Dona
Anitta recebeu seu visitante com olhos doces. Diego sempre lhe orientou a não
permitir a entrada de estranhos. Mas, como ele estava fora já há vários meses,
vivendo no Brasil junto de Ariella, os cuidados com a segurança vinham aos
poucos sendo flexibilizados. Ela sempre dizia à portaria que deixasse os visitantes
ou entregadores passarem, mesmo que não estivesse esperando ninguém, nem se
lembrasse de conhecer alguém com o nome apresentado na entrada. Esse fora o
caso.
O
belo homem que a olhava deveria ter por volta dos 30 anos. Tinha belos cabelos
castanhos e usava a barba serrada, como se tivesse esquecido de se barbear por
dois ou três dias. Alto e longilíneo, era do tipo de homem que atraía olhares
por onde passava. E ela, apesar da idade, teria se lembrado, caso já o tivesse
visto em outra oportunidade.
-
Eu não conheço você. – Afirmou e, por algum motivo, sentiu um arrepio descer
por sua espinha.
-
Mas não vai se importar que eu entre, não é? Afinal...podemos nos conhecer. –
Sorrindo, o homem afirmou. Charme ele tinha, inegavelmente. – Posso?
Naquele
instante, os inúmeros avisos de Diego vieram à mente de sua avó. Naqueles belos
olhos havia malícia. Aquele sorriso mais escondia que mostrava. E com toda a
força da qual dispunha, ela forçou a porta a se fechar. Ela seguiu pelo batente
até que o homem a freou com o pé, já sem o falso sorriso.
-
Fica quietinha vovó. Não grita. – Quando o homem mostrou a arma que trazia
presa à cintura, Anita pensou não haver nada mais a fazer.
A
menos que a segurança da casa, que estava lá na portaria houvesse desconfiado
de algo, ela estaria perdida. Seria fácil sair dali levando o que quisesse
tendo ela como refém. Porém, um assalto estava longe de ser seu principal
temor.
-
O que quer? Leve o que desejar da casa. Só não me machuque.
-
Não quero nada da sua casa, dona. Nós vamos sair agora, dar um passeio e você
vai ficar caladinha, tá bem?
O
plano era apenas dar um susto em Diego Bueno. Tudo combinado com Afonso Amaral.
Ele nada precisaria fazer àquela simpática e frágil velhinha. Iriam sair, dar
uma volta de carro pela cidade, ficar algumas horas fora. O suficiente para
assustar os empregados e fazê-los alertar Diego do sumiço da avó. Assim, ele
entenderia o recado e pararia de mexer em coisas do passado. Se a ameaça
alcançasse Ariella, melhor ainda. Afinal, Afonso tinha certeza que a filha não
hesitaria em lhe dar qualquer quantia em dinheiro para manter a família do
marido em segurança e ele sobre controle.
-
A instabilidade de Diego Bueno é a minha principal arma. Minha filha faria
qualquer coisa para mantê-lo bem e sabe que ele me odeia muito mais do que a
ama. – Afonso tinha lhe dito, quando combinaram o serviço.
Aquele
era como o primeiro passo da última cartada de Afonso. Não era segredo entre
seus antigos parceiros que ele estava falido, com poucas armas ao seu favor e
em descrédito com a lei e, também, junto aos ilegais. Se não conseguisse
dinheiro logo e em grande quantidade, seria preferível ser preso para não morto
por seus antigos parceiros. Por isso o desespero de fazer algo, no pouco tempo
que lhe restava.
Algo
realmente arriscado, afinal, Anita poderia conseguir sair daquela situação
identificando seu suposto sequestrador, que tivera a ousadia de invadir sua
casa pela porta da frente. Porém, a idosa pouco saía de casa e eles não tinham
mais muito tempo de sobra. Arriscaram. E ele estava muito perto de descobrir
que tinham ido longe demais.
Apesar
dos apelos de dona Anita para que a segurança fosse menos rígida do que seu
neto gostava de impor, eles mantinham muita atenção a quem entrava, saía ou
rondava aquela casa. Diego exigia receber relatórios diários e, após sua
internação hospitalar, tudo só fez ficar mais rigoroso. Aquele desconhecido
visitante entrou, afinal esse era o desejo da moradora, mas não sem ser
observado passo a passo. E antes mesmo dele se aproximar da porta principal da
casa, a segurança informou outra pessoa que lá estava de que deveria ficar
atenta.
Essa
era Olívia. Após tantos anos zelando pelo lar dos Bueno, Olívia e Ítalo
aprenderam que naquela família era importante estar sempre um passo a frente.
Eles precisavam de apoio e sempre precisariam. Mesmo agora, quando enfim Diego
e Ariella haviam encontrado a felicidade no Brasil, o passado parecia sempre
tentar puxá-los de volta ao tempo de solidão, brigas, vingança e revolta.
Há
poucos minutos ela estava ao telefone com o filho. Murilo lhe disse estar bem,
confessou que teve problemas no casamento com Dulce, mas que, aos poucos, se
acostumavam às mudanças da vida, necessárias frente ao que aconteceu com todos
em função do incidente com Diego. O que ainda mantinha seu filho apreensivo
eram as conversas com Diego. O amigo, patrão e agora sócio mostrava-se convicto
de que fora Afonso o responsável pela tentativa de sequestro que Ariella sofreu
e por lhe dar aquele tiro, que o manteve hospitalizado por meses.
- E você acha que ele está certo, meu filho? Diego sempre
foi muito paranoico com o que se refere a Afonso Amaral. E tem motivos para
isso. Ele sofreu muito na infância. – Ela tentou argumentar ao filho.
- Eu não sei, mãe. Dulce acha que não passa de exageros
dele, que Diego fez tanto mal a Ariella no passado que agora, ainda mais com
ela esperando seu herdeiro, a trata como se fosse de açúcar. Mas...eu não sei.
Tudo o que ele diz tem lógica. Quem invadiu a casa de Ariella o fez após
preparar o plano muito bem...mas na hora H a presença dele estragou tudo. Não
consigo imaginar que aquilo foi apenas um assalto.
- Mas um pai disposto a ferir a própria filha por
dinheiro...é...é coisa digna de um psicopata.
- E eles existem mãe. Por isso, fique atenta. E cuide da
vovó Anita, ela tem o coração bom demais para ver o mal. – Murilo aconselhou.
O coração de Olívia também é bom, porém, mais calejado de
sofrimento. E a vida ao lado de Ítalo a capacitou para enfrentar o que viesse
pelo caminho. Por isso, quando logo após desligar a ligação do filho ouviu o
interfone tocar teve uma premunição. O aviso de que uma visita estranha chegava
e que precisava ficar atenta lhe calou fundo no peito. Talvez Murilo estivesse
certo e Anita precisasse de muita proteção.
Disse ao segurança que eles deveriam vir até a casa e
retirar o homem, afinal, a ordem de Diego tinha de prevalecer a de Anita no que
se referia a segurança da família. Ainda assim, não ficou tranquila. Ela
caminhou até a sala, mas sentiu que precisava de mais, sozinha pouco faria.
Sempre soube onde Diego guardava sua arma e munição e resolveu fazer uso dela.
Ítalo a tinha ensinado a atirar muitos anos antes. E, mesmo que errasse o tiro,
ao menos poderia assustar aquele invasor.
Ainda se sentindo um pouco ridícula e torcendo para tudo
não passar de paranoia, ela foi até a sala, pé por pé, evitando fazer barulho.
A surpresa era nessas horas uma ótima arma. Ficou ouvindo a estranha conversa
de Anita com o homem e viu suas últimas esperanças se esvaírem quando o homem
deixou o fingimento e foi à aberta ameaça. Quando Anita se calou frente ao
homem armado, porém descrente de enfrentar alguém disposto a revidar, Olívia
adentrou a sala de arma em punho.
- Afaste-se dela, agora. – Ordenou, com voz firme e que
conseguia disfarçar muito bem seu nervosismo.
- Calma tia...nós dois sabemos que você não vai atirar. –
Naquele instante, o homem que veio ali buscando apontar a arma para alguém se viu
na mira de uma mulher, que aparentava tanta força quanto fragilidade.
- Não se engane. Eu atiro sim. E seria encarado como
legítima defesa.
Enquanto dava atenção à mulher e segurava Anita pelo
braço, ele não percebeu a aproximação dos seguranças. Não pretendia atirar
contra a idosa, entrara ali com seu rosto a mostra e tentativa de assassinato
não era uma acusação a qual estava disposto a responder. Tudo se complicara.
Ele percebeu que estava perdido. E quando os seguranças o renderam, ele
entendeu que não poderia levar a culpa sozinho. Ele não era responsável por
nada que ali acontecera e não arcaria com tudo sozinho.
- Eu largo a arma, ok, eu largo. – Disse, serenamente. E
ficou aguardando a polícia.
...
Era
noite no Brasil quando Diego ficou sabendo do que ocorrera. Na beira da praia, sob
um luar claro e maré tranquila, ele repousava junto de Ariella. Estavam ali há
pouco mais de uma hora, molhavam os pés, caminhavam próximo da rebentação e de
vez em quando paravam apenas para trocar algumas carícias. Diego estava
adorando aquele momento da gravidez, em que a barriga de Ariella ainda não
estava grande o bastante para pesar e causar desconfortos, mas já estava ali,
embelezando sua mulher.
-
Eu te amo, muito, mais do que um dia serei capaz de te explicar. – Ele lhe
disse pouco antes de sentir o telefone vibrar.
Todo
o clima de romance, porém, foi esquecido quando Murilo ligou. Saber que a avó
sofrera uma tentativa de sequestro, por um homem que invadiu a residência e lhe
apontou uma arma, o desesperou. A raiva, que já era grande, alcançou seu ápice
quando o amigo relatou que o delinquente já fora preso e ouvido pelo delegado
responsável pelo caso, na Espanha. E seu depoimento deixava claro que seus
temores eram reais e Afonso Amaral não desistira de ferir sua família.
-
Ele afirma que fora ali apenas para dar um susto em você, que não pretendia
atirar contra dona Anita nem contra ninguém. O fato é que ele citou o nome de
Afonso, o que colabora com a investigação da polícia brasileira. Agora, assim
que a Espanha repassar as informações ao Brasil, Afonso Amaral deve ser preso.
-
É...pode ser. – Diego via tudo sob uma nuvem de ódio. A mesma que tomou conta
de seu corpo durante anos e que o fez cometer tantos erros. Agora, ciente de
tudo o que já ocorrera e de todo o sofrimento que causou, ele tentava se
segurar. Mas não conseguia. – Eu mesmo vou resolver isso.
-
Como? Pare e pense, Diego! A polícia vai resolver isso!
-
Eu...não aguento mais esperar que isso termine. Ele não vai parar de tentar me
destruir e ferir minha família. Ele...ele é um monstro. Eu vou desligar,
Murilo. Cuide de vovó e de sua mãe, por favor. Elas não mereciam passar por
isso.
-
Diego...elas também não merecem ver você fazendo alguma bobagem. Segure seu
ódio, por favor. Você será pai em breve, pense no seu filho.
Ariella
não precisou ouvir o que Murilo dizia para entender o rumo da conversa. Mas ao
observar a postura de Diego mudar, seus músculos enrijecerem e até mesmo o tom
da pele se alterar, foi fácil entender o que se passava. Ariella parecia estar
reencontrando o Diego frio e descontrolado de 10 anos atrás. Certamente tinha a
ver com Afonso e fora algo muito grave a acontecer na Espanha.
-
Diego...se acalme e me diga o que aconteceu. Vamos, fale comigo.
-
Vamos pra casa, Ariella. Já estamos na praia há tempo demais. – Ele ignorou a
fala dela.
-
Não me ignore, Diego. O que aconteceu.
Ele
não desejava tratar Ariella mal, ao contrário, seu desejo era afastar-se dela
para não magoá-la naquele momento de dor. Mas olhar para ela naquele instante
era como reviver todos os dramas do passado e lembrar o que o fez aproximar-se
de Ariella.
-
Eu não estou pedindo, Diego. Estou mandando você dividir comigo o que aconteceu
para te deixar dessa forma. Agora! Ou nós estamos juntos ou não estamos e, se
por acaso a resposta for negativa, eu tenho algumas coisas para acertar nessa
nossa relação.
A
explosão dela fez muito bem a Diego. O fez ver as razões para tudo ser
diferente agora. Ele até poderia ser o mesmo homem o passado, com os mesmos
dramas e temores, mas Ariella era outra, bem mais segura e disposta a lutar
pela relação. Ele então a beijou e abraçou, num silencioso pedido de desculpas.
Para só então falar o que estava em seu coração.
-
Seu pai mandou um comparsa invadir minha casa e sequestrar minha avó. Por sorte
ele foi preso sem conseguir ferir ninguém e delatou Afonso. – Ele enfim
resumiu, ainda tentando manter os sentimentos longe do relato.
-
Meu Deus! – Seu pai só poderia ter enlouquecido.
-
É provável que isso o leve para a cadeia. – Eles já estavam bem próximo da
porta de casa quando Diego falou novamente. – Mas...eu não quero
esperar...eu...Ariella eu preciso que você confie em mim.
-
Para que?
-
Eu...eu não posso ficar aqui esperando o mundo girar ao meu favor. Eu mesmo vou
frear seu pai. Nós precisamos resolver isso, cara a cara. Não a mais... – Diego
disse e então envergonhou-se de fazer isso com a mãe de seu filho. – Me perdoa.
Eu sei que é seu pai...
-
Dane-se o meu pai! – Ariella gritou. – O que importa é você, nosso filho, nós!
Deixe que a polícia resolva isso.
-
Não posso...eu vou pegar o primeiro voo para Argentina. E procurar o seu pai.
-
E fazer o que, Diego? Sair no soco com ele? Trocar tiros? Isso é inaceitável!
Ok, eu sou obrigada a aceitar que meu pai é um maníaco, obcecado por você e nem
um pouco preocupado comigo. E por isso mesmo você precisa ficar longe dele!
Diego
até gostaria de concordar. Mas não havia mais como.
-
Me perdoe, Ariella. Mas eu farei uma mala agora e vou para Argentina. Espero
que você possa me perdoar por isso...
-
E eu? Qual sua sugestão?
-
Espero que você passo me perdoar e...e que fique aqui, em segurança, junto do
meu filho.
Ariella
assistiu Diego subir e ficou pensando no que fazer. Tinha uma carta na manga e
decidia se iria ou não usá-la. Diego não sabia exatamente onde seu pai estava.
Ela sim, tinha boas desconfianças. Talvez fosse ela quem deveria por fim
naquela situação.
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