Quando
Márcia abriu os olhos, viu onde estava, com quem e em quais circunstâncias,
decidiu que a ideia de fingir que tudo era sonho ou delírio teria de ser
abortada. Tentou fechar os olhos o mentir para si mesma. Também foi impossível.
Resolveu que iria esquecer. Mas então deu-se conta que a madrugada for boa
demais para ela abdicar de suas lembranças.
Raul poderia
não ser o homem mais fiel e leal da humanidade, mas, naquela madrugada juntos,
mostrou-se um amante surpreendente. Um homem dedicado a fazer sua parceira
aproveitar a noite, decidido a mapear seu corpo. Ela podia esperar muitas
coisas daquele encontro sexual, mas não o que de fato ocorreu. Sempre definiu
Raul como um homem objetivo, com uma sensualidade que beirava a frieza.
Esperava prazer sim, é claro. Mas era como se acreditasse que passaria a noite
com um especialista, um homem que já tinha dormido com mais mulheres do que
conseguia lembrar. Talvez exatamente por isso, esperava uma fria eficiência.
O Raul que
encontrou, porém, ia além da eficiência. Das 4h da madrugada às 7h da manhã, um
minuto antes do sono pós orgasmo, ele dedicou-se a fazê-la se reconhecer como
mulher novamente. E justo ela, que teve pouquíssimos amantes na vida e que não
se lembrava de uma noite recente de puro prazer, viu-se perdendo o chão e
gritando sem conseguir frear a si mesmo. Assim que chegaram ao quarto, ele
impôs sua sedução. E se ela fosse sincera consigo mesma, reconheceria que
gostava daquela mistura de estilos.
O homem
bruto, que a jogou sobre a cama, despiu-a da camisola simples e a calcinha
branca e abriu-lhe as pernas sem muita demora. Logo depois conheceu um Raul
mais doce, capaz de lhe beijar ao longo das pernas e, ao encontrar sua
intimidade nua, lhe oferecer o mais íntimo e explosivo carinho. Ela viu-se
erguendo os quadris, implorando por mais, pronta para tê-lo completamente e
teria implorado para isso...caso ele não tenha lhe impedido, deixando claro que
aquele era só o começo.
- Mulher gostosa como você não
merece menos do que isso. – Ele provocou-a, num sussurro ao pé do ouvido,
seguido por mordidas fortes que desceram por seu pescoço. – Cachorra. Claro que
você quer mais.
- Quero...quero. Preciso de você
agora. – Ela respondeu
- E vai ter. Fica de quatro. – Raul
respondeu e viu-a desviar o olhar. – Vamos. Agora!
- Não...assim... – Nunca, em anos de
casamento, ofereceu-se ao marido em uma posição em que ficasse tão exposta. Não
se sentia pronta para aquela ousadia. E gritou quando Raul a pegou pela
cintura, virou de bruços e forçou seu quadril a apontar para cima. – Eu não
quero...
- Quer, só não tem coragem de assumir.
– A palma de sua mão explodiu na lateral da coxa dela, gerando um arrepio que
correu por todo seu corpo. A mesma mão apalpou a curva farta do quadril e
explorou a região onde antes a boca esteve. Logo Márcia estava pronta para
gritar novamente. – Gostosa. É prazer que você quer.
- Não sou uma vagabunda. – Ela ainda
lutava contra os próprios desejos.
- Não é mesmo. É uma dama, uma
mulher que está descobrindo a própria sexualidade. – Ele falava enquanto
beijava a linha de sua coluna. – E eu estou bem satisfeito em participar dessa
descoberta.
Foi
impossível para Márcia não se sentir pelo menos um pouco tocada por aquela
demonstração de conhecimento dele ao seu respeito.
- Eu...eu quero você. – Foi a única
resposta que ela conseguiu dar.
- Ótimo. Então esqueça os rótulos.
Dentro desse quarto nós somos um homem e uma mulher que se querem, nada mais.
Ela se permitiu viver aquela
madrugada de prazer. E não se arrependeu. Não porque foi gostoso, até porque o
adjetivo estava muito longe de representar o que foi. Gostou de gritar em seus
braços e gostou ainda mais de repousar abraçada a ele entre um momento e outro
de prazer. Tinha breves momentos de sono e era despertada por uma mão carinhosa
que afagava suas costas e lábios quentes que beijavam seu pescoço. Era
irresistível começar tudo mais uma vez.
Agora, definitivamente desperta, olhava
para o belo espécime masculino semi desmaiado ao seu lado e simplesmente não
sabia como agir. Estava mais relaxada do que conseguia se lembrar na vida, e
igualmente apreensiva. Como poderiam se encarar agora?
- Acorde Raul. – Ela disse assim que
se vestiu. Eram 7h15min e isso significava que Raul não dormira sequer 30
minutos. – Acorde homem. Você tem de sair antes que Joaquim acorde.
- Bom...bom dia pra você também
Márcia. É muito cedo!
- É hora de você chispar da minha
casa. Se quiser tomar banho, que seja rápido. Logo Joaquim acordará.
Ele optou por apenas jogar uma água
no rosto e deixar o banho para o próprio apartamento. O detalhe é que pressa
não tinha. Afinal, eram ambos desimpedidos e a ideia de ser pelo ali não o
assustava.
- Temos que conversar. – Disse à
Márcia, já na porta, pronto para sair.
- Não. – Ela respondeu, direta. –
Agora você tem é que ir embora. Antes que meu filho acorde e veja o que você
fez.
- Eu não fiz sozinho e você bem que
gostou. – A frase era dura, mas a expressão provocadora. – Estava bem
interessada. Ainda mais porque estava com ciúmes de mim. Eu vou embora, mas
vamos conversar sobre o que aconteceu e você não vai se livrar de mim.
- Está bem. Depois falamos, agora
vai embora. Mas antes...quero uma coisa. – E ali, encostado à parede da sala,
ele lhe tomou mais um beijo. Lento, gostoso e de tirar o fôlego. – Você é mais
que uma executiva ou mãe. É uma mulher bonita e com desejos. Na próxima vez
podemos explorar outros...quero você com uma lingerie ousada. Tenha um bom dia.
- Não vai ter próxima vez! – Ela
disse e o viu entrar no elevador ignorando a resposta. Era uma mentira
mesmo...e nem mesmo ela acreditava.
O pior foi ao fechar
a porta e se virar, encontrar Joaquim observando-a com cara de sono, mas
bastante curiosidade.
- O que você faz na rua mamãe...de
camisola? – Ao menos ele aparentava não ter entendido o que acontecera.
- Nada filho...era...era alguém que queria
ir no vizinho e chamou na porta errada.
- Mas ninguém tocou a campainha e eu
ouvi você falando.
- Eu já falei o que era menino. É
feio duvidar da mamãe dessa forma. Vamos! É hora do café da manhã! Vamos antes
que você se atrase para a escola.
Joaquim não acreditou em nada do que
a mãe disse. Em especial porque ouviu a voz de um homem...na verdade juraria
ser a voz de Raul, o advogado de sua mãe. Mas ele nunca vinha ali e, quando
vinha, não era tão cedo pela manhã. Bom, se ela preferiu não falar, deixa
assim. Alguma razão devia ter.
Enquanto Raul tomava banho
sorridente no próprio apartamento e Márcia tomava café com seu filho, no
orfanato, Marta percebia certa inquietação em sua “filha” mais rebelde. A
menina não sabia da oficialização do interesse de adoção por parte de Rafael e
Melissa, mas parecia estar antecipando ou pressentindo as mudanças que vinham
em sua vida. Na noite anterior brigou com duas colegas e tentou sair no abrigo
a noite, o que é proibido. Estava nervosa, ansiosa. Apesar de ver Tális
praticamente todos os dias, sentia falta dos Gomide. Mas não queria reconhecer
isso.
- O que você tem, minha menina? –
Ela sabia a verdade, mas achou melhor deixar que Isabely lhe contasse, quando
julgasse conveniente.
- Não é nada. – A menina disse, num
padrão que a idosa conhecia bem. Marta esperou em silêncio pelo restante da
resposta. Ela veio, um pouco engasgada. Doía assumir algo assim. – Eu...acho
que...que tô com saudade...
- Saudade? De quem?
- De ninguém ora...não é uma
pessoa...
- Não? – Marta sentia vontade de
acarinhar aquela menina tão ferida pela vida e que, apesar de tudo, conseguia
sentir afeto. – Saudade pelo que então?
- Do cachorrinho do Tális...eu dei
comida pra ele. Chama Aladim ele.
- E você está com saudade do Aladim?
– Marta sorria da inocente mentira. – E você gostaria de visitar os Gomide?
Para rever Aladim, é claro. Tenho certeza que Rafael ou Melissa não se
importariam.
A menina olhou-a, calada, sem nada
responder. Ficou tentando encontrar uma resposta que não entregasse o que ela
sentia. Não encontrou.
- Querida. – Marta recomeçou. – Você
não precisa se envergonhar de sentir saudade...de Aladim...ou Tális ou dos pais
dele. Não é errado se afeiçoar aos outros, na verdade é algo lindo.
- Mas eu não quero gostar deles.
- E por que não?
- Eles...vão acabar fazendo como os
outros. – Enfim ela relatou o seu temor. – Eu não quero gostar deles não.
Marta
jamais esperou que fosse fácil. E não fosse Melissa uma mulher muito obstinada
e em quem ela confiava há bastante tempo, jamais teria criado esperança de ver,
um dia, os Gomide dando um lar para Isabely. Com tudo o que aquela menina já
passara, retirada de uma mãe perdida para a droga, quando ainda era muito
menina para se defender, mas crescida o bastante para recordar dos horrores
vividos e, depois, rejeitada por quem pensou em adotá-la, Isa não tinha muitas
razões para saber amar. Dessa vez, porém, estava esperançosa, havia terreno
fértil para o amor crescer naqueles corações, inclusive no de Aladim.
- Você não irá saber o que eles sentem por você se não deixá-los se
aproximar. Antes de Isa oferecer
qualquer desculpa, Marta tomou a frente, - Você não precisa morar com eles. O
próprio Rafael já falou você fica aqui, comigo, que não abro mão da minha
menina, e vai vê-los e vez em quando. O juiz liberará passeios Isa, como um
apadrinhamento afetivo, não adoção. Se um dia você quiser ser filha deles e
eles quiserem ser seus pais, então conversaremos. Poe ser assim?
- E
os outros?
- O
que tem eles? Eu estarei aqui, cuidando deles. E você pode ir e voltar quando
quiser. Aqui é a sua casa. Sempre será. – Marta reiterou.
- Pra
sempre?
-
Eternamente. Não vê Emily? Cresceu aqui, se transformou numa mulhere e voou
para ser feliz como gosta, cozinhando e criando sua família. Mas o Lar está e
braços abertos para ela. E ela vem me visitar sempre que deseja porque eu serei
sempre a sua mãe.
- É,
eu sei. Você se orgulha de Emily. – Havia um pouquinho de tristeza na voz de
Isa.
-
Assim como sinto orgulho pelos seus feitos. E sentirei cada vez mais orgulho.
Você verá. – A idosa incentivou. – Agora, se você concordar, o Senhor Gomide e
sua esposa serão seus padrinhos. O que acha?
- Eu
concordo...mas só irei com eles quando eu quiser. – Decidida, ela impôs. – E não
quando eles quiserem, ok?
-
Como a senhorita preferir, minha menina. – Marta era só sorrisos. Aos poucos,
tudo encontrava seu ritmo.
Assim
que todas as crianças tomassem café e fossem para suas atividades ela iria
acertar a papelada para o juiz e falar com Melissa. Com sorte, no próximo final
de semana Aladim e todos na casa dos Gomide teriam a companhia de Isabely. E
assim todo começariam a se habituar com a presença um do outro. E os laços
daquelas família poderiam começar a se fortalecer.
A manhã já estava na metade quando Nathan chegou no hotel onde Milena e Maria Fernanda passam a noite.
Encontrou uma criança animada e uma mãe cheia de olheiras e preocupações. Uma hora precisariam conversar e definir as
coisas realmente, mas naquele momento preferiu aproveitar da companhia delas.
Nas próximas horas, tudo o que planejava era fingir que eram uma família
perfeita, curtindo um dia de folga.
Começaram
o dia indo a um advogado. Precisavam
consertar a certidão de nascimento de Maria. Poderia deixar qualquer coisa para
depois, menos a inclusão de seu nome na certidão de nascimento da filha. Depois
foram almoçar juntos, no Calderone, para que ele pudesse fazer alguns
encaminhamentos no restaurante quanto elas degustavam a sobremesa. Quando
voltou à mesa delas, Maria estava eufórica e ansiosa, gesticulando coisas que
ele não entendeu, apesar de muito tentar.
-
Como você aprendeu a entender nossa filha? – Ele queria tanto, mas por mais que
se esforça-se ainda era difícil.
-
Mãe entende tudo que a filha fala. Assim como você, mesmo sem saber, já atende
todos os desejos e caprichos dessa pequena. – Milena brincou. Ela tinha de
reconhecer que, apesar de tudo, Nathan estava tentando ser o pai que
conseguisse. E ele estava indo melhor do que ela esperava. - Nada de mimá-la de
mais e fazer todas as vontades dela. Ouvi?
-Pode
deixar. – Ele concordou, um tanto sem pensar.
Logo
que deixaram o restaurante, passaram pelo shopping. O plano era comprar algumas
coisas para Maria, mas ela logo se encantou pelo parquinho infantil e lá ficou.
-
Você não precisa fazer todas as vontades dela, Nathan. – Milena lembrou-o.
-
Não. Mas eu posso fazer algumas. – Ele só queria ver a filha sorrir.
Certos
da segurança da filha, saíram para as compras. Algumas coisas para ela e outras
para o apartamento. Viram a tinha para o quarto da menina, alguns itens de
decoração e também brinquedos. Mas tudo sem exageros, Milena garantiu. Por mais
que eles adiassem, antes de pegar a filha de volta, tinham de esclarecer alguns
assuntos. Haviam dormido juntos e nada resolvido sobre sua vida. Depois,
enfrentado Jonas e Lorenzo num embate que ainda fazia seu maxilar doer. Milena
o havia defendido, mas depois negou-se a ir dormir com ele. Ela o estava
deixando confuso.
-
Você pretende me ajudar a pintar o quarto ou prefere sair com Maria Fernanda? –
Ele perguntou.
-
Você? Pintar um quarto? Tem certeza? É meio diferente de cozinhar. – Milena
tirou sarro.
-
Eu. Tenho certeza que consigo. E será mais fácil e rápido que encontrar um
profissional. Não confia?
-
Confio...e Maria vai adorar participar da brincadeira. Nós vamos juntos então.
-
Ótimo...família unida. – Nathan provocou.
E
então Milena pôs fim à brincadeira.
-
Nathan! Pare. Nós já falamos sobre isso e nossa relação só terá a ligação da
nossa filha. Não existe família, não existe nós, eu e você. Existe uma mãe
solteira e um pai recém chegado que poderá passar algum tempo com a filha.
-
Isso é o que você pensa. – Ele, enfim, respondeu. – Na verdade nem é o que você
pensa. No fundo você sabe que ‘nós’ existimos sim, a noite que passamos junto
foi bem real. E eu farei de tudo para que você perceba que gosto de você, que
ainda te amo. E aí quem sabe você me perdoa pelo que eu fiz e me dá uma chance
de verdade.
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