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Texas – EUA
Javier
encarava a filha com tranquilidade. Ela tinha meios para ajudá-lo a viver por
tempo indeterminado. E sabia de tudo.
-
Sabe que eu tenho uma imagem a preservar. Não posso me arriscar por você. Hoje
conseguir vir discretamente aqui. Mas não pense que virei sempre.
-
Você só é o que é, Gabriela, porque eu paguei seus estudos e te ajudei a vida
toda. Então você vai sim ajudar ao seu papaizinho. E se trouxe dinheiro e
mantimentos, não precisará vir nos próximos dias. Eu mando notícias quando me
instalar melhor.
-
Para onde pretende ir?
-
Ainda não sei. Tudo dependerá de como a investigação irá evoluir no Brasil. A
essa hora, a polícia daqui deve estar me procurando e cercando a sua casa.
Fique atenta. Se Miguel for condenado, o cerco diminuirá contra mim. É assim,
querida filha, quando encontram um culpado, esquecem de puxar os outros fios.
-
É claro, papai. – O telefone de Gabriela tocou e ela desistiu de ignorar quando
viu a chamada internacional. – Alô! Miguel, querido! Há quantos anos não recebo
uma ligação sua. Lembrou dessa prima distante?
Sorrindo,
Javier observou a filha mentir calma e confiante para Miguel. Eles nunca
conviveram. Gabriela nasceu no Brasil, mas foi levada para os EUA pela mãe aos
16 anos. Ela terminou os estudos nos EUA e logo assumiu postos importantes no
tribunal de justiça. Sua imagem ilibada lhe permitia ter acesso a informações uteis
ao esquema. Ela ajudou e lucrou por muito tempo com a ida de mulheres para
locais de prostituição. Gabriela Alencastro era esperta. Miguel não perceberia
que ela estava mentindo.
- Sim,
Miguel. Eu compreendo sua preocupação. A polícia já entrou em contato e até
revistaram minha casa. Mas não sei de papai. Ele não entra em contato comigo há
meses. E eu jamais o ajudaria a fugir da polícia.
Javier
não ouvia Miguel responder e quase era capaz de acreditar na veracidade das
palavras de Gabriela.
-
Eu ainda não acredito que ele tenha feito isso. Mas se papai fraudou a BTez,
empresa para a qual sempre trabalhou, eu fico extremamente decepcionada. E lhe
garanto que ele não terá meu apoio, Miguel.
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A tarde de trabalho de
Elizabeth foi morna até ela receber uma encomenda nada discreta. Um boque de
flores foi entregue em sua sala. Ninguém ousou ler o cartão endereçado a ela,
mas os cochichos não pararam mais. As colegas queriam saber quem tentava ganhar
o coração da investigadora e os policiais estranharam a ousadia. Elizabeth era
conhecida pela forma dura com que tratava os homens. Tom foi único a notar
instantaneamente quem era o remetente da encomenda.
- Vão todos trabalhar e
deixem Elizabeth em paz! Ela também tem mais o que fazer.
Antes, porém, ela leu o
cartão que dizia simplesmente: com toda a delicadeza que você merece. Não
resistiu e pegou o celular. Miguel não podia ficar lhe enviando flores. Mesmo
sem assinatura, alguém podia desconfiar.
- Gostou do meu
presente, Liz? – Ele já atendeu provocando.
- Não faça isso! Já
pedi para manter-se afastado até a investigação terminar. Não entendeu?
- Entendi, mas não
obedeço suas ordens. Entendeu?
- Pode me criar
problemas! Não quero que envie flores!
- Sinto muito, mas vou
enviar sempre que estiver com vontade. – Sua risada a fez sorrir também. Apesar
da raiva. – Acho que você precisa se acostumar a ser tratada como uma dama,
Liz. É assim que eu trato as minhas namoradas. Acostume-se.
- Eee...eu não quis
dizer que não gostei....só não aqui.
- Está bem. As próximas
eu mandarei para sua casa. Por falar nisso, quero te ver hoje a noite. Minha
casa, sua ou nos encontramos em um hotel?
- Hoje não Miguel.
Tenho que trabalhar numas coisas. Amanhã nós ficamos juntos.
Apesar
das reclamações de Miguel, Elizabeth realmente não podia vê-lo naquela noite.
Tinha inquéritos para analisar, além do relatório da polícia americana quanto a
Gabriela Alencastro. Ficaria no prédio da polícia federal até muito tarde. Sua
equipe estava avisada para sair após cumprirem suas tarefas e não
interrompê-la. Desvendar um crime era como visualizar os passos do criminoso e,
numa ordem cronológica, ver todos seus passos e assim poder antecipar a próxima
ação. Isso exigia silêncio e dedicação. Após o expediente, Elizabeth pretendia
analisar a vida de Javier e de Gabriela e tentar antecipar o próximo passo do
fugitivo.
Enquanto
isso, cumprindo sua promessa à amiga, o advogado Matt foi ao presídio conversar
com sua mais nova cliente. Aquela não era uma área do direito que o agradava.
Normalmente atuava com direito de família, em casos de divórcio ou guarda de
filhos, às vezes com de violência doméstica ou abuso contra menores. Também
representava empresas em casos de roubo patentes e espionagem empresarial. E
esses casos lhe rendiam muito dinheiro.
Hoje já
podia se dizer um homem rico, levando em consideração ter sido criado em um
abrigo do governo e estudado em escolas públicas toda a vida. Podia sentir-se
um vitorioso. Razão pela qual, nunca negava-se a ajudar amigos daquele tempo.
Elizabeth era uma delas. Ali estava ele, recebendo o caso de Patrícia Silva.
Uma prostituta de 19 anos, presa ao entrar no Brasil contrabandeando drogas no
próprio corpo. Eles tinham duas alternativas de estratégia de defesa. Ela dizia
ser inocente e afirmava ser obrigada a trazer as capsulas estômago ou
confessava culpa e tentavam um acordo no qual ela reduziria a pena entregando
os comparsas.
De qualquer
forma, seria mais uma jovem com a vida marcada pelo crime por preferir as ruas
quando deveria estar estudando. Para Matheus isso era questão de caráter. Ele,
Liz, Beatriz e tantos outros também não tiveram a melhor das infâncias e nem
por isso acabaram no crime. Patrícia e as outras presas dessa forma não eram
vítimas que não tiveram escolha. Elas também tinham responsabilidade no que
fizeram e por mais que a defendesse a pedido de Liz, não pretendia protegê-la
de tudo. A única chance de Patrícia era que alguém fosse duro o bastante com
ela e lhe colocasse juízo na cabeça. Só assim sairia da cadeia buscando uma
vida honesta. Só não contava com a aparência de menina frágil dela. Agora
entendia porque Elizabeth sentiu vontade de ajudá-la.
Ela
olhou-o desconfiada assim que chegou. Sem usar o tradicional uniforme dos
advogados por odiar gravata, Matt realmente não parecia um defensor legal. Mas
era e estava disposto a ajudá-la. E ajudá-la, na visão dele, não era lhe passar
a mão na cabeça e tratá-la como inocente.
-
Imagino que tenham lhe avisado da minha visita, patrícia. Vou tentar defender
você da encrenca em que se meteu. Meu nome é Matheus Albuquerque da Costa.
-
É, aquela moça da polícia disse que você viria. Vai me tirar daqui, Matheus?
Você é muito novo pra eu te chamar de ‘senhor advogado’.
- Tenho
31 anos, Patrícia. Mais de uma década sobre você. – Olhá-la lhe trazia uma
tristeza profunda. – Vamos ver como eu posso te ajudar.
-
Podia começar me trazendo uma carteira de cigarros. Estou necessitada.
Aquela
postura irritou Matt. Ela estava presa por trazer drogas para outro país e
perdia o tempo com seu advogado para pedir cigarros.
-
Não Patrícia, eu não vou lhe trazer cigarros. E eu acho bom você se preocupar
em me ajudar a tirá-la daqui. Agora, comece me dizendo para quem trabalhava na
Grécia, como foi para lá, o que fazia e por que. E eu já te aviso que meu tempo
custa caro. Minta pra mim e lhe dou as costas. Entendeu?
-
Você não tá a fim de me ajudar...acha que eu mereço ficar aqui. Bem típico de
um advogado com nome de família boa...você não sabe o que é ficar sozinho na
rua Sr. Albuquerque da Costa. – Ela debochou.
-
Não que lhe interesse, mas eu sei sim, Patrícia. Só que eu não escolhi cometer
crimes por isso. Agora fale da sua vida. Porque não sou eu quem está preso.
Agora! Segundo a sua documentação, você vivia Grécia, mas o voo no qual foi
presa, veio da Rússia. Por quê?
-
Eu vivi na Grécia por alguns anos, fazia programas na rua ou em casas
noturnas...eu não queria mais e...
-
Alguns anos? Você tem 19. – Era jovem demais.
-
Fui pra lá com 16 anos...mas já fazia programas no Rio de Janeiro desde os 15
anos. Eu fugi de casa.
- Por
quê?
-
Meu padrasto...ele não era legal. Eu vim de Minas Gerais para o Rio achando que
conseguiria me virar e acabei na rua. Com 16 eu embarquei para a Grécia com
documentos falsos. Eu sabia o que ia fazer lá...só não sabia que ia ficar refém
deles. A língua deles é muito difícil...tinha medo de morrer gritando e ninguém
perceber que eu gritava por socorro.
-
Onde a Rússia entrou nisso?
-
Só para despistar a polícia. Eu vivi na Grécia por esses anos, trabalhando nas
ruas...até que um homem me comprou.
-
Comprou? – Matt estava enojado. – E levou você para onde?
- Comprou
dos homens que me levaram para lá e levou para um apartamento dele em
Atenas...era uma prostituta exclusiva dele. Pra ele fazer o que quisesse sabe?
Esses caras têm gostos excêntricos, sabe?
-
Não sei. Mas prefiro não saber os detalhes. E aí? O seu comprador tem nome?
-
Nikolay. É Russo e mantém um esquema de contrabando de êxtase da Europa para a
América Latina. Mas ele nunca me levava para a Rússia e não costumava me usar
nisso...só na cama mesmo. Daí aconteceu uma coisa e eu passei a irritar ele.
-
Que coisa foi essa?
-
Não te interessa!
-
Pode baixar a bola e começar a falar garotinha! Você não está em situação de se
negar a falar. Quero detalhes desse homem.
-
Eu não tenho detalhes para te dar! Eu só tinha de abrir as pernas quando ele
tava com vontade! E quando nem pra isso eu servia, resolveu me colocar nesse
esquema. Eu embarquei para a Rússia e engoli as capsulas no aeroporto de lá,
depois de já ter passado pela alfândega. Só me pegaram porque cheguei aqui
passando mal. Podia ter morrido.
-
Devia ter pensado nisso antes de engolir a droga! Porque não se negou?
-
Porque eu tinha medo de acabar na rua novamente. Mesmo que Nikolay
fosse...exigente e as vezes violento ainda era melhor que a rua. Ele não me
deixava passar fome nem me emprestava pra outros homens. Ele era bom pra mim...
-
Bom? – Matt espantava-se no quanto ela se desvalorizava. E expressava-se bem,
com clareza. Não era uma ignorante. – Um homem que compra uma menor de idade
não me parece ‘bom’. Você o ama?
-
Não. Amor não é pra garotas como eu...que já passaram pelas mãos de tantos
caras. Eu nem lembro com quantos já transei. E se um dia sair da cadeia, vou
acabar na rua. Sei que vou.
-
Você estudou até que série, Patrícia? Pode concluir os estudos. – Ele sentia
pena dela.
-
Estava no primeiro ano do ensino médio quando fugi de casa.
-
Quer que contate sua mãe? Procure-a em Minas Gerais?
-
Não. Só quero que me tire daqui. Pode fazer isso? – Ela o olhava de uma forma
tão esperançosa que dificilmente conseguiria negar-lhe algo.
-
Eu vou tentar. Você foi obrigada a trazer essas drogas e é, claramente, vítima
de uma quadrilha desde a adolescência. Não posso dizer para o juiz que você não
fez algo que está provado, mas posso lhe explicar as razões que te levaram a
isso e, aliado a um depoimento onde você ajuda a investigação dessa quadrilha e
a esse Nikolay, tentar uma sentença ao seu favor. Você tem chance de sair daqui
e eu vou me esforçar.
-
Obrigada. E o que eu faço enquanto isso?
-
Planos, Patrícia. Faça planos para ter uma vida melhor.
Elizabeth
só interrompeu sua pesquisa e leitura dos inquéritos para atender a ligação de
Matheus. Não surpreendeu-se ao ouvi-lo emocionado com a história de Patrícia.
Matt podia até tentar bancar o advogado frio, mas não era. Ele faria o possível
para tirar aquela menina da cadeia e, mais do que isso, colocá-la num caminho
melhor.
Essa,
infelizmente, foi a única boa notícia da noite. Apesar da análise detalhada,
Elizabeth não descobriu nenhuma pista que levasse até Javier ou que indicasse
um comportamento duvidoso de Gabriela Alencastro. Por mais que não confiasse
nela cegamente, até o momento Gabriela era inocente sobre o olhar da lei. O que
não a impediria de continuar mantendo-a sobre a vigilância da polícia
americana.
Já
era tarde quando deixou a polícia. Foi ao subsolo do prédio carregando alguns
processos e tentando encontrar a chave do carro no fundo da bolsa.
Surpreendeu-se ao ver um homem alto e bonito encostado em seu carro. Miguel não
tinha jeito mesmo.
-
Eu disse que essa noite iria trabalhar até tarde, Miguel. Já passa das 23hs e
amanhã cedo tenho de estar de volta aqui.
-
É. Passa das 23hs e eu fiquei aqui criando raízes só pra ganhar um beijo quando
você saísse. Me beija. Vem aqui. Vem.
Depois
de um dia exaustivo resistir àqueles lábios era quase impossível. Elizabeth
deixou-se levar e permitiu-se alguns instantes em seus braços. Mas não passou
disso. Logo se recompôs e mandou-o embora.
-
Boa noite, Miguel. – Disse dispensando-o. – Eu lhe disse que hoje era
impossível. Amanhã nós ficaremos juntos.
-
Já é quase amanhã, Elizabeth. A gente pode esperar até a meia noite e...ficar
juntos. Eu quero passar todas as noites com você. Não apenas algumas.
Era
tentador. Mas a resposta de Elizabeth não mudou.
-
Quando eu encerrar o caso. Antes seria loucura. Agora você vai para sua casa,
Miguel. Eu vou para minha e amanhã a noite você vai me levar par um hotel e nós
vamos fazer amor pela madrugada toda. Está bem assim?
Não
estava bem. Miguel não estava acostumado a ser despachado por mulher alguma.
Talvez fosse justamente isso a atraí-lo até Elizabeth. Ela tratava-o como
nenhuma outra. Mesmo assim, a raiva era tão grande quanto o desejo frustrado.
Ele entrou em seu carro e saiu sem se despedir.