Havia algo de muito estranho no ar. E
Gabriela pressentia. Estava no ar, nos olhos de Samantha, na postura do homem
que a recepcionou no quarto de hotel. Nunca vira aquele cliente, não era dali,
não falava com sotaque russo, apesar de utilizar o idioma local. Era um
completo estranho. O que não chegava a ser uma surpresa naquela área de atuação.
Homens surgem e desaparecem após
conseguirem o que desejam. Mas, aquele ali, aquele belo homem, em especial,
parecia querer bem mais do que uma tarde de sexo. Talvez fosse justamente a
beleza dele a desconcerta-la. Samantha não costumava lhe enviar para atender
nenhum cliente como aquele, bonito, bem cuidado e dono de um sorriso sedutor.
Aquele homem não precisa comprar por sexo, nem queria a companhia de uma mulher
para ouvi-lo e passar o tempo.
- Qual seu nome? – Ela tentou
aproximar-se, sentindo um arrepio na espinha.
- Informação desnecessária. – Ele
respondeu, incomodado, mas mantendo o tom agradável. – Porque não começa
tirando a roupa.
- Pedido de cliente é ordem. – Ela
lhe respondeu, decidida a por fim ao encontro o mais rápido possível.
Lançou mão de todos os seus
atributos para enlouquecê-lo e satisfazê-lo o mais breve que conseguiu. O
indivíduo, sem nome e misterioso, teve o seu melhor na cama e não a
decepcionou. Havia algo de muito agradável em ser tocada intimamente por alguém
a quem teme. Caso pudesse, adoraria tê-lo como parceiro mais vezes.
- Bem que me disseram que eu ia
curtir a noite? – Ao vestir a camisa. Um sinal de que o tempo juntos ia
chegando ao fim.
- Fui tão bem recomendada assim?
- Não exatamente...recomendada, eu
diria. Mas recebi muitos alertas ao seu respeito.
- Alertas? – O arrepio na espinha
agora se tornava mais real. – Como assim?
- Alertas. Avisos. Orientações.
Chame como preferir. Certo é que fui bem avisado.
Gabriela tratou de erguer-se da cama
e começar a reunir suas roupas. Era hora de por fim naquele encontro, antes que
o homem sem nome fizesse alguma besteira. Ainda colocava a calcinha, porém,
quando sentiu-o pegá-la pelos cabelos e atirá-la contra uma parede.
- O que...porque...? – Ainda zonza
ela o viu se aproximar. – Pare!
- Sinto muito. Tão bela, tão
refinada. Eu poderia ter me divertido mais com você. Porém, negócios são
negócios. – Falou e avançou sobre ela, chutando-a no dorso e na cabeça. A ideia
não era ferir. – Você tem de morrer hoje.
- Pare! Socorroooo. – Gabriela
gritou e tentou esgueirar-se, mas percebeu que não tinha chance de escapar.
Chegou a torcer por uma morte rápida. – Por que assim?
- Ninguém irá ouvir seus gritos. –
Ele ria e seguia com os golpes planejados e letais. A ideia era terminar
rápido. – Porque alguém te odeia muito. Pra mim, seria bem mais fácil te dar um
tiro na cabeça.
O corpo de Gabriela Alencastro foi
encontrado naquela noite mesmo pela equipe de limpeza do hotel. A notícia
chegou à polícia russa, que, apesar do estado de extrema deterioração do corpo
da vítima, por meio de um DNA, confirmou se tratar de uma procurada
internacional. O responsável pelo estabelecimento declarou em depoimento que
ela era uma garota de programa qualquer, ao que ele sabia e lá atendia
clientes, como tantas outras. Jamais soube se tratar de uma bandida.
Para Nikolay, a novidade teve sabor
agridoce. Nunca a quis bem, a colocara naquela boate por uma sádica vontade de
machucá-la, de tê-la subjugada no negócio que a fez enriquecer. Depois, quando
soube que Gabriela tinha informações a respeito de Patrícia resolveu mantê-la
ainda mais próximo. Não aceitaria colocar-se nas mãos da loura, mas, pretendia
encontrar um meio de lhe arrancar as informações. Caso pudesse, pretendia buscar
por aquela mulher, saber se estava viva e onde se encontrava. Agora, essa
chance seria sepultada junto de Gabriela.
- Quem era esse cliente? – Ele
cobrou Samantha.
- Não sei bem...um cliente qualquer,
eu acho. – Samantha respondeu, contendo a felicidade que vibrava em seu peito.
Nada poderia ter saído de forma mais
perfeita. O cliente era na realidade alguém de sua total confiança e o único
capaz de cumprir a tarefa exatamente como ela necessitava. Muitos teriam aceito
dar um tiro em Gabriela. Mas ela precisava morrer de outra forma. Uma
prostituta espancada não chegava a ser novidade, já um tiro atrairia muitos
olhares. Atrair polícia era algo que ela não desejava. Além disso, da forma
como ocorrera, Nikolay não tinha razões para desacreditar na sua versão dos
fatos.
- Justo ela...isso foi uma grata
coincidência para você, não é?
- Eu não estou triste, se é o que
deseja saber. Nunca gostei dela. Mas o fato dela estar morta não tem nenhum
dedo meu. – Afirmou ela, sem deixar a mentira comprometer sua afirmação.
- É bom mesmo. Se eu descobrir que
você armou isso serei bem mais cruel com você, do que fui com ela. Pode
apostar. – A ameaça veio sem disfarce. E Samantha sabia o quanto Nikolay podia
ser cruel quando desejava. – Se a polícia nos vincular a Gabriela Alencastro
meu negócio será seriamente abalado.
- Não temos o que temer. A polícia
brasileira não dá conta nem mesmo dos bandidos que estão lá...agradecerão a
morte de Gabriela e esquecerão tudo. Simples assim.
Aquilo não se aplicava a Elizabeth
Benitez. Mesmo em final de gestação e afastada da polícia, Elizabeth articulou
um acordo com Sebastian Gonzáles a fim de encontrar Gabriela e desarticular
mais aquele braço da quadrilha. Quem estivesse protegendo-a também logo seria
preso. As boates indicadas por Sebastian foram mapeadas policiais da sua
confiança iriam à Rússia participar da investigação junto da polícia local. Ela
não ia pessoalmente devido ao seu bebê.
Naquela noite, após deixar tudo
esquematizado em uma reunião informal com Rebeca em seu apartamento, ela enfim
conseguiu dormir graças às massagens oferecidas por Miguel. Não esperava ser
acordada poucas horas depois por uma envergonhada e sonolenta Rebeca. Já
sabendo a tempestade que se avizinhava, Miguel nem mesmo reclamou, apenas
levantou-se para colocar a cafeteira em funcionamento.
- Desculpe...eu sei que não devia te
ligar a essa hora...Miguel deve estar furioso. – A amiga se desculpava, mas a
colega de trabalho sabia ser importante ligar.
- Miguel sabe que deve ser algo
importante. Fale.
- Parece que uma prostituta foi
encontrada morta num hotel de quinta categoria... foi espancada até morrer, na
Rússia. A confirmação do DNA não chegou pra nós ainda, mas...eu vi uma foto do
cadáver...
- Reconheceu Gabriela? – Choque,
raiva e desespero cresciam no peito de Elizabeth.
- É difícil de dizer...sobrou pouco
pra olhar. Mas parece sim. E se o DNA confirmar, isso muda completamente os
nossos planos. Porque iríamos para a Rússia procurar por alguém que está morta?
- Para pegar quem a estava protegendo
e agora resolveu descartá-la. Porque não me desse na garganta a tese de que
alguém com poder mantido por Gabriela por anos se prostituía num lugar assim e,
do nada, morreu. É simples demais. Gabriela não se rebaixaria assim por nada.
Vá para a Central...eu já chegarei e remodelaremos tudo. Eu assumo o comando
daqui.
- Liz...desculpe mas...você está de
licença. Tom não...
- O que Tom quer não me interessa.
Esse caso é meu! Quero ver ele tirar a mim e Benício da Central de Polícia! –
Decretou e começou a se vestir, uma tarefa difícil diante daquela barriga.
Miguel apenas conseguiu convencê-la
a deixar que ela o levasse e lhe arrancou a promessa de que tentaria ficar pouco
tempo em pé. Liz dividiu com ele o que se passava e viu um raio de tristeza
passar por seus olhos. Apesar de tudo, ele e Gabriela eram primos e chegaram a
conviver na infância. Era triste para ele ter aceitar que a familiar criminosa
morrera de forma tão trágica.
- Assim que tiver a confirmação, por
favor, me avise. Madre tem o direito de saber...e como não há outros
familiares, talvez tenhamos que nos responsabilizar pelo corpo. – Ele lhe pediu
ao estacionar o carro na frente da sede da Polícia Federal.
- É claro, assim que o DNA confirmar
nossas desconfianças.
Elizabeth encontrou uma preocupada
Rebeca. A policial, apesar da experiência, estava impressionada pelo estado da
vítima. Quem a matou, ou ordenou o serviço, a odiava demais. Aquilo era mais do
que um crime passional. Havia um objetivo e esse era destruir o que Gabriela
tinha de melhor, a sua beleza.
- É ela, não preciso de DNA. – Liz afirmou,
sentindo o estômago embrulhar. – Eu trocaria isso por ela viva à minha frente.
Ela procurou por um final assim, mas não é a justiça...porque alguém lucrou com
mais esse crime.
- E o que faremos? Isso pode
estragar tudo, inclusive o acordo com Sebastian. O juiz pode não homologar
diante dessa reviravolta.
- Ele vai homologar porque nós
provaremos o valor das informações passadas por Sebastian. Além disso...não
quero nem pensar no que ocorrerá se isso der errado. Bia conta com isso. Ainda
mais que a sogra dela chegou ao Brasil, trazendo a filha dele e alugando Bia
para tudo.
- Deve estar difícil para ela
segurar essa barra toda.
- Deve...mas a Bia que voltou da
Rússia é outra mulher, mas dura na queda. Ela não quebra ao primeiro vento.
Você tinha que ver como ela enfrentou Rafael por Eva. Eu sou obrigada a
reconhecer que Sebastian operou uma transformação em minha irmã. Ela parece
pronta para travar qualquer luta, armada até os dentes, sabe? Estou orgulhosa
de Bia. – Essa era o única fagulha de alegria que toda aquela história lhe
trazia.
- E você, como está? – Rebeca perguntou.
– Desculpe dizer...mas sua aparência não é boa. E a barriga está tão baixa que
eu não estranharia caso nascesse hoje.
Elizabeth levou a mão à barriga e
sentiu seu filho mexer. Torceu para Rebeca estar enganada, mas, no íntimo,
tinha o pressentimento de que seu Benício nasceria logo. A paz crescia dentro
dela ao se imaginar com o filho nos braços e nem mesmo as tão faladas
complicações a que seu parto estava sujeito a assustavam. Que acontecesse o
Deus desejasse. E, ela tinha fé, ele iria querê-la ao lado de Miguel e seu
bebê.
- Vamos trabalhar, nem que seja
enquanto Benício permite. Preciso de informações sobre os estabelecimentos
comerciais citados por Sebastian. Quero saber quais os negócios lícitos
escondem os ilícitos e quem são os responsáveis. Quero dar nome e rostos a
esses criminosos.
Beatriz via os dias passarem, num
tumulto incompreensível. Por um lado, seguiam num turbilhão de atividades e
responsabilidades. No principal, porém, se arrastavam. Com a ajuda de Matt ela
lutava na justiça pela retomada da guarda de sua filha. Enquanto isso tentava
se reaproximar de Eva. Também recepcionara e instalara Angelina e Luísa num
discreto e luxuoso hotel. Ali elas tinham a segurança e a privacidade que
Sebastian exigia. Tudo pago por Sebastian, por meio de seu representante legal,
Aristeu.
Aquela parte de sua vida estava
mudando rápido demais, de uma forma que ela não conseguia acompanhar. Seguindo
ordens de Sebastian, Aristeu lhe abriu uma conta com valores aos quais ela
considerava impossível gastar em toda uma vida. O advogado afirmou que era para
as necessidades de Angelina e Luísa também, mas isso era uma simpática mentira.
- Dona Angelina tem sua própria
conta, com recursos fartos. E não me permite pagar nada. – Ela corrigiu o homem
idoso.
- Bom...o que posso lhe dizer.
Apenas cumpro ordens. Se não quer, discuta com Sebastian no dia da visita. Mas
eu, no seu lugar, aproveitaria de outra forma seu tempo juntos. Sebastian quer
mimá-la, recompensá-la.
- Não será com dinheiro...
- Ele está preso! Não sabe quando
sairá. Por enquanto é só o que pode te oferecer...seja menos rígida com esses
conceitos éticos. A história de vocês não permite isso. – Aristeu opinou e se
despediu.
O argumento podia ser válido, mas
não apagava o gosto amargo. Não queria depender de Sebastian, não
financeiramente. Não quando no passado ele já pagara para tê-la na cama. Não
quando ela já sentira tão duramente o peso de ser apenas uma mercadoria. Mas
parecia não haver saída enquanto ele não fosse solto, a operação de Liz
finalizada e poeira baixado. Afinal, procurar emprego como jornalista, naquele
instante, seria andar em círculos pela cidade. Ela era a notícia, não a
reportagem, naquele momento.
Enquanto isso, visitava o namorado
duas vezes por semana. E nos outros dias tentava tornar a estada da família
dele em São Paulo o mais agradável possível. Luísa estava muito adaptada a ela
e aparentava recuperar-se bem do choque sofrido com as poucas informações que
recebeu. Já Angelina passava os dias entre muito sofrimento. Ao contrário do
que Bia esperava, ela não se revoltou por nada que a nora disse em depoimento.
Ao contrário, manifestava sua mágoa para com o filho. Suas explicações, dizia,
não apagavam o mal feito.
- Ele machucou pessoas. Manchou o
nome que levou a vida construindo. Pior, no futuro, Luísa será cobrada pelo mau
comportamento do pai. – A senhora recriminava.
- Não seja tão severa com ele. – Bia
intercedia. – Ele errou, mas se arrependeu e está ajudando a justiça. E...ele
ama vocês mais do que tudo no universo.
- Eu sei, minha menina. E agradeço
todos os dias por você ter entrado na vida de Sebastian, para lembra-lo quais
são as coisas e os sentimentos que realmente importam na vida. Mas amor não
apaga os erros do passado. E ele tem dívidas a acertar. Não são poucas.
Se a mãe era tão dura com Sebastian,
pensava Bia, o que esperar da sociedade e dos juízes que decidiriam a vida
dele? Sua apreensão só fez piorar quando Liz a avisou da morte de Gabriela. Um
lado de seu coração sentiu alívio, felicidade até. Ela merecera a morte. Por
dentro ela já era um ser sem vida. E até mesmo seu sofrimento era justo. Mas
essa morte também complicava o acordo alinhavado por Liz e Aristeu. Caso o juiz
decidisse que as informações oferecidas por Sebastian não eram importantes, o
acordo não seria homologado e ele aguardaria o processo correr, na velocidade
brasileira, preso.
- Farei com que o acordo seja
mantido. Confie em mim. – Elizabeth garantiu, mas, ainda assim, Beatriz seguiu
apreensiva.
- Está bem. Me ligue assim que tiver
novidades, por favor. – Foi tudo o que ela conseguiu dizer.
Duas arrastadas horas depois,
Beatriz recebeu uma segunda ligação da Central de Polícia. Ela imaginou ser Liz
com novidades do caso, entre o “alô” e a resposta do outro lado da linha
imaginou uma série de novidade, umas positivas, outras nem tanto. Nenhuma delas
se concretizou. Quem estava na linha era Rebeca.
- Bia...preciso que entre em contato
com Miguel e mande-o para a maternidade. Sua irmã entrou em trabalho de parto. –
Avisou a amiga.
- Ok...mas assim, do nada? Ela está
bem? Teve algum estresse?
- Essas coisas são assim, do nada,
você sabe. Ela estava analisando alguns documentos e, de repente, as dores
começaram. Chamei uma ambulância. Encontre Miguel.
Encontrar Miguel não foi tarefa das
mais difíceis. Complicado foi fazê-lo agir com tranquilidade. O médico de
outrora tranquilo e ciente dos riscos, mas confiante, agora se tornara um pai e
marido desesperado. Ser médico, naquele instante, o prejudicava. Qualquer outro
homem olharia para Elizabeth e diria que ela era uma gestante como outra
qualquer. Ele sabia o que os indicadores no monitor ao lado dela afirmavam. Liz
estava com a pressão arterial muito mais alta do que qualquer parturiente
poderia.
- Eu acho que Francisca terá que
fazer uma cesariana urgentemente, apressem ela, por favor. Minha esposa não
está consciente, mas e autorizo o procedimento.
- Acalme-se, senhor. A doutora já
virá. – Uma enfermeira tentou mantê-lo controlado.
- Não me acalmarei. Você sabe ler
aquele gráfico ali? Se não sabe, jamais deveria estar nesse quarto, cuidando de
pacientes! – Ele explodiu em resposta.
A médica, que conhecia Migue há
muito tempo, precisou ser firme e pediu que ele, naquele estado, não entrasse
na sala de parto. Ele não aceitou, como ela já esperava.
- Você tem uma escolha, Miguel.
Acalme-se e entre, ou surte e fique aqui fora. Você é um médico, sabe o que
acontecerá lá na mesa cirúrgica, não posso ter preocupações além das de colocar
seu filho no mundo e manter Elizabeth em segurança.
Miguel viu Liz ser levada e ainda
falou rapidamente com as pessoas que lotavam a sala de espera. Ali estavam Bia,
Matt, Patrícia, Rebeca e vários colegas da polícia. Havia um clima de muita
apreensão, cujo próprio Miguel não conseguia deixar de alimentar. Todo o
estresse que cercou Liz nos nove meses de gravidez pareciam agora cobrar seu
preço. Ele viu medo em todos os pares de olhos. E, o pior, ele não tinha força
nem certezas para dissuadir a ninguém.
Ele entrou na sala cirúrgica e viu
uma Elizabeth pálida e entregue às mãos da equipe médica. Ele percebia o
esforço de todos. Mas também notava olhares preocupados. Não era um parto
tranquilo ou alegre. Benício viria ao mundo cercado de muito medo.