A
cena, aplaudida por tantos, fazia o coração de Beatriz desmembrar-se em pedaços
minúsculos. Tão pequenos que ela ousava pensar jamais poder juntá-los
novamente. Ou que, no mais feliz dos destinos, ele seria remendado e
sobreviveria carregando um emaranhado de horrendas cicatrizes que tempo algum
poderia apagar. Talvez o que mais lhe ferisse fossem os olhos brilhantes e
acusadores que observava no saguão do aeroporto. Eles festejavam a prisão de um
criminoso, de um abusador, de um ser cruel. Somente ela o reconhecia como algo
além disso tudo.
-
Beatriz...Bia...venha conosco, por favor. – Rebeca, atendendo a um pedido de
Elizabeth, tentou tirá-la do meio da confusão. Licenciada das funções
policiais, Liz foi impedida de se aproximar. – Bia...
-
Eu vou com ele. Para onde estão levando-o?
-
Para a carceragem da Polícia Federal, por enquanto, para depor. Ele está muito
enrolado com as autoridades, Bia. E sabe disso. Sebastian comunicou que se
entregaria hoje.
-
Não! Ele não é um criminoso! Não! – Perdida entre o que sabia e que sentia, ela
olhou em volta e viu o rosto da irmã, ao longe, atrás da barreira policial
junto de uma séria de curiosos. Correu até ela, empurrando quem tentou freá-la.
Já no caminho gritava para a única pessoa em que ainda acreditava. – Liz!
Porque você está aí!?!? Venha aqui e mande que soltem-no! Eu posso testemunhar
ao seu favor...
Só
quando chegou muito perto de Elizabeth, é que Beatriz deu-se conta que ela não
usava nenhuma identificação da PF, nem carregava o coldre que amparava a
pistola municiada, seu companheiro em operações. Ela estava à paisana, com uma
expressão confusa na face e vestindo uma roupa que não escondia uma gigantesca
barriga. Só então lembrou-se que pouco antes de ser sequestrada ela vira
Elizabeth descobrir uma gravidez. Isso fora há apenas alguns meses, mas parecia
uma vida toda atrás.
-
Você...o bebê... – Tudo aquilo, a junção dessas duas vidas, fizeram com que a
confusão tomasse conta de seu pensamento.
-
Sim, um bebê. Benício, seu sobrinho. – Elizabeth abraçou a irmã e percebeu o
quanto seus braços tremiam. – Você está em choque, vamos sair daqui.
Beatriz
encarou a irmã como se não mais a reconhece-se. Apesar de não usar uniforme nem
distintivo, Elizabeth agia como a mulher da lei, não a irmã. E aquilo feria o
seu já machucado coração.
-
Mandem soltá-lo agora! Ele não é um criminoso. Ele não merece ser humilhado
assim. Tirem essas algemas dele! – Ela repetiu, tropeçando nas palavras.
- As coisas não são tão simples Bia.
– Elizabeth tentava buscar em seu treinamento e experiência profissional a forma
certa de agir com alguém envolvido emocionalmente com quem lhe inflige dor. –
Eu entendo como você está se sentindo, mas não é possível fechar os olhos para
o que ele fez. Vamos para casa. Você não precisa depor agora.
- Você não sabe o que está dizendo! – Beatriz grita à
frente da irmã. - Ele me salvou.
Nos anos de estudo e pesquisa jurídica, Elizabeth
deparou-se algumas vezes com a Síndrome de Estocolomo, um fenômeno no qual
psicólogos especializados em crimes se debruçavam, mas que apenas agora ela
imaginou estar diante de um caso concreto. A Síndrome de Estocolomo costumava
ser usada para explicar reações como a de Bia, quando a vítima de um sequestro
envolvesse romanticamente com seu algoz. Beatriz parecia pronta a lutar com
quem a salvou para salvar um dos responsáveis por sua dor.
Elizabeth deparou-se com a difícil tarefa de ser firme
quando tudo o que desejava era prender Bia dentro de seu abraço a acalentá-la.
Aquela menina era até muito recentemente a sua única família, meio irmã e meio
filha, dupla às brincadeiras de criança, parceira nos desafios de toda a vida e
razão de muito orgulho. A menina frágil do passado parecia agora mais
enrijecida, devido a dor e os horrores vividos.
- Não sou sua inimiga, Bia. Sou sua irmã. Aquela que
te viu crescer, lembra? Nós vamos acertar tudo, com o tempo. É disso que você
precisa agora: tempo. Vou levar você para casa, de volta para a sua vida, no
seu quarto, você irá colocar a cabeça e os sentimentos no lugar.
- Não fale comigo como se eu fosse uma criança
estúpida! Sou uma mulher e está tudo em ordem com a minha cabeça!
- Será mesmo? E será que Eva passou por essa cabeça em
algum momento? – Liz lançou mão do último argumento de que dispunha.
O mundo de Bia, que já se estabilizava sobre fracas
estruturas e balançava a cada nova emoção, agora desabava num precipício
aparentemente interminável. Além de mulher apaixonada e vítima e uma quadrilha
internacional ela agora lembrava-se que também era a mãe de uma menina de dois
anos e meio, um ser inocente no meio de tudo isso. A culpa somava-se a dor e a
obrigava pensar em coisas além do desejo de proteger Sebastian. Ela aceitou a
mão estendida por Liz e foi com ela de volta à antiga vida. Difícil seria
enquadrar a nova Beatriz a ela.
Ainda
no aeroporto Sebastian conversou com oficiais que há anos esperavam por aquele
momento. Membros da equipe de Elizabeth e que a ajudavam a conhecer detalhes da
atividade criminosa na qual ele se envolveu. Quando todo o tumulto sessou, uma
dupla de jovens policiais o acomodaram em uma sala reservada.
-
Você pode chamar um advogado. – A mulher que apresentou-se como oficial Carla
Santorini. – Tem o direito de não falar sem a presença de um representante
legal.
- Fico
feliz em exercer esse direito, senhorita Santorini. – Ele nada poderia fazer,
mas sempre preferiu exercer deveres. - Meu advogado chegará em breve.
O
experiente advogado, Aristeu de Conto, um amigo de longa data e conselheiro estava
a caminho e desembarcaria a qualquer momento, pronto para começar a agir.
Depois de aconselhá-lo a em hipótese alguma entrar no Brasil junto de Beatriz e
ter a indicação ignorada, o profissional preparou-se para enfrentar tempos
difíceis. Aristeu contou por décadas com a honra e o constrangimento de ser um
dos poucos a conhecer o verdadeiro Sebastian Gonzáles, o integral, sem a edição
maquiada que ele oferecia ao mundo. Somente ele e o motorista Francisco, que
naquele momento oferecia seu apoio à Angelina e Luiza, nos EUA, realmente
sabiam de qual fibra era feito aquele homem.
-
Senhor Gonzáles, eu sou o policial Frederico Amaral. – Fred apresentou-se
entrando na sala acompanhado de Aristeu. – O senhor reconhece Aristeu de conto
como seu representante legal?
-
Reconheço. Podemos começar? – Sebastian foi objetivo.
-
Ainda não. Por ordem da policial que comandará o depoimento, ele deverá ocorrer
na delegacia e não aqui. – Fred explicou. – Terá alguns minutos para conversar
com seu advogado antes de seguirmos.
-
Está bem. Será a investigadora Elizabeth Benitez a comandar o interrogatório?
-
Antecipar esse tipo de informação não...
-
Não. – Respondeu Carla. – Apesar dela certamente desejar isso. Mas certamente
você sabe que, sendo ela afetivamente tão envolvida com o caso, não poderá
fazer isso. O interrogatório será comandado pela investigadora Rebeca Hassum.
Não
apenas ela, Sebastian descobriu duas horas depois quando, já exausto física e
emocionalmente, seu depoimento teve início. Além de Rebecca, o delegado Tomaz
Clerk ocupou uma cadeira na sala. Ainda que se mantendo calado a maior parte do
tempo e sem sequer expressar qualquer reação, a presença dele deixava clara a
importância que aquela prisão tinham àquela unidade da Polícia Federal.
Sebastian se sentia preparado para o que ocorresse. Na conversar com Aristeu, o
advogado o informou de que seria acusado de crimes como sequestro, formação de
quadrilha e abusa sexual. O jurista adiantou ao cliente que ele passaria aquela
noite na carceragem, mas que, no dia seguinte provavelmente seria encaminhado a
uma penitenciária e que o melhor seria agir para que, extraditado, seja julgado
e cumpra pena nos EUA.
-
Vamos começar, Senhor Gonzáles. – Rebeca deu início aos questionamentos. – Qual
a sua ligação com a quadrilha que manteve durante anos esquema para levar
latino-americanas a serem escravizadas e prostituídas na Europa?
-
Nenhuma. Eu não sequestro mulheres, investigadora. – Ele respondeu, satisfeito
com o tom firme que infligiu na própria voz.
- Há
registros de você com pessoas comprovadamente envolvidas. Entre elas, a suposta
comandante de tudo Gabriela Alencastro. Seu nome também aparece nos registro da
boate Noxotb, local gerenciado por um homem chamado Gregory, na Rússia. Tenho
indícios muito claros de que o senhor o conhecia muito bem. O que me diz?
-
Usei os serviços da Noxotb por vários anos, sempre que estava na Rússia. Assim
como de outras boates, em várias partes do mundo. Lá conheci Gregory. Eu fui
consumidor dos serviços de um lugar duvidoso, assumo. Mas jamais sequestrei uma
pessoa.
- O
senhor sabia que se tratavam de escravas?
- Não.
– Sebastian falou orientado pelo advogado. – Jamais fiz questionamentos a esse
respeito, nem para elas quanto para Gregóry ou para sua parceira, Samantha, se
não me engano. Eu simplesmente escolhia a que me interessava e a tinha em algum
lugar do meu agrado. Pagava a conta e logo depois me esquecia dela.
- O
senhor nunca se perguntou o porquê dessas mulheres se sujeitarem a isso?
- Não
por tempo suficiente para fazer algo a respeito. – Essa resposta foi mais
sincera do que o advogado gostaria.
- Várias
mulheres resgatadas da Noxotb o acusam de agressão. Algumas relatam ocasiões de
brutal descontrole, que exigiu atendimento médico e deixou marcas em seus
corpos, além do psicológico.
Nessa
pergunta Sebastian vacilou entre a verdade crua da consciência e a mentira
simpática sugerida por Aristeu. Optou pela esperteza de ficar sobre o muro.
- Na
maior parte desses momentos, investigadora Rebeca, eu estava tão bêbado que
sequer seria capaz de reconhecer a mulher. Se agredi alguém, não era meu
objetivo e, obviamente, não me orgulho, mas não posso confirmar algo de que não
me recordo.
- Mas
lembrou de Beatriz Santos o bastante para requerer novos encontros repetidas
vezes? – Ele era esperto demais, conclui Rebeca.
-
Beatriz não era como elas, nunca foi e desde o início eu vi isso, apesar de não
saber nada de sua origem ou o que a levou até a Noxotb. Ela conseguia conversar
comigo como nenhuma outra, além de, é claro, termos uma ótima relação sexual.
Eu não admiti ficar sem ela. E disso não me arrependo. Exigi de Gregory que ela
não mais atendesse homem algum além de mim. O que incluía a ele mesmo, que
sempre teve interesse nela.
- Foi
esse interesse em torná-la exclusivamente sua que o fez comprá-la? Ou isso era
um costume?
-
Não! – Pela primeira vez ele se exaltou. – Não sou um fanático que criou um
harém de escravas sexuais. Eu paguei por Beatriz sim, mas jamais pretendi
torná-la uma escrava. Eu não aceitava a ideia de ter outros homens a tocando e
apenas a comprei porque ela me pediu. Ela quis ser minha e...tornou-se muito
especial na minha vida.
-
Quer mesmo me fazer acreditar nesse conto de fada, Senhor Gonzáles. Espero que
tenha bons argumentos.
-
Eu...levei muitas prostitutas para hotéis, Rebeca, mas só Beatriz esteve em
minha casa com minha mãe e filha. Creio que não exista prova maior.
-
Você comprou uma mulher e levou-a para sua residência oficial, com a conivência
de sua mãe?
-
Não! – Tudo o que não desejava era criar problemas para sua mãe aquela altura
da vida. – Inicialmente levei-a para um apartamento. Logo depois recebi um
ultimato de Gregory para que eu devolvesse Bia e obviamente neguei. Então
passei a cercá-la de segurança. Veja bem, não era para escravizá-la, mas para
protegê-la. Ainda assim, tentaram feri-la. E hoje posso afirmar com certeza que
o comando partiu de Gabriela Alencastro. Então levei minha amada para o local
mais seguro possível, aonde estão todos os que amo.
- Ela
era livre nessa casa? Saía sozinha? Podia ir na padaria? – Essa era a principal
pergunta. A que diferenciava a hóspede da escrava.
-
Podia...mas eu...deixava claro o meu desejo de que ela não o fizesse. –
Sebastian respondeu, sabendo que aquilo estava muito longe da verdade ao mesmo
tempo que, reconhecia, seria sua única chance de sair da cadeia algum dia.
- Ela
saiu sozinha alguma vez? - Rebeca foi direta no questionamento.
-
Não, isso jamais ocorreu. Mas, em minha defesa, afirmo que tentei fazê-la
feliz. Tanto quanto qualquer homem tenta pela mulher que ama.
- Por
hoje terminamos. – O interrogatório teve fim com Rebeca pouco convencida e
muito curiosa por ouvir Beatriz. Pela segurança de Sebastian, Liz teria
dificuldade em fazer a irmã falar qualquer coisa contra ele.
Já
sendo retirado por Fred, Sebastian pediu novamente a palavra. E dessa vez conseguiu
surpreender Rebeca.
-
Peço que avise Elizabeth que eu gostaria de conversar com ela. Tenho certeza de
que a Polícia Federal permitiria a visita.
-
Elizabeth não se envolverá nesse caso por ter ligação pessoa, Senhor Gonzáles.
– Tom, enfim, falou. – E, caso liderasse essa fase do caso, o senhor não teria
vantagem alguma, acredite.
- Eu
tenho conhecimento disso.
-
Então porque deseja vê-lo? – Tomaz insistiu.
- Por
que ela é irmã da mulher que eu amo. – Foi a resposta que, Tomaz desconfiava,
mais iria irritar do que emocionar Elizabeth.
Na banheira que se banhou por anos,
mas que não via há tempo o bastante para se sentir-se uma estranha, Bia ganhou
alguns momentos sozinha. Estava no seu lar, o cheiro daquele sabonete lhe
trazia lembranças, a vista da janela pouco tinha se alterado e, ainda assim, ao
olhar-se no espelho, não se reconheceu.
No carro, ela e Liz tentaram
conversar e remendar laços que estavam ali ainda, mesmo que enfraquecidos. Eva
foi o tema de quase toda a conversa. Bia soube da briga judicial iniciada por
Rafael e que privou Eva do convívio com Elizabeth e Matheus. Aquele casamento
parecia algo tão distante, quase fruto de um sonho antigo e nunca realizado.
Rafael não mais existia em suas lembranças. E ela não via sentido algum em um
homem que jamais agiu como pai querer a guarda da menina e retirá-la dos que a
amavam. Ela chorou imaginando o sofrimento da menina ao ficar sem a mãe e os
padrinhos quase no mesmo momento.
- Eu quero ir vê-la. Quero minha
filha de volta. – Ela deixou claro, ainda durante a viagem.
- Matt vai cuidar disso e conseguir
uma visita o quanto antes. Depois podemos requerer que você retome a guarda da
sua filha. Por isso é importante que retome a sua vida. Juiz algum a impedirá
de ver a menina quando vir a tona que você foi sequestrada. Ainda mais quando a
prisão dos responsáveis for noticiado.
- Não vou conversar com você sobre
Sebastian. Você não entende o que acontece. – Assim a conversa foi encerrada.
Quando viu o antigo quarto, lágrimas
rolaram. Na parede fotos dela com Eva ainda recém-nascida dividiam espaço com
lembranças junto de amigos do jornal e festas com Liz e Matt. As lembranças iam
e vinham em sua cabeça. Cada imagem trazia a recordação de um momento feliz.
Junto de uma das paredes, encostado a uma parede cor de rosa, a cômoda e o
berço de Eva. Sua menina já nem devia usar um desses para dormir.
- Está tudo como antes. E o quarto
do seu bebê? – Perguntou à Liz.
- Por enquanto Benício tem um berço
ao lado da minha cama. Funcionou para Eva.
- Só que ela não é filha de um
empresário podre de rico. Você e Miguel...está tudo bem?
- Foi uma longa história. Um dia te
conto. – Ela sentia tanta falta daquelas conversas. – Miguel comprou outro
apartamento, maior, mas...eu não consegui sair daqui. Era como abandonar a
nossa história.
As duas se amavam muito, mas estavam
distantes fisicamente. Desejavam se abraçar, mas havia uma barreira com nome e
sobrenome que as impedia. Enquanto não a ultrapassassem, seria impossível agir
feito irmãs.
- Aquele homem te fez mal. Ele colocou
coisas na sua cabeça e você ainda o defende. – Liz começou, num tom de voz
baixo, mas que não minimizava as palavras duras. – Você pode retomar sua vida,
Bia, com Eva, no jornal e com alguém que a ame. Como Will. Você ainda lembra de
Will? Ele deu a vida para tentar protege-la.
A lembrança daquela noite voltou a
tomar os pensamentos de Bia. Ela saía para seguir com sua investigação, sabia
estar se arriscando, mas preferiu ir adiante. Foi abordada por homens que,
naquele momento, acreditar serem apenas assaltantes. A infelicidade tornou-se
tragédia quando Willian saiu na rua e ela o viu ser alvejado por tiros.
- Ele não sobreviveu mesmo? – Lá no
fundo ela guardava alguma esperança.
- Não. Morreu na hora. – Liz
respondeu. – Ele a queria em segurança. Isso é amor, Bia.
A irmã mais jovem, porém,
revoltou-se com a comparação.
- Você não sabe de nada! Está
fazendo deduções frias enquanto só eu sei o que vivi! Foi Sebastian quem me
salvou daquele lugar horrível. Ele me ama!
- Se isso fosse verdade, ele teria
levado você às autoridades e não a mantido escondida. Sebastian tirou você de
sua filha! Foi ele, Bia, quem retardou esse reencontro por puro egoísmo.
- Você
não estava lá para saber!
-
Verdade, eu estava aqui, sofrendo e lutando para trazê-la de volta! – Liz
percebeu que se descontrolava. – Eu saberei dos detalhes quando você depor. E
isso será logo porque a polícia tem pressa. Quanto mais tempo levar, melhor os
advogados dele se sairão.
-
Quando eu depor a verdade será esclarecida e vão soltá-lo. – Mas ela sabia que
tudo dependeria de qual verdade fosse relatada. Havia muitas. A do Sebastian ao
qual ela temeu e do homem que ela conheceu depois.
Elizabeth
preocupava-se justamente com isso. Bia, na ânsia de proteger o amado poderia
complicar-se com a justiça ao mentir em juízo. Ela já não confiava na irmã como
antes. Porque a jornalista com sede de justiça e verdade nos fatos parecia
submersa debaixo de um mar de acontecimentos confusos.
- Espero
que você pense bem antes de mentir para o juiz Beatriz. A Polícia Federal tem
provas cujo seu depoimento não irá sobrepor. Além disso, não se esqueça
daquelas mulheres que entrevistou, daquelas mães desejosas por justiça. Para
proteger esse homem, com mentiras, você pode por em risco os resultados de anos
de investigação. – Liz disse antes de ver a irmã trancar-se no banheiro.
Elizabeth ofereceu algumas horas
para a irmã se recuperar, sabendo que nada naquela história parecia seguir o
curso natural. Rebeca havia lhe informado do andamento do depoimento e do
recado de Sebastian para ela. Ele afirmava amar Beatriz, algo que ela não
conseguia nem desejava acreditar. O próprio casamento não servia de exemplo
para nenhum conto de fada, assim como ela estava longe de ser a heroína perfeita
e Miguel nutria defeitos demais para servir como modelo de marido. Ainda assim,
estavam juntos e assim pretendiam permanecer. Porém, acreditar que um homem
como Sebastian Gonzáles, capaz de enganar o mundo todo e manter uma vida de
abusos paralela, poderia realmente amar a mulher pela qual pagou e reconhecia
ter mantido em cárcere privado era algo além das possibilidades.
- Ele sabe que manter Bia sua refém
emocionalmente é a melhor estratégia para livrar-se das acusações no tribunal e
ganhar a opinião pública. – No momento era só nisso que conseguia crer.
- Cuidado para não se chocar demais,
caso descubra que não é bem assim. – Lembrou Miguel, que chegou discretamente
às suas costas.
- Não acha fantástica demais a
história do homem que se apaixona pela prostituta e a torna sua mulher?
- Acho. Mas a da policial que se
envolve com o investigado não é menos surpreendente e aqui estamos nós, com
Benício de prova para quem duvidar da possibilidade.
Quanto a isso Liz não podia
argumentar. Sim, amores impróprios surgiam nos corações humanos e eram
responsáveis por mudar as pessoas. Talvez a vida policial fosse responsável por
endurecer tanto os seus sentimentos a ponto de torna-la incrédula.
- Tenho medo dele usar Bia e depois
que ela não lhe for mais útil acabe descartando-a. Bia está muito frágil, ela
pode ser destroçada por ele. E isso não posso permitir.
- Talvez você não tenha escolha a
não ser deixar que a vida siga o seu curso. Tente agradecer a Deus o fato de
Beatriz ter voltado a ocupar a sua casa. Muitas irmãs e mães de mulheres que
vivem o drama de Bia não terão a sorte de reencontrá-las.
Liz sorriu para o marido e o puxou
para um abraço.
- Quando foi que meu marido se
tornou tão sábio?
- Não é sabedoria. Você analisaria
as coisas da mesma forma, caso não estivesse emocionalmente envolvida.
- É, pode ser. É que depois de viver
tantos meses esse inferno, tudo o que eu espera era abraçar Beatriz. Mas ela
parece ainda muito presa a esse homem. Não é a irmã que me tomaram.
- Você também talvez não seja a
mesma da qual ela se lembra. E não é de Benício que falo. Foram meses muito
duros para todo nós, é claro que todos estamos mudados. – Ele a beijou antes de
voltar a falar. – Eu, por exemplo, só fiz te amar mais depois que você
conseguiu me perdoar.
- Eu tentei ficar sem você, mas não
consegui. – E ela desejava que esse não fosse o caso de Bia. – Eu só não quero
que ela sofra.
- Fique ao lado dela...e tente não
ficar muito nervosa. Benício já teve emoção demais. Vou sair para deixa-las a sós.
- Você mora aqui Miguel, não precisa
sair.
- Vamos colaborar para que Bia se
habitue de volta ao lar. – Ele precisava dizer algo desagradável. – E eu vou
visitar Catarina.
- E a mãe de Catarina também...está
bem, vá lá. Só mantenha o juízo. Matt e Paty devem chegar logo com Eva. Acho
que fará bem a Bia.
- Está bem. Só tentem não brigar.
Elas provavelmente voltariam a velha
discussão. Só não o fizeram porque olharam no olho uma da outra apenas quando
Matt chegou. E ele não chegou sozinho. Estava acompanhado de Eva, que
estranhava a única pessoa da qual não tinha lembranças recentes e a que mais a
amava em todo o mundo. Sem saber como agir, Bia chorou vendo a filha
esconder-se no pescoço de Matt com medo de sua mãe. Nada poderia doer mais.