Jéssica passou a ter um acompanhamento médico mais
próximo. Não apenas por insistência de Lorenzo, mas, também por aconselhamento
de Leonor. Numa gravidez múltipla, os cuidados eram naturalmente
intensificados, mesmo que tudo indicasse uma gestação calma e saudável. Esse
era o caso. E entre muitos afagos e carinhos na barriga, Jéssica foi se
acostumando a desviar dos enjoos, cuidar do próprio corpo e curtir a chegada de
seus bebês.
A felicidade era tanta que aquele velho medo de tudo
desmoronar foi ficando mais suave a cada dia. Já estava mais longe,
desaparecendo como num dia que amanhece nublado, mas que depois o sol chega e
desmancha todas as nuvens. Seu sol era Lorenzo, que mandou para longe todas as
nuvens de medo e infelicidade.
Por orientação de Emily, Márcio agora ficava de olho em Jéssica. A mantinha
fora da cozinha a qualquer sinal de enjoo e sempre que podia a orientava a ir
para casa mais cedo. Normalmente Jéssica não aceitava, mas naquela tarde acabou
saindo e aproveitou a tranquilidade do apartamento solitário para tomar um
longo banho, cochilar e ler. Parou tudo isso para olhar para a própria barriga.
Não estava arredondada ainda, mas definitivamente já estava mais firme.
- Não está um pouquinho cedo para ficar medindo essa
barriga? – Lorenzo a pegou de frente para o espelho.
- Olha quem fala. Confere como minha barriga está a todo
o momento. – Ela sorriu ao lhe responder.
- Claro! Meus filhos vão crescer fortes. Vão puxar ao
pai. Logo logo você vai estar com um barrigão bem grande e todo mundo vai te
olhar quando a gente passar na rua.
- Porque eu estarei redonda?
- Estará linda. Toda grávida é linda. Você será a mais
perfeita de todas. E eu vou dizer pra todo mundo que são meus filhos a te deixarem
assim. Dois bebês, porque eu coloquei gêmeos aí dentro.
- Muito discreto da sua parte! – Jéssica ria do
comportamento quase infantil de Lorenzo. Logo ele, tão maduro e sereno, agia
como um adolescente ansioso.
- Já fui discreto a vida todo. Tenho crédito!
- Tem mesmo. Eu... vou adorar sair na rua mostrando minha
barriga. – A nuvem de tristeza às vezes teimava em aparecer. – Eu escondi muito
a barriga quando esperava Clara. Tinha medo de me demitirem se soubessem que eu
estava grávida. Então ninguém podia saber.
- Agora todos vão saber. – Lorenzo tratava de espantar a
tristeza. – Vão saber que os meus filhos veem aí pra fazer feliz toda a
família.
Uma família deslumbrada com todos os bebês com que foram
agraciados nos últimos tempos. Mas que ainda levaria algum tempo para saber que
o presente mais recente seria duplo. Lorenzo e Jéssica decidiram só contar se
tratar de gêmeos no casamento, como um presente para todos. Nem Clara sabia que
teria dois irmãos, e não uma, como ela já alardeada para todos os que via.
- Vou buscar Clara na escola. Já venho. – Lorenzo lhe
disse.
- Eu pego. – Antes que ele argumentasse, ela terminou a
explicação. – Já descansei muito. Pego ela num minuto.
- Está bem. Eu vou preparando o jantar enquanto isso.
Quer comer algo de especial?
- Não, qualquer coisa. Sem desejos à vista, ainda. –
Jéssica lhe piscou antes de abrir a porta da rua.
Esse era um talento que os irmãos Vicentin dividiam.
Ambos gostam de cozinhar, de preferência com uma taça de vinho ao lado e uma
bela mulher por perto. Vovó Ângela se sentiria orgulhosa se provasse o molho
que Jonas preparava naquele momento. Seu plano era simples e delicioso, em
todos os sentidos. O molho vermelho com folhas de manjericão borbulhava na
panela enquanto ele colocava as tiras de talharim fresco para cozinhar. Não era
o da nonna, mas serviria para uma grande refeição. Emily, como sempre, disse
que podia assumir as panelas.
- Não. A mesma resposta que sempre te darei enquanto você
estiver de repouso. – Ele respondeu sorridente, já habituado as tentativas de
Emily de fugir do descanso. - Eu já venho te buscar para jantar.
Milena também se ofereceu para cozinhar. Mas a verdade é
que a alquimia dos sabores trazia alegria para Jonas e o lembrava de casa. Pena
que em meio ao cozimento ele precisou desligar o fogo e correr para o quarto
dos bebês. Os dois choravam em desespero enquanto Milena tentava acalmá-los,
mas não sabia nem por qual começar. Jonas não se surpreendeu ao encontrar Emily
caminhando com alguma dificuldade pelo corredor entre o quarto do casal e o das
crianças.
- Cama! – Jonas lhe disse. – Não era para estar em pé.
- Nem pensar. Meus filhos precisam de mim.
Milena não estava mesmo dando conta de Bernardo e Vida,
mas isso não significava que Jonas concordaria em ver Emily descumprindo
ordens médicas. Ele até tentou expulsá-la para o quarto, mas só o olhar de mãe
raivosa o fez reconsiderar. Com a promessa de que ela iria se deitar assim que
os filhos se acalmassem, ficaram os dois ali, ninando-os, enquanto Milena saía
para lhes dar privacidade, sob a desculpa de aquecer as mamadeiras.
Demorou até o quarto voltar ao silêncio. Na verdade Vida
estava perfeitamente bem. Fralda seca, alimentada, confortável e quentinha. Só
chorava porque foi acordada de seu sono por Bernardo. Bastaram alguns afagos
para ela voltar ao mundo dos sonhos. Com o irmão não foi bem assim. O menino com pouco mais de uma semana de
vida tinha o rosto vermelho e chorava com força, seu pequeno corpinho chegava a
se contorcer. Jonas e Emily jamais tinha passado por nada semelhante com Vida.
Eles se assustaram e pensaram e correr para o hospital. Até que numa rápida
ligação para Marta, descobriram se tratar de cólicas, algo muito comum em bebês
pequenos. Tudo o que Bernardo precisava era de uma massagem que lhe aquecesse a
barriguinha. E alguns mimos no colo da mãe, algo que sempre o fazia relaxar.
No final daquela aventura, Emily e Jonas puderam respirar
aliviados enquanto Vida e Bernardo enfim adormeciam. Nesse momento o relógio já
marcava 11h40min e a ideia de jantar macarrona não agradava nenhum deles.
- Lá se foi o nosso jantar italiano “la mia bella ragazza”.
– Jonas disse em tom de brincadeira quando eles fecharam a porta do quarto das
crianças.
- Quem nos disse que seria fácil? – Emily respondeu.
- Cansa. Mas é delicioso. E eu não me arrependo por
nenhum minuto. Agora vamos pra cozinha, improvisar algum jantar mais leve.
Amanhã eu retomo a ideia do macarrão.
Daquela noite em diante Emily não mais aceitou ficar na cama. Com
passos lentos, porém firmes, ela retomou a vida normal. Mais uma semana e ela
já estava levando os filhos a pracinha para tomar sol. Ninguém a segurava. E
logo Milena foi para casa. Não havia sentido nela permanecer ali quando Emily
não queria ajuda. Jonas, no entanto, entendia a esposa e até acreditava que ela
havia suportado muito de repouso. Sua Emily é uma mulher ativa demais para
ficar parada. Seu corpo sofria na inércia muito mais que na exaustão. Mais
alguns dias se passaram e Jonas surpreendeu-se ao ver Emily se trocando logo
pela manhã e maquiando o rosto. Ela queria ir para o restaurante.
- Não vou trabalhar. Só passear, prometo. Não briga
comigo! – Ela disse batendo as pestanas.
- Está bem.
- O que? Você me ouviu? Eu disse que vou no restaurante.
– Ele não ia reclamar?
- Eu ouvi. Tudo bem. Vida e Bernardo vão curtir o
passeio. Vamos todos passear. – Ele disse e a beijou. A paz parecia bem mais
atrativa que as brigas.
Nem para todos essa máxima era verdadeira. Havia aqueles
que preferiam se agarrar às escolhas feitas, à palavra dada e às mágoas do
passado ao invés de escolher a felicidade. Mesmo quando ela parecia bater à
porta. Nesse caso, a porta pela qual a felicidade tentava passar ficava
localizada numa casa confortável, num bairro de classe média da capital do
Paraná. O lar dos pais de Jéssica seguia abalado pela briga de anos atrás. E
por mais razões que seus moradores tivessem para viver em paz, não conseguiam
porque Henrique continuava agarrado ao passado e afastando sua filha e neta.
Algo que por muito tempo Laura concordou. Mas agora estava decidida a por fim.
Nas semanas que seguiram ao aniversário de Clara, Laura começou
a dar um tratamento de choque para Henrique. Logo que chegou em casa, ela
espalhou fotos de Clara por porta-retratos, em muitas imagens Jéssica aparecia.
No primeiro dia Henrique lhe repreendeu, virou as fotos sobre os móveis e disse
não estar interessado em ver a menina.
- Menina não! Sua neta! Clara! Linda, inteligente e
esperta. Bem mais do que um velho rabugento merece! – Laura lhe disse
recolocando todas as fotos em seus lugares.
Com o tempo Henrique parou de reclamar das fotos. Até
porque o sorriso convidativo na pequena parecia tão doce. E a consciência de
Henrique reconhecia que de nada podia culpar aquela menina. Seu único pecado
era lembrá-lo de Jéssica. Clara tinha os mesmos olhos e cabelos da mãe, a linha
do sorriso farto também o lembrava muito de Jéssica. Porém, aquela lembrança
ainda lhe era muito dolorosa. Não queria lembrar-se de Jéssica e, por isso,
evitava olhar para Clara. Isso não significava que Laura fosse lhe permitir
fechar os olhos.
Numa tarde quando Henrique chegou em casa pegou-a no
computador. Perguntou o que lhe prendeu a atenção até aquele horário no monitor
e ela não hesitou em lhe mostrar um vídeo enviado por Jéssica. Nele Clara fazia
alguns passos um tanto inseguros em uma aula de balé.
- Ela começou a dançar agora. Está tímida ainda, mas
linda. – Laura disse enquanto o marido olhava o vídeo sem piscar. – Lembra
quando Jéssica dançava? Tão lindas, tão iguais.
Por algum tempo Henrique apenas olhou para Clara sem nada
dizer. Quando o vídeo acabou ele encarou a esposa. Havia sofrimento em seus
olhos. Dor. Laura viu os sentimentos transbordando e considerava que só assim
ele veria o óbvio.
- Porque faz isso comigo? Sim, elas são iguais. E é por
isso que não quero ver Clara. Por favor, respeite a minha decisão. – E essa foi
a última manifestação de Henrique sobre a neta.
Mas algumas vezes Laura o pegou olhando discretamente
para um ou outro porta-retrato. E nesses momentos o coração da mãe e avó batia
mais forte no peito, inflado pela esperança.
De alguma forma Clara entrou na vida de Henrique, mesmo
sem nunca ter estado lá. E por mais que ele se escondesse no trabalho e por vezes
fugisse da própria casa apenas para não vê-la, Clara já estava muito presente
em sua vida. Na neta estava a filha. Era como se Jéssica estivesse ao seu lado
o tempo todo, colocando sal na antiga ferida e reavivando a dor.
Algumas notícias pioram tudo. E uma delas veio pelo
correio. O convite de casamento de Jéssica. Ela e noivo trocariam alianças numa
fazenda localizada no interior do Rio Grande do Sul. Henrique não sabia nada
sobre aquele homem. Nada além de que ele representava uma escolha melhor que as
do passado.
- É em um mês. – Laura lhe disse como se ele não tivesse
lido a data no bonito convite. – Já vou reservar minha passagem aérea. Posso
fazer o mesmo com a sua?
- Eu obviamente não irei. O convite é para você.
- Você é o pai da noiva.
- Não pretendo discutir esse assunto mais, Laura. – E o
assunto novamente foi abandonado.
Jéssica não contava com o pai em seu casamento. Mantinha
alguns sonhos, mas não esperava tê-los realizados. Na falta de Henrique, ela
convidou vovô Francesco a lhe entregar para Lorenzo durante a cerimônia. Decidido
isso, todo o mais estava bem organizado para o casamento. Pouco fora feito pela
noiva que sempre dizia não saber exatamente o que escolher e deixava algumas
coisas pelo gosto de Lorenzo e outras para Emily resolver. Mas algumas foram
escolhidas por ela, com todo o cuidado e dedicação. Uma delas foi o vestido,
feito especialmente para ela, deixando bastante folga para a barriga crescer. A
outra as flores. Jéssica esqueceu das rosas e pediu muitas flores do campo para
perfumar seu casamento.
- Tudo o que ela quiser, da forma como ela desejar. – Foi
a resposta de Lorenzo quando Emily lhe perguntou se concordava com aquela
decoração.
A barriga aos poucos foi crescendo e os enjoos
abandonaram Jéssica, como ela previra, logo na entrada do quarto mês da
gestação. Leonor garantiu que Jéssica estava em perfeita saúde, sem excesso de
peso nem sinal de falta de nenhum nutriente. Mãe e bebês estavam perfeitos.
Isso tranquilizou o coração de Lorenzo, que desejava ver Jéssica ganhar peso
numa velocidade muito além do natural.
- Essa barriguinha está muito ‘inha’. – Ele reclamou em
certa noite, quando tomaram banho juntos.
- Já o peito está exagerado. – Jéssica respondeu.
- Não é algo que eu pretenda reclamar, meu amor.
No dia do enlace ela já estaria com quatro meses e meio
de gestação, com os gêmeos bem visíveis numa barriga redondinha e um corpo que
evidenciaria a gestação. Por isso Jéssica escolheu um vestido que marcava os
seios e mantinha-se mais largo na cintura. Apesar das sugestões contrárias de
Emily, Jéssica escolheu uma peça pouco convencional, em cumprimento e cor.
- Acho que o branco não combina. – Explicou. Não havia
tristeza naquela afirmação. Mas sim uma mulher que se sentia segura o bastante
para fazer a sua escolha, mesmo que ela não fosse idêntica a da maioria.
Quem também estava com o traje pronto para o grande dia
era Emily. Um lindo vestido de cor viva e nem tão longo, para realçar a
sandália de salto alto. Tudo escolhido por ela em sua primeira ida ao shopping
após operada. Quando Jonas viu a roupa achou bonita, como tudo o que a esposa
utilizava. Mas a altura do salto não o agradou. Há apenas 60 dias Emily tinha
dado a luz e sofrido uma histerectomia. Para ele, mesmo com Leonor sendo só elogios
quanto a recuperação da paciente, Emily devia se preservar e não exagerar na
vaidade. Era linda de todas as formas, inclusive descalça.
- Querido, sou madrinha! Não posso fazer feio. Além
disso, jamais iria num casamento sem salto alto. Ir no restaurante de sandálias
rasteiras já é sacrifício o bastante. – Emily respondeu simplesmente. – Quando
nós embarcaremos? Quero estar lá para ajudar na organização. Jéssica está
nervosa e Lorenzo ansioso. Precisamos ajudá-los para nada sair errado.
- Calma, Emily. Você não é a noiva, sossegue esse
coração.
- Estou calmíssima!
- Estou vendo. Nós vamos na quinta-feira, é tempo mais
que suficiente antes do casamento, que ocorrerá no fim da tarde de sábado.
- Ótimo. Lorenzo resolveu a questão da lua de mel?
- Ele estava em dúvida. Quer viajar, mas teme por Jéssica estar
grávida. Então ficarão em Gramado alguns dias. É perto o bastante de Bento para
ele ficar tranquilo e tem belezas fantásticas, naturais e estruturais, além de
uma culinária fabulosa. Clara ficará na vinícola conosco.
- Ótimo. Só tenho uma dúvida. – Emily fez uma expressão
dura para o marido.
- Qual?
- Porque eu ainda não conheço Gramado, se é tão linda
assim?
- Por que...não sei. Mas prometo mudar isso logo.
Na quinta-feira logo após ao meio dia Jonas e Emily
desembarcaram em Porto
Alegre com Vida, Bernardo e muita malas. Viajar a dois era
bem mais simples que com bebês, e muito menos cansativo. Porém, quando a
família os recebeu cheia de sorrisos, eles confirmaram as escolhas certas que
fizeram. No colo de Giovanna, a pequena Vida parecia querer conversar enquanto
Bernardo aconchegou-se nos braços de Milena como se estivesse em casa. Emily sorriu
vendo os filhos terem uma família tão amorosa.
- Que bom que vocês vieram cedo. Lorenzo está uma pilha
de nervos, quer que tudo fique perfeito, mas insiste que Jéssica repouse a
maior parte do dia. – Giovanna contou entre alguns sorrisos. – Mas estão tão
lindos e felizes. Eu nunca vi tantos sorrisos no rosto de meu filho.
- Fique tranquila sogra. Nós vamos ajudar no que for
preciso. Os convidados chegam a partir de amanhã. E no sábado Jéssica será a
mais bela noiva que Lorenzo já viu. E terá uma dama de honra fofa demais. Clara
está ansiosa?
- Muito. – Foi Milena a responder. – Quer usar o vestido
antes de sábado!
- Princesa! Mas o sábado já está logo ali. Quando ela
menos esperar a casa estará cheia de convidados.
No dia seguinte, uma sexta-feira ensolarada, foi a vez de
Laura arrumar as malas e rumar a Porto Alegre, para depois seguir as orientações
da filha e chegar na Vinícola Vicentin. Antes de o táxi buzinar na frente de
sua casa ela chamou o marido para lhe dar alguns avisos. Pela cara amarrada que
Henrique demonstrava, ele lembrava-se muito bem qual o evento acontecia naquele
final de semana.
As orientações de Laura iam muito além de onde havia
comida pré-pronta e quais camisas ficaram passadas no guarda-roupa, como ela
fazia sempre que saía sem o marido. Dessa vez ela deixou um traje completo
preparado. Além das passagens e uma série de indicações.
- Você tem um assento no voo de sábado pela manhã. Tempo
mais do que suficiente para alugar um carro no aeroporto de Porto Alegre antes
do meio dia e subir a Serra para ver sua filha se casar. – Ela disse antes de
pegar sua mala.
- Eu não pedi para você comprar essa passagem.
- É. Mas eu comprei mesmo assim. Se não quiser embarcar,
ótimo, fique aqui sozinho. Mas saiba que outro homem estará guiando a sua filha
até o altar e entregando-a ao marido. É algo único, direito do pai. E você
estará abrindo mão. – Laura afirmou antes de bater a porta da rua. Bem lá no
fundo ela esperava que ele fosse atrás e não a deixa-se seguir sozinha.
Resolve-se que se lugar era no RS aquele final de semana.
Mas não foi assim. O táxi seguiu pela rua em direção ao
aeroporto e Henrique não impediu. Ficou sentado no silêncio da sala de casa,
vazia e um tanto melancólica. Em cada porta-retrato parecia que Clara o
encarava e num riso infantil debochava do fato dele estar sozinho enquanto uma
festa acontecia.
- Que outro leve Jéssica ao altar. É o melhor. – Repetiu
a si mesmo naquela noite enquanto descongelada o jantar.
Henrique preparou uma dose de bebida, mas não bebeu
nenhum gole. Tentou ver televisão ou ler um livro e nada conseguiu prender sua
atenção. Tentou até mesmo organizar os itens que enchiam uma gaveta na cozinha
e nem isso foi capaz de fazer os ponteiros do relógio caminharem mais rápido.
Então após um banho rápido ele foi dormir, tentando fugir dos pensamentos.
Estava prestes a descobrir que não seria tão simples assim.
Depois de se revirar na cama de um lado para o outro,
Henrique enfim caiu em sono profundo. Mas então uma menina, de cabelos tão
finos como fios de seda, louros e longos veio perturbar-lhe o sono. Ele não
sabia reconhecê-la, mas percebia tratar-se de alguém muito importante para seu
coração. Foi ela se aproximar que seu coração acelerou num galope que não
arrefecia. Ela corria a sua volta num parque com tantas árvores que quase não
se via o céu. E parecia sozinha. Até que parou e sentou ao seu lado.
- Onde estão seus pais, criança? – Ele foi obrigado a
perguntar.
- Não estão aqui.
- E você veio sozinha, pequenina? Não pode. O mundo é
muito perigoso para uma menininha tão linda andar sozinha por aí.
- É porque eu vim ver você. Vim perguntar por que não me
ama. – Ela disse diretamente, sem evitar fugir o olhar. Aquela jovem tinha
força.
Por um instante Henrique pensou olhar para Jéssica.
Depois percebeu ser Clara, sua netinha que jamais tinha estado à sua frente. E
ela estava triste. Sentia sua falta. Como ele sangrou em saudade por todos
esses anos em que Jéssica
esteve distante. As lágrimas correram pela face de Henrique. A vida lhe fora
muito injusta dando uma filha e depois tomando-a, lhe mostrando uma neta e não
oferecendo a capacidade de perdoar e permitir-se conviver com ela. Com as
próprias lágrimas amargas Henrique estava habituado a lidar. Mas quando as viu
correr pelo rosto da neta ele não aguentou.
- Não chore, Clara. Por favor. Vovô não aguenta ver você
chorar.
- Então porque nunca vem me ver? Não me ama? Não ama a
mamãe? A mamãe é boazinha.
- E onde a mamãe está Clara? Ela veio com você? – Seu
coração acelerou ainda mais, na esperança de Jéssica aparecer.
- Não. Mas ela tá chorando também. Porque você não ama
ela. Vai vovô, faz a mamãe parar de chorar. Diz que ama ela. Diz! Ama ela! Diz!
– Clara lhe acariciou o rosto ainda repetindo essa frase.
Como um milagre Henrique acordou sentindo o rosto úmido
pelas lágrimas, porém ainda quente pelo afago de Clara. Não importava que era
só um sonho. Sentia como se Clara tivesse vindo lhe visitar, lembrar que a
mamãe estava triste, chorando, por acreditar não ser amada. Acabar com as
lágrimas de todos eles estava em suas mãos.
- Eu a amo. Sempre irei amar. É minha filha. – Aquela
certeza havia cavado espaço no fundo de seu peito e agora já não conseguia
ficar escondida lá.
Henrique conferiu o relógio e percebeu ainda estar longe
de amanhecer; Não importava. Ele foi se trocar. Precisava pegar um avião e
chegar em Bento Gonçalves
a tempo de conhecer Clara e entregar sua filha ao noivo. Não sabia quem estava
preparado para fazer isso em sua falta, mas o posto era um direito seu. E ele
pretendia exigi-lo. O sol ainda nascia quando Henrique seguiu pelas ruas de
Curitiba rumo ao aeroporto, rumo a Porto Alegre, rumo ao fim de um período
longo demais de dor, mágoa e afastamento.
Nenhum comentário:
Postar um comentário