A segunda-feira
chegou trazendo os compromissos de sempre a Márcia. Mas nem mesmo a agenda
cheia de reuniões a fazer e relatórios a analisar fizeram com que as marcas
deixadas por aquele final de semana fossem apagadas. Assim que acordou pelo
barulho do despertador deu-se conta que nada do que oferecesse ao filho durante
o final de semana seria capaz de resolver as coisas se, durante a semana, ela o
esquecesse e se dedicasse apenas ao trabalho. Joaquim não precisava de uma mãe
de final de semana.
Procurou realizar
todas as suas tarefas com ordem de prioridades para conseguir sair cedo e
buscar o filho na hora da saída da escola. Quando percebeu que conseguiria, seu
coração disparou.
- Eu não demoro
Evelyn. Vou deixar meu filho em casa, comer e 13h30 estou aqui, em tempo de
minha reunião com Rafael. Se eu me atrasar, por favor, avise que chego logo. –
Ela afirmou à secretária que a olhou com expressão surpresa. – O que foi? Algum
problema? Tudo certo com os contratos? Notícias de Jonas?
- Nenhum
problema, senhora. É só que a senhora está...diferente. – Logo depois a
profissional secretária recuperou a postura. – Os compromissos de Rafael estão
em dia. Ele é bastante pontual. Jonas ligou avisando que retorna hoje do
Nordeste para São Paulo, e então passará aqui para ver a agenda.
- Ótimo então...
Evelyn...
- Fale, senhora.
- Você não chama
Jonas e Rafael de “senhor”, então pode parar de repetir tantos “senhora” ao
falar comigo. Afinal, há meses nós passamos os dias juntas.
- Está
bem...Márcia. – Ainda levaria algum tempo para ela se habituar aquela mulher
tão diferente.
Nem mesmo o
almoço junto de Joaquim fez com que o humor de Márcia melhorasse. Foi bom ficar
com o filho e ele sequer percebeu que seus pensamentos estavam longe do
restaurante. Quando o menino já estava na segurança de casa e ela já retornava
ao escritório, Márcia reconheceu que precisava ser sincera consigo mesma.
Estava furiosa com Raul. Queria ter lhe dito tantas coisas que agora seguiam
esmagando seu coração. Como ele sentia-se capaz de dar-lhe conselhos familiares
quando também era um divorciado e, ao invés de cuidar do filho, passava as
noites saindo com garotas muito mais jovens?
- Quem ele pensa
que é pra me julgar como mãe quando mal vê a própria filha?!?!? Quando você
voltar, nós vamos ter uma séria conversa.
Essa
conversa há tanto prometida e nunca concretizada também não saía do pensamento
de Raul. Mais do que o assunto, Márcia era a dona de seus pensamentos. E ele
não desejava que fosse assim. Sua vida já era confusa o bastante sem uma mulher
dominadora e mandona para gritar e lhe dar ordens a todo o momento. Então,
porque, mesmo tentando, não conseguia livrar sua mente daquela mulher?
Havia
fugido de São Paulo para o Rio de Janeiro no intuito de visitar a filha, mas,
também para colocar os desejos em ordem. Sua vida sempre fora um tanto
complicada. Desde o divórcio tornou-se um pouco mais estressante. Teve suas
culpas na separação, é verdade. Mas não mereceu sofrer anos num divórcio
litigioso e ver a filha, a quem sempre amou, chegar aos 13 anos, pouco ligando
para suas visitas.
-
Quem não errou na vida? – Ele seguidamente perguntava-se.
Mas
reconhecia que seus erros fora grandiosos e talvez não merecessem perdão tão
facilmente. Janaína, sua ex esposa, foi compreensiva por bastante tempo. E ele
não deu ouvidos a nenhum dos seus muitos avisos de que não perdoaria uma
traíção. Ele traiu, ela descobriu e jamais perdoou. Ao contrário, fez o que
pode para usar a filha para fazê-lo sofrer. Marthina era o acerto mais torto de
sua vida ou o erro mais certo. Mas ela não entendia porque o pai traiu a mamãe
e mesmo que anos já tenham se passado, essa magoa jamais amainou. Talvez tenha
até crescido, inflada pelas chantagens afetivas feitas por Janaína.
E
mesmo depois de sofrer daquela forma, aceitou defender na justiça uma mulher
tão amarga quanto a ex e que usava o filho exatamente como Marthina fora usada.
Talvez tenha sido exatamente por isso. Queria mudar o final daquela história. E
conseguiu, tinha esperança. Estava orgulhoso da nova Márcia, que parecia dar
mais atenção e amor ao filho do que preocupar-se em castigar seu ex. Não que
simpatizasse com Alex. Ao contrário. Sempre que o via chegar a uma das
audiências do divórcio e da guarda de Joaquim, tinha a sensação de se tratar de
um homem frio e pouco preocupado com a família. Mesmo enquanto discutiam o
futuro de seu filho, Alex mantinha um olho no celular e parte da sua atenção ao
relógio. Márcia tinha suas razões.
- Mas
eu não tenho nada com isso! – Repetia. Para logo depois reconhecer que estava
bem mais atado a ela que um advogado deveria. – Resta saber se você irá querer
outro homem capaz de trair?
Sabendo
que Marthina pouco se importava com sua presença, após apenas um breve almoço,
adiantou seu voo para São Paulo. Iria reorganizar sua vida. Já bastava de
noites com desconhecidas, e de manhãs nas quais sequer lembrava o nome da
parceira. Estava pronto para ter um relacionamento de verdade e pretendia lutar
por ele. Só não tinha certeza se Márcia concordaria.
Naquele
momento, ela não tinha nem mesmo muito tempo para isso. É que Jonas avisou que
teria um jantar em família porque, surpreendentemente, sua irmã resolveu vir do
sul para São Paulo. Então precisaria cancelar a agenda da noite
- Vá, não se preocupe. Eu dou um jeito. – Ela
confirmou ao sócio. Afinal, já havia almoçado com Joaquim. – Não se preocupe.
Preocupação não era o caso, mas ele se encontrava bem
curioso. Milena não era de realizar surpresas e nem de sair muito do Rio Grande
do Sul. Nas vezes em que veio, geralmente era por questões médicas e Maria
Fernanda e essas ocasiões eram marcadas com bastante antecedência. Agora foi
algo inesperado. Chegou a ligar para a mãe buscando informações. Mas tudo o que
Giovanna lhe disse fora para abrir o coração.
- Ouça a sua irmã. É só isso o que ela quer. – Foi a
misteriosa resposta. Que só o deixou mais curioso.
Ao combinar tudo com Emily, ficou ainda mais desconfiado.
Ela também veio cheia de recomendações, afirmando que ele deveria aceitar o que
a irmã dizer e lembrando-o que Milena teve uma vida muito solitária e merecia
encontrar a própria felicidade.
- Por que todos ficam me fazendo essa recomendação? Eu
sou um carrasco com minha irmã, é isso?
- Não, meu amor. Claro que não. Mas quando se trata
dela, às vezes você se torna um pouco tradicional. Apenas isso. – Emily
afirmou.
- Milena já teve atitudes bem pouco tradicionais, e eu
aceitei. – De repente ele teve uma ideia. – Ela está grávida novamente, é isso?
Outra produção independente? Eu...não gosto, mas vou amar meu sobrinho, é
claro. Não sou...
- Você é um grande irmão e grande tio. Ninguém pensa o
contrário. E ele não está grávida...não que eu saiba, pelo menos.
Ainda pela manhã, ao arrumar às malas e rumar para o
aeroporto, Nathan pediu que Milena marcasse aquele jantar com seus irmãos.
Apenas quando todos soubessem a verdade ele seria capaz de caminhar com a
cabeça erguida. Enquanto ainda houvessem segredos, teria a sensação de que
Maria Fernanda e sua mãe ainda eram tratadas como algo vergonhoso o qual
precisa esconder.
Além disso tinham muitas coisas para resolver. Algumas
eram coisas simples como preparar um quarto para Maria em seu novo apartamento.
Quando comprou o lugar, pensava em fazer dali a casa perfeita para um solteirão
convicto. Sem móveis sobrando e com bastante espaço. O quarto de hóspede seria
transformado numa sala de jogos e a cozinha seria utilizada apenas quando ele
recebesse amigos, afinal, já cozinhava muito no restaurante. Agora tudo havia
mudado. O quarto seria de Maria Fernanda e ele ainda tentaria convencer Milena
a dividir a suíte com ele.
- Claro que te ajudarei a comprar tudo o que Maria
precisa, se é mesmo que deseja montar um quarto. É desnecessário.
- Ela merece ter o seu quartinho na casa do papai. Eu
quero que Maria se sinta bem aqui, tanto quando na sua casa ou na fazenda.
- Claro, eu compreendo. – Milena concordou.
- Na verdade, desejo que você também se sinta bem. –
Ele se aproximou dela e a puxou para um carinho. Mas logo foi afastado. – Mas
eu não tenho de estar aqui...o que aconteceu entre nós foi...
- Foi algo certo e delicioso. Não menospreze o que
temos, Milena.
- Não
podemos viver o passado hoje.
- É o
presente que desejo viver. A não ser que você considere passado o que ocorreu
ontem à noite. Mas eu posso repetir, sem problemas.
-
Pare Nathan! Eu preciso terminar essa mala e você...você está me
desconcentrando.
Mais
como uma retirada estratégica do que como desistência, Nathan deu privacidade
para Milena preparar-se para viajar. Preferiu não pressioná-la, afinal, teria
bastante tempo para conquistar sua confiança na temporada em São Paulo. Milena
ainda não sabia, mas ele pretendia alongar a estada delas pela capital
financeira do País. Maria, no entender dele, não precisava apenas de uma
consulta de revisão no médico. Tinha de ser levada a novos profissionais. Ela
merecia que fossem esgotadas todas as alternativas para que ela pudesse ouvir e
falar normalmente. Enquanto isso, elas seguiram ao seu lado, como uma família.
Depois
de 1h50min de voo, eles desembarcaram na capital paulista e foram direto para o
apartamento. Apesar de toda a insistência de Milena, Nathan não permitiu que
ela seguisse para um hotel. Ele garantiu que já havia uma cama para Maria e que
ela ficaria com ele, pelo menos por enquanto. Nenhum argumento em contrário
bastou.
- Não
posso simplesmente começar a viver com você...meus irmãos...
- Que
vão cuidar das próprias vidas! Você é uma mulher adulta e mãe da minha filha.
Além disso, eles não precisam saber que dormimos juntos.
- Não
é certo voltarmos a algo que não deu certo antes. Nós não combinamos.
- Por
eu acho que nós tivemos o encaixe perfeito! – Respondeu ele, seguro do que
desejava. – Eu te desejo, você também me quer. Porque não?
A
franqueza dele balançou com as decisões de Milena. Como sempre, ficar com
aquele homem, sentir seu cheiro e adornar-se de tudo o que ele lhe ofertar era
muito tentador. Naquele instante mesmo, apesar de cansada da viagem, tudo o que
interessava ao seu corpo era responder aquele desejo que já crescia dentro
dela. Se fosse sincera, diria para Nathan que precisava do corpo dele naquele
instante.
-
Está bem...eu fico. Mas vamos as compras antes que eu me arrependa. – Na
verdade, ela queria sair de casa antes que implorasse para que ele lhe tirasse
a roupa. – Temos e voltar em tempo de eu me arrumar para o jantar. Jonas e
Lorenzo são pontuais.
Na
casa dos Gomide a presença de Isabely começava a ganhar ares de normalidade.
Depois do final de semana junto de Tális, a menina foi deixada no abrigo após
receber abraços afetivos e a garantia de que voltariam logo. Com algum esforço,
Melissa conseguiu se aproximar da menina que já via como sua filha. Tanto que, apressada
como sempre, já fazia planos ousados.
-
Acho que devemos nos responsabilizar desde já pelos custos escolares de Isa.
Ela poderia estudar na mesma escola que Tális, assim a adaptação seria muito
mais tranquila. – Opnou, logo cedo pela manhã.
- Vamos
com calma, Mel. Ela ainda está desconfiada e certamente sua escola tem outros
hábitos.
-
Sim...mas vou falar com Marta e descobrir do que ela precisa. Isabely aos
poucos se habituará a vida que podemos lhe proporcionar. Não faz sentido seguir
numa escola pública quando nós podemos oferecer o melhor.
Marta
pediu calma, como já era de se esperar, pediu que Melissa tivesse calma. Porque
por mais que Isa estivesse evoluindo, eles perceberiam se tratar de uma menina
de personalidade forte e hábitos complicados. Se sentisse que estava sendo
forçada a algo ou manipulada, se fecharia novamente.
-
Não, claro que não! Nós respeitaremos o tempo dela. – Mel garantiu.
E
mesmo assim, Melissa e Rafael saíram felizes do abrigo. Porque Marta lhes
garantiu que poderia autorizar Isabely a passa vários finais de semana com os
Gomide, além de feriados e liberaria até mesmo pequenas viagens ao litoral.
Assim, a menina se acostumaria cada vez mais com eles. E, quando percebesse, já
faria parte a família.
-
Muito obrigada, Marta. Nós contamos muito com a sua ajuda. – Rafael abraçou a
velha senhora ao se despedir.
- Eu
que agradeço, menino. Vocês dois estão ajudando a realizar meu sonho. Que é ver
cada uma dessas crianças tendo a própria família.
Família era para todos eles o que de mais sagrado
havia no mundo. Mesmo quando essa família não é perfeita e traz algumas
dificuldades. Sempre, independente da situação. Valia a pena lutar para
mantê-la unida. Era nisso que Milena acreditava. E justo ela, que foi acolhida
nos braços daquela família já formada precisava agora abrir seu coração para
algumas das pessoas a que mais amava em todo o mundo.
Quando
Lorenzo chegou com sua família na casa de Jonas, onde aconteceria o jantar,
Milena sentiu as pernas tremerem. Não que sentisse medo do irmão mais velho.
Longe disso. Ele jamais lhe faria mal algum. Mas assumir um erro para ele doía
mais do que para qualquer outro. Por que fora Lorenzo o seu grande cuidador da
adolescência. A pessoa em quem mais confiava em todo o mundo e aquele que
sempre a defendia, mesmo quando ela estava errada. Nesses casos, depois, ele
lhe xingava e alertava para o caminho certo, mas, em público, jamais deixava de
lhe estender a mão. Fora para essa pessoa que ela mentiu. E seria duro
reconhecer isso.
- Como vai, minha irmã? – Ele perguntou após abraçá-la
longamente. – E Maria?
- Está lá dentro com Vida e Bernardo. É bom ver vocês.
– Seu constrangimento estava claro e ela afastou-se para cumprimentar Jéssica e
os sobrinhos.
- Crianças, vão lá dentro com os primos, sim. Mas sem
bagunça nem correria. – Jéssica falou, sabendo que o assunto era para adultos.
Por mais que ela conhece Lorenzo e soubesse de sua
natureza calma, hoje entendia que com Milena, tanto ele quanto Jonas, mantinham
atitudes mais protetoras. Sabendo da dificuldade, Milena pediu que Nathan
chegasse mais tarde ao jantar. Queria ter tempo de explicar o que se passava
sem um estranho por perto. Mas o tempo passou, garrafas de vinho foram sendo
abertas e ela não puxou o assunto. E quando Emily, elegante como sempre, foi
atender a campainha da porta e deu de cara com seu sócio, as três mulheres
presentes entenderam que uma discussão teria início. E tanto Jonas quando
Lorenzo olharam para o visitante com muitas dúvidas e poucas respostas.
- Buona notte. – Ele disse, sabendo que todos ali
falavam o seu idioma.
- Boa noite, Nathan. – Apenas Emily respondeu. –
Entre.
- O que faz aqui, Nathan? – Jonas questionou. –
Desculpe a indelicadeza, mas...é um jantar de família.
- Eu sei... – Nathan pensou que se Milena não teve
coragem para falar mesmo com a privacidade que ele concordou em oferecer por
algumas horas, ele seria direto. – E eu faço parte dele...já há alguns anos.
Depois de afirmar algo tão sério, Nathan calou-se e
ficou esperando a reação dos irmãos de sua Milena. Viu Jonas dar um passo à
frente e os punhos de Lorenzo se fechar.
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