é que simpatizava com seu genro, lhe parecia um homem
bom, honesto e digno.
Quando chegou à residência da
família, viu se tratar de uma casa grande, simples e confortável. Lorenzo lhe
aguardava sozinho na frente da construção e lhe fez um sinal de onde era
possível estacionar à sombra. Nem sinal de Jéssica. Naquele momento Henrique
pensou que talvez ela não fosse a responsável por convidá-lo ao casamento.
Talvez estivesse magoada, machucava, pela falta de acolhimento quando fora
visitá-los em
Curitiba. Lorenzo , porém, lhe recebeu amigavelmente,
oferecendo-lhe a mão para um aperto firme.
- Laura disse que ainda confiava na
sua vinda. Para mim, foi uma surpresa. Seja bem vindo.
- Eu...não sabia como vocês iriam
encarar a minha vinda aqui. – Ele foi sincero.
- Muito bem. É meu sogro. Será
sempre bem vindo nessa casa.
- Obrigado. E Jéssica...onde ela
está?
- Com Laura e minha mãe, Giovanna.
Elas foram até outro ponto da propriedade. O local onde Jéssica mais tarde irá
se arrumar. Homens estão proibidos por lá, eu em especial.
- É sei bem como é. – Por mais que
conversassem havia uma barreira, algo difícil de ultrapassar. Henrique resolveu
ser direto. – Você deve me achar um monstro. Talvez eu mereça o título.
- Não acho nada, Henrique. Tive o
desprazer de conhecer Bruno. É óbvio que você estava certo em ser contra o
relacionamento. Só não concordo com a forma como você lidou com o assunto.
Jéssica era jovem demais.
Inicialmente Henrique não soube o
que responder. Jéssica era sim jovem demais, mas talvez ele a visse como uma
menina ainda mais jovem do que era. Não a imagina com um homem. E não suportou
vê-la nos braços de um delinquente.
- Quando eu lhe disse que deixaria
de ser minha filha caso escolhesse Bruno, não acreditava na possibilidade.
Pensava ser óbvio que aquele relacionamento não duraria e que Jéssica veria
isso e escolheria a família. Mas ela escolheu o delinquente.
- Não. – Respondeu Lorenzo. – Ela
não escolheu Bruno, apenas não acreditou que a família fosse lhe virar as
costas e resolveu testá-los. Quando descobriu que estava grávida ficou
apavorada e foi embora porque acreditou no aviso que o senhor deu.
O pai de Jéssica tinha os olhos
marejados pelas lágrimas. Para ele era muito difícil aceitar e até mesmo
entender que aquele homem à sua frente conhecesse tão bem sua filha, enquanto ele
não soube observar quando ela precisou de firmeza ou necessitou que lhe
estendessem a mão.
- Clara...quero conhecê-la.
- E vai. Mas depois de falar com
Jéssica. Ela veem vindo. – Ele apontou para a janela e viu os olhos de Henrique
se arregalarem ao verem a silhueta arredondada de Jéssica. – Sim, Jéssica está
grávida.
- É por isso que...
- Não! – Lorenzo foi rápido em
corrigir e aproveitou para dar um aviso. – Eu pedi sua filha em casamento muito
antes de sabermos da gravidez. Nem pense em dizer nada desagradável de meus
filhos para Jéssica. O senhor é muito bem vindo nessa casa, desde que respeite
sua filha e não tire o sorriso de seu rosto. Hoje é um dia feliz e faça questão
de vê-la sorrir.
Com um discreto aceno, Lorenzo pediu
que as outras mulheres entrassem na casa brevemente. Ele fez o mesmo caminho e
restaram apenas Jéssica e o pai na varanda da casa. Pai e filha se olharam em
silêncio por alguns minutos. Havia tantos sentimentos ali misturados que
organizá-los foi difícil. Jéssica chegou a pensar estar sonhando. Mas era real,
Henrique estava ali no dia de seu casamento.
- Você está aqui. – Ela disse com um sorriso tímido, como se
ainda não acreditasse.
- Estou, minha filha. Não podia
ficar em casa num dia tão importante na sua vida. Todo o pai sonha ver a filha
se casar.
Ainda havia um afastamento. Eram poucos
passos que os separava, mas que, nenhum dos dois ousava dar. Do pai havia o
temor de ser rechaçado. Da filha o receio criado após tantas vezes ter um
carinho negado. Certos passos levavam mesmo algum tempo e eram antecedidos por
palavras duras.
- Me desculpa por tudo o que eu fiz?
Eu preciso que me desculpe. – Jéssica pediu, emocionada.
- Eu é que preciso me desculpar.
Tentando me proteger da dor de perder você, machuquei minha própria filha.
Disse que não tinha filha. Era mentira. Mentia pra mim mesmo. Só não queria te
perder. – Ele enfim reconheceu. – Deveria ter ido atrás de você quando saiu de
casa. Hoje eu me arrependo tanto. Eu te amo, minha filha.
Jéssica pensou estar sonhando,
imaginando aquele reencontro. Precisou do contato, do calor do pai para
realmente crer naquilo tudo.
- Posso te abraçar?
Henrique nada disse. Apenas abriu os
braços e permitiu-se sentir a calor e o carinho da filha. Tantas vezes
lembrou-se do seu abraço nesses anos de afastamento. E em cada uma delas
engoliu o sofrimento pensando ser o melhor a fazer. Hoje percebia que aquele
orgulho capaz de endurecer seu coração não lhe trouxe nada de bom, apenas
tornou-o alguém mais solitário. Henrique sentiu o ombro da camisa ficar úmido
com as lágrimas silenciosas de sua filha.
- Não chore. Basta de lágrimas. Eu
te amo, minha filha. – Assim ele realizava o desejo de Clara, ao menos o que
ela lhe pediu em sonho. – Até porque seu marido faz questão de seus sorrisos.
- Sim, ele faz. Lorenzo é um grande
homem. E ele me ama. Eu vou ser feliz ao lado dele, papai. Ele ama Clara como
se ela fosse sua filha.
- E vem outro aí. – Henrique tocou
delicadamente a barriga da filha. – Eu não sabia que você está grávida.
Parabéns.
Parabéns! Que palavra linda de se
ouvir quando se está grávida. Faz com que uma onda de amor cresça dentro de seu
peito. E Jéssica sorriu, secando as lágrimas rapidamente e acariciando o
próprio ventre.
- Eu quero conhecer esse bebê. E
também Clara. – Henrique continuou. – Quero saber de tudo da sua vida, te
conhecer. Eu nunca mais vou te abandonar.
- Eu torci tanto para você me
perdoar. Tanto. Obrigada por vir. Sei que errei, papai. Nunca deveria ter
permitido qualquer aproximação de alguém como Bruno.
- Não peça mais perdão. Isso é
passado. Daqui para frente eu só quero ser feliz junto de você e dê meus netos.
Quero levá-la até o altar, entregá-la a Lorenzo. Eu posso? Você me dá essa
alegria? Eu sei que não mereço.
Jéssica gaguejou e não respondeu. Na
certeza que seu pai não viria, pediu a vovô Francesco que a conduzisse durante
a cerimônia. E agora, no momento da cerimônia, não poderia lhe negar o convite
feito.
Foi o próprio Francesco, de coração
aberto e bondoso como sempre, que autorizou a mudança de planos. Caminhando com
certa dificuldade, mesmo mantendo a postura ereta e elegante da juventude,
Francesco estendeu a mão para Henrique, apresentou-se e piscou para Jéssica.
Sabia exatamente a saia justa na qual ela se encontrava.
- É claro que seu pai irá levá-la
para a benção do matrimônio. É direito de qualquer pai. E eu tive esse prazer
com uma filha. Agora é a sua vez. Parabéns pela filha que tem. Nossa família
está orgulhosa por tê-la como filha a partir de hoje. – Disse a Henrique.
- Obrigada. Eu também estou muito
orgulhoso por ela.
Com essa questão resolvida, faltava
a Henrique conhecer Clara. Já sentia sua presença ali, quase podia ouvir suas
risadas, mas estava apreensivo, sem saber como o receberia. Ele tinha a nítida
sensação de conhecê-la pelo sonho e pelas inúmeras fotos e vídeos que Laura lhe
mostrava. Mas Clara não deveria fazer ideia de quem ele era.
- Porque vocês estão chorando aí? –
Ela gritou aparecendo na porta, de braço cruzado, pronta para a briga, caso
alguém estivesse fazendo mal à sua mãe. – Quem é você?
- Olá, menina Clara. Sou seu avô. Me
chamo Henrique.
- Avô? Não,obrigada. Eu já tenho
vários avos. – Clara disse tranquilamente.
- Clara! Olha o respeito! – Jéssica
ralhou com a filha.
- Mas é verdade mamãe! Eu tenho a
vovó Ângela, a vovó Giovanna e a vovó Laura. Tem o vovô Francesco e o vovô
Leonel. São muitos avos!
- Mas esse é o vovô Henrique. Ele é
o meu papai.
- Seu papai? E porque você nunca
veio ver a gente?
Foi difícil para Henrique encontrar
uma resposta para essa pergunta. Em especial uma que fosse verdadeira e não
magoasse uma criança.
- Porque eu estava cego. Só isso.
Mas agora eu vi você. E eu queria muito um abraço da minha neta. Por favor.
Jéssica já não chorava, só sorria
vendo Clara nos braços do avô. Aquele dia estava lhe dando ainda mais alegrias
do que esperava. Era quase 13hs, eles precisavam almoçar e logo depois ela iria
se arrumar para, enfim, dizer o sim definitivo para Lorenzo. A sensação era que
estava caminhando por uma trilha longa e cheia de armadilhas há muito tempo e
agora avistava o prêmio por ter suportado cada um dos obstáculos. Ela almoçou
tendo Clara à sua frente, ao lado de Laura, Lorenzo à direita e o pai à sua
esquerda. Nada poderia ser mais belo e mais especial. Lorenzo não apenas lhe
deu uma família como também conseguiu unir os cacos que sobraram da antiga.
- Tudo bem? Não foi emoção demais? –
Ele lhe sussurrou à mesa, acariciando os filhos discretamente.
- Nunca estive melhor, mais feliz e
mais completa. E tudo isso é por você. – Abalada com as circunstâncias e também
pelos hormônios, Jéssica voltou a sentir as lágrimas verterem de seus olhos.
- Não, não, não. Sem lágrimas. Daqui
para frente serão só sorrisos. Eu prometo.
A família não estava completa
naquele almoço, para desgosto de Giovanna. Jonas levou Emily e os filhos para
passear pela vinícola. Só eles. Queria aquela privacidade para apresentar
Bernardo àquelas terras, tão simbólicas para seus antepassados. Levava o filho
nos braços enquanto Emily carregava Vida. A menina já tinha estado ali em
outras oportunidades, mas aquela era a primeira vez que Bernardo estava em solo
gaúcho. Seu primeiro dia respirando o ar puro da região e vendo os parreirais
carregados da próxima safra da uva.
- Veja, meu filho. Aqui é a sua
casa, a sua terra. Aqui estão as nossas raízes. – Disse ao filho, em tom baixo
e satisfeito em passar o orgulho daquela terra para seus herdeiros.
Nas últimas semanas Jonas voltou a
se sentir em paz. Quando Emily
recuperou-se totalmente e Leonor atestou sua saúde após exames, ele enfim
respirou. Não fosse assim, a existência de Bernardo não seria o bastante para
lhe amenizar a dor. Não se tivesse lhe custado Emily. Ter os filhos lhe dava
felicidade, fazia seus amanheceres mais belos e sorridentes. Mas Emily era o seu
oxigênio de cada dia. O pulsar da energia dela, sempre vibrante, o mantinha
extasiado e mais apaixonado a cada dia. Agora podia se dizer um homem feliz e
completo.
- Já posso imaginá-los pegando grãos
de uva e comendo do pé, como eu, Milena e Lorenzo crescemos fazendo. Eu fui tão
feliz aqui, Emily.
- Você é. Aqui sempre será o seu
lar. Às vezes penso que você gostaria de morar aqui, se não na vinícola, numa
casa na cidade, como a que Lorenzo tem.
- Não, meu amor. Parte de minha vida
hoje está em São Paulo
e você tem lá seu restaurante. Não me é nenhum sacrifício morar lá, não tendo
você ao meu lado.
- E sem mim? – Ela perguntou olhando
em seus olhos.
- Sem você?! Hoje eu vejo, Emily,
que eu não teria conseguido viver sem você. Não importa se aqui ou em São Paulo. Eu podia negar,
fingir que não éramos nada além de amantes, mas na verdade eu já te amava
incondicionalmente. E vai ser assim para sempre. Não importa aonde a gente
viva.
- Hoje eu sei que te amo mais do que
tudo. Não sei exatamente quando foi, Jonas, mas entre uma taça e outra de
vinho, você entrou no meu coração. Ele é seu. – Ela respondeu.
Emily estava emocionada com a
declaração sem razão que Jonas lhe fazia. Não era mulher de muitos afagos e
elogios. Costumavam lhe dizer que por vezes agia de forma mais prática que
atenciosa. Talvez fosse hora de mudar um pouco isso. Jonas foi de delicadeza e
dedicação impar durante todo aquele período de doença. E manteve-se firme ao
seu lado quando tudo parecia desabar. Nessa luta abriu mão de algo que lhe era
muito importante e que, talvez, fosse o momento de ter novamente.
- Eu amo o restaurante, Jonas. Amo
estar lá. Ficar longe dele me doeu, mesmo sendo por poucos dias e por uma forte
razão. É o que você sente pela JRJ?
- É diferente. – Talvez nem ele
tivesse uma resposta pronta para essa pergunta. – Eu jamais abriria mão da
vinícola. Meu sangue, meu coração está em cada uma dessas garrafas.
- Mas... – Emily incentivou.
- Mas eu também tenho prazer no que
faço como engenheiro. Amo a profissão para a qual estudei e sou feliz na JRJ.
- Então você quer voltar. Faça isso.
Retome seu cargo, suas responsabilidades. Rafael certamente agradecerá. E
Juliana...também, é claro.
- Ela está fora do país. Estudando,
esfriando a cabeça. No fundo é uma mulher muito agradável. Você a conhecerá
melhor.
- Estou dispensando. Obrigada! –
Emily respondeu. Mas ela sorria, divertida.
- E você? Quais seus planos
profissionais?
Aquilo deu à Emily a oportunidade de
contar a Jonas seu próximo desafio. O maior de toda a sua vida profissional.
Talvez , porque ainda não era certo. Ainda assim, sentia a vontade de arriscar.
- Se me perguntasse isso há alguns
dias eu diria que era apenas seguir fazendo o que faço todos os dias, mas
Nathan me fez uma proposta interessante.
- Nathan? Seu amigo italiano? –
Jonas não gostou. Ainda não entendia porque, mas não havia simpatizado com o
cozinheiro. – Só espero que ele não vá levar minha mulher para Milão.
- Não mesmo. Só para outro bairro de Alphaville.
- O que?
- Ele me propôs sociedade em um
restaurante nesse bairro. O que acha?
- Interessante. Mas como você terá
dois restaurantes? E ele virá morar aqui?
- Vamos assinar o cardápio juntos.
Eu administraria a cozinha no dia a dia e ele virá regularmente. Ele está
encantado pelo Brasil e pela vinícola, inclusive.
- Ele esteve aqui? – Isso era
novidade para Jonas. Após aquela visita a Emily, recém operada há semanas
atrás, o nome de Nathan sumiu de sua memória.
- Sim, Milena o recebeu e mostrou
tudo.
- E agora ele quer montar um
restaurante aqui? Interessante. Você dará conta de dois restaurantes?
- Não com a mesma dedicação que
tenho por um, é claro. Mas é um desafio, uma possibilidade. Vou pensar. Não se
preocupe, meu amor. Você, Vida e Bernardo serão sempre minhas prioridades. Para
sempre. Vamos para casa?
- Vamos. Temos de comer e se arrumar
para o casamento. Será uma noite de grandes emoções.
Mulheres para um lado, homens para o
outro. Nessas horas o nível de nervosismo era mesmo muito diferente. Jéssica
passou a tarde entre cuidados e tratamentos de beleza, ladeada por Emily,
Laura, Milena e Giovanna. Enquanto isso, Lorenzo arrumou-se com antecedência e
conferiu uma dezena de vezes se as alianças estavam no lugar certo. Estava
nervoso demais. Jonas lembrava-o que há poucos meses eles estavam com as posições trocadas e o irmão debochou de seu nervosismo.
- Verdade. E sim, eu estou nervoso. Satisfeito?
- Muito. – Ele bateu nas costas de Lorenzo. – Arrume a gravata, está torta. E pare de andar de um lado para o outro. Não vai fazer Jéssica se aprontar mais rápido.
- Eu sei! Vou cumprimentar o padre e os convidados para ver se o tempo passa mais rápido.
- Verdade. E sim, eu estou nervoso. Satisfeito?
- Muito. – Ele bateu nas costas de Lorenzo. – Arrume a gravata, está torta. E pare de andar de um lado para o outro. Não vai fazer Jéssica se aprontar mais rápido.
- Eu sei! Vou cumprimentar o padre e os convidados para ver se o tempo passa mais rápido.
Por ser viúvo, Lorenzo não podia se casar no religioso. Mesmo assim, o padre que também realizou a cerimônia de Emily e Jonas, veio lhes dar uma benção. O rito podia ser um pouco diferente, mas os votos de felicidade não. O religioso conhecia a trajetória daquela família e o sofrimento que tomou conta de Lorenzo duas décadas atrás. Hoje isso estava superado e, a partir daquela cerimônia, faria definitivamente parte do passado. Lorenzo deixaria de ser viúvo para passar ao estado civil de casado. E cada convidado que apertou-lhe a mão sabia o quando Jéssica trouxe de felicidade e paz de espírito aquele homem.
Não só Jéssica. Clara também fez maravilhas pelo coração de Lorenzo. A menina, quase uma cópia da mãe, amava-o muito e aceitava todo o carinho que ele tinha para dar, acumulado em anos demais de solidão. Clara aproveitou cada segundo da preparação daquele casamento. Sentia como se a festa fosse também sua. E era. Se sua mãe resolveu não usar branco, ela o quis, com direito a tiara de flores na cabeça e brinco de pérolas, um presente de seu pai no dia em que adotou-a legalmente.
Não só Jéssica. Clara também fez maravilhas pelo coração de Lorenzo. A menina, quase uma cópia da mãe, amava-o muito e aceitava todo o carinho que ele tinha para dar, acumulado em anos demais de solidão. Clara aproveitou cada segundo da preparação daquele casamento. Sentia como se a festa fosse também sua. E era. Se sua mãe resolveu não usar branco, ela o quis, com direito a tiara de flores na cabeça e brinco de pérolas, um presente de seu pai no dia em que adotou-a legalmente.
- Estou bonita, papai? – Ela lhe perguntou ao ficar pronta e vir lhe fazer companhia ao altar.
- Linda. Uma anjinha que veio abençoar essa união. – Ele respondeu no mais sincero dos elogios.
Se nem todos aqueles cumprimentos
fizeram passar o tempo rápido o suficiente, Lorenzo se colocou em seu lugar e
ficou aguardando a noiva. Ela não vinha nunca. E ele, apesar de feliz, não
conseguia sorrir. Estava ansioso. Até que viu sua mãe passar junto de Laura e
Milena. Estava na hora, elas lhe confirmaram. Depois veio Emily, a madrinha,
num vestido verde-claro e salto alto. Ela se colocou ao lado de Jonas, sob o
dossel montado especialmente para a ocasião e decorado com muitas flores.
Mas ainda faltava a noiva. E Lorenzo
foi obrigado a perguntar se Jéssica estava bem. Afinal ela estava muito
atrasada, deixando os convidados, e ele, sobretudo, muito ansiosos.
- Relaxe, Lorenzo. Ela já vem lhe
dizer o sim. Precisamos ajustar o vestido. É difícil acertar o tamanho quando a
noiva tem uma barriguinha de grávida. Agora está perfeito. E prepare-se para
ver a mulher mais bela de toda a sua vida passar por esse corredor.
- Eu a vejo acordar ao meu lado
todas as manhãs. – Ele respondeu.
A frase era típica de um romântico e
galanteador como Lorenzo. E verdadeira, pois ele a achava linda ao acordar. Mas
nada preparou-o para vê-la caminhar em sua direção num vestido levemente
dourado e feito em renda, com algumas pérolas bordadas. O corte princesa, com
uma fita logo abaixo dos seios marcava a barriga enquanto o decote tomara que
caia era finalizado por uma manga falsa, também em renda que caía por um dos
ombros. Nos pés uma sandália rasteira dava um tom de simplicidade que combinava
com a noiva. E no rosto uma maquiagem discreta dava o toque final. O sorriso
farto completava o quatro, perfeito, belo e capaz de encher o noivo de orgulho.
Amparada no braço de Henrique,
Jéssica caminhou até Lorenzo segurando a emoção. Nunca esteve tão feliz em toda
a sua vida. E no aperto de mão entre aqueles dois homens viu selado seu
destino, um lindo e duradouro destino. Eles trocaram algumas palavras
emocionadas antes que Henrique fosse se colocar junto de Laura e depois Lorenzo
só teve olhos para Jéssica. Beijou-lhe a testa em sinal de devoção e passou a
mão por suas costas para deixar claro que ela estava amparada. Acontecesse o
que o tempo e a vida tivesse lhes reservado, Jéssica tinha espaço reservado sob
a proteção de seus braços. A fala do padre não foi tão breve quanto no
casamento de Jonas e Emily. Dessa vez o religioso revolveu falar das graças que
cada um recebe e do poder de decisão que temos ao aceitá-las ou não.
- Ninguém entra na vida do outro sem
uma razão. Tornar essa passagem bela e repleta de recordações bonitas é escolha
de cada um. – Disse o religioso. – A passagem de alguns é mais curta. Foi essa
a vontade de Deus. Ela abre caminho para outras. Faz parte da busca pela
felicidade, que nem sempre é fácil, mas é necessária, é vital. Todos aqui
desejam um lindo futuro para esse casal e os frutos dessa união. Com a benção
de Deus.
O beijo que selou a cerimônia
ocorreu logo após a colocação das alianças. Eles sorriam, felizes com o passo
dado. Agora a relação era oficial. A festa teve início quando o sol ainda se
punha. Era provável que os familiares e amigos seguissem festejando o momento
feliz até muito tarde. Os noivos não. Com a gravidez, Lorenzo tinha a desculpa
perfeita para raptar a noiva alegando que ela não podia se cansar.
- Ainda não. – Ela lhe disse quando
ele tentou que fossem embora logo. – Quero dançar com meu marido.
- Quer é? Qual música?
- Qualquer uma. É só para estar nos
seus braços mesmo. – A resposta dela provocou-o ainda mais.
- Está bem. Que comece o baile,
então. Mas antes, temos um anúncio importante a fazer.
Lorenzo pediu a palavra e todos
acreditaram que o noivo iria se declarar para a esposa. Não era isso. Eles
tinham uma grande surpresa pela frente. Mesmo assim, Jéssica sentiu um aperto
no coração ao ouvi-lo falar. E seu plano de não chorar foi por água abaixo.
- Eu estou feliz em tê-los aqui.
Muito, acreditem. Nunca me senti tão feliz nos meus quase 46 anos. Algumas
pessoas têm medo de envelhecer. Não eu. Não quando sou mais feliz a cada dia,
ao lado da mulher que amo e de meus filhos. Sim, vou ser pai. Aos 46 anos, eu
vou ser pai. De Clara, minha primogênita linda e de dois bebês que em breve
estarão aqui nessa terra.
A palavra D-O-I-S ecoou e foi
repetida por todos os lados. Alguns acharam não ter ouvido bem. Outros pensaram
que Lorenzo tinha se equivocado. Vovó Ângela entendeu de primeira e sorriu,
discreta e emocionada. Lá no fundo ela sabia, desconfiava, sentia. Não
importava. Os dois netinhos já estavam em seu coração. Os Vicentin estavam garantidos
na próxima geração e a idosa italiana não tinha razões para disfarçar sua
alegria.
- Sempre soube que você não iria me
decepcionar, meu neto. Demorou. Mas fez dois de uma vez só! – Afirmou, sabendo
das risadas que geraria. – E você, minha neta. Rápida, eu disse logo no
primeiro dia que a vi.
- Mamãe! Por favor. – Leonel ficou
vermelho, apesar de habituado a personalidade expansiva de Ângela.
- Só falei a verdade. Não sei qual o
espanto.
O baile seguiu ao brinde e a
primeira dança seguiu a tradição dos casamentos na família Vicentin. Não era
uma valsa, mas sim uma música daquela terra. Era mais do que enaltecer os
próprios costumes. É amar, seguindo as regras do próprio coração. Lorenzo guiou
Jéssica num bailado lendo e contínuo, quase despercebido, acompanhando a música
entoada ao som de gaitas tradicionalistas ao fundo. Com a letra da canção ele
concordava.
E mostrar para quem quiser ver
Um lugar pra viver sem chorar
É o meu Rio Grande do Sul
Céu, Sol, Sul, Terra e Cor
Onde tudo o que se planta cresce
E o que mais floresce é o amor
- Vamos embora? Estou com pressa para tê-la só para mim.
– Ele pediu quando a dança terminou.
- Para onde vai me levar? Ninguém me disse onde iremos
passar essa noite.
- É segredo. Mas garanto que será inesquecível.
- Eu não duvido, não mesmo. – Jéssica disse enquanto
caminhava em direção a Clara. Iria se despedir da filha, que ficaria na
Vinícola com a família. – De você eu jamais duvidarei. Então vamos. Estou
pronta para passar essa noite inesquecível ao lado do meu marido.
- Ótima resposta, senhora Vicentin.
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