Dias se passaram sem que Ariella
pudesse relaxar. A palavra dos médicos não tranquilizava. Eles preferiam não
arriscar manifestações definitivas. Ninguém afirmou que Diego perderia a vida.
Tampouco manifestavam algum otimismo. E esse desconhecimento de informações
confiáveis tornava tudo ainda mais doloroso. Estranho também era não ser qual
posto ocupava na vida de Diego naquele momento. Há poucos dias teria dito ser a
ex-mulher dele, alguém de um passado distante e pouco importante na sua vida.
Hoje...não podia mais afirmar isso. Não quando o viu lhe oferecer o mais doce dos
sorrisos e o mais amoroso olhar.
Junto da avó de Diego, Ariella se manteve
sempre próxima do homem que tanto mudou sua vida. Marcou-a na juventude e, tão
recentemente, trouxe luz ao seu coração. Em momentos de solidão na cabeceira de
sua cama, quando apenas o bipe repetitivo das máquinas lhe traziam a
esperançosa notícia de que Diego seguia lutando pela vida, Ariella refletiu e
tentou compreender os percalços que a história deles já tinha passada. Muito do
que originou a história deles nem mesmo eles sabiam. Se Afonso não tivesse
entrado na vida de Ramón e Silvana décadas atrás, Diego não teria crescido sem
o amor da mãe, em meio ao ódio do pai e nutrindo rancores pela família Amaral.
- Você poderia ter sido tão feliz se
meu pai não tivesse entrado em sua vida. – Julgando-se sozinha, ela afirmou
enquanto acariciava os cabelos dele.
- Talvez. Respondeu Anita. – Ela
havia entrado discretamente. – Mas ele não teria conhecido a única mulher que
verdadeiramente amou. Posso apostar que meu neto não mudaria esse fato em sua
vida. Apesar de desejar apagar muitas das suas atitudes.
Anita presenciou a dor de seu neto
por toda a vida. Primeiro por crescer no rastro de sofrimento deixado por
Afonso Amaral na família Bueno. Depois por, ainda na imaturidade, não saber
lidar com a própria dor, realizou uma série de besteiras. Cometeu crimes que
poderiam ter lhe colocado atrás das grades. E recebeu castigo ainda mais duro.
Foi condenado a assistir e assumir a culpa pela dor de quem descobriu amar. E o
fato de Ariella ter lhe dado as costas sem conseguir oferecer o perdão piorou
sua dor. A melhora dela no Brasil, festejada por ele na Espanha, não amainou o
sofrimento.
- Vá descansar, meu bem. Eu fico com
meu neto enquanto você vai em sua casa. Fique tranquila. – Disse a senhora,
ansiosa por ver o neto manifestar alguma reação.
Assim, nesse revezamento, mais uma
semana se passou. Os ferimentos físicos pareciam estar sarando. A cirurgia
tinha sido bem realizada e tudo indicava que o fígado e pulmão atingidos seriam
capazes de superar o ocorrido. A situação mais grave, do fígado, ainda gerava
mais cuidados já que parte do órgão foi perdido.
- Mas quando acordar, com o devido
acompanhamento, ele terá plenas condições de uma vida normal. Fiquem
tranquilas. – O médico repetia a cada relatório.
O ‘acordar’ era a principal preocupação.
Ao que parecia, uma grande mescla de fatores mantinham Diego adormecido. E esse
quadro poderia prosseguir assim por muito tempo. Ou até mesmo jamais se
alterar. Ao que a equipe médica dizia, Diego sofria com a fraqueza de uma
intensa perda de sangue, além de ferimentos graves e um choque muito grande.
Inicialmente, eles lhe deram medicamentos fortes para mantê-lo em coma forçado.
Mas esses já haviam sido cortados há muito tempo. E ele não manifestara nenhuma
mudança no quadro.
- Ele parece ter se desliga do
corpo. – Comentou uma enfermeira para então se calar diante das lágrimas de
Ariella.
Assistindo tudo de longe, Dulce e
Murilo preocupavam-se muito com Diego. Mas, sobretudo, temiam por Ariella. Ela
parecia dissolver-se à beira do leito do ex-marido. Naquele ritmo, quando ele
acordasse Ariella estaria desfalecendo. Com Diego melhor ou não, ela teria de
aprender a reerguer-se. Já tinha feito isso uma vez, por isso Dulce tinha fé
que a amiga saberia tirar forças do próprio interior para não entregar-se a
dor. Murilo tinha, ainda, preocupações profissionais que por mais desprezadas
que fossem naquele momento, precisam do olhar de alguém. Diego construiu uma
empresa de sucesso internacional e era o seu dever zelar para que nada perdesse
seu valor enquanto o proprietário se recuperava. Com Diego hospitalizado e ele
preso ao Brasil em função de seu estado de saúde, os hotéis começavam a ser
deixados de lado.
- Sinto muito, Dulce. Mas terei de
fazer algo. – Avisou a esposa, sabendo que ela ficaria com Ariella. – Embarco
amanhã para Europa e depois para Ásia. Visitarei todos nossos empreendimentos,
passando tranquilidade para as equipes locais. Há um temor que hotéis serão
vendidos e demissões ocorrerão caso Diego não saia do coma.
- Ele vai sair! – Dulce respondeu.
- Eu confio tanto quanto você. Mas
minhas camareiras nem tanto. E os hospedes não podem ser afetados por esse
clima de indecisão que paira sobre a empresa.
- E os hotéis da América? – Ele
falou apenas em Europa e Ásia, mas Dulce sabia que ao menos cinco países da
América Latina e do Norte contam com empreendimentos da Rede de Diego.
Essa era outra questão a ocupar o
pensamento de Murilo nos últimos dias. Ele jamais conseguiria dar conta de
tudo. E o terceiro na hierarquia da empresa não estava pronto para tal papel. Isso
porque, segundo o que o próprio Diego sempre acreditou e praticou em seu negócio,
em momentos de dificuldade, eram os proprietários do negócio que deveriam
assumir a frente das decisões. E a Buenos Hotéis possuía três proprietários.
Diego, com 80 % da empresa; ele que no decorrer do tempo comprou 5% e recebeu
outros 5% de presente do fundador; e Ariella, a quem Diego fez questão de
entregar 10% da empresa quando do divórcio.
Ela não quis e jamais assinou a
documentação para tal. Porém, Diego sempre manteve esse desejo firmemente
divulgado entre a diretoria da empresa. Seu nome, de forma extra-oficial,
aparecia em cada balanço fiscal. Havia uma conta milionária que guardava e
investia lucros que Ariella jamais aceitou usar. A verdade, porém, é que se
alguém tinha o direito de opinar e o dever de fazer algo pela empresa, esse
alguém é Ariella. Ele explicou tudo isso a Dulce. E foi conversar com Ariella,
que ouviu tudo surpreendendo-se e revoltando-se mais a cada ponto.
- Diego perdeu o juízo que nunca
teve. Só pode! – Exaltou-se. – Como eu posso ser dona de uma empresa que jamais
conheci? Sou uma artista! Não entendo nada de hotelaria nem de administração.
- Não exagere, Ariella. Você vem
gerenciando uma carreira de sucesso. E isso é administração também. Além disso,
Diego não cometeu crime nem loucura alguma. Ele apenas deseja que, caso algo de
ruim lhe acontecesse, você ficasse amparada por toda a vida. Ele sempre soube
que você tinha recursos vindos do seu trabalho...mas como marido – ele sempre
se considerou assim – tinha responsabilidade por você.
- Isso é loucura!
- Pode ser. Mas é preciso que você
saiba que... eu nem sei se Diego me permite te contar isso...
- Agora fale de uma vez! – Ariella estava
irritada demais para segredos.
- É que...você precisa saber que se
por acaso Diego vier a falecer, algo que todos desejamos evitar, mas se
ocorrer...você é praticamente a herdeira universal da Rede Buenos. O testamento
de Diego, e eu servi de testemunha, lhe dá 80 % de tudo o que ele tem. O
restante é da avó. E, caso, dona Anita já tiver falecido quando do testamento
entrar em vigor, você passa a receber 100%. Ou seja, Ariella, pode não querer
se envolver na empresa agora, mas saiba que um dia ela será sua.
Era informação demais para ser digerida
por Ariella sozinha, sem aconselhamento e, ainda pior, num momento em que sua
cabeça estava cheia de outras preocupações. Queria poder devotar-se apenas a
cuidar de Diego, mas isso era impossível. Tinha inúmeras responsabilidades que
não podiam esperar por ele acordar. Além das informações trazidas por Murilo,
Dulce lembrou-a de algo que, na verdade, não havia esquecido. Tinha uma exposição
marcada para ocorrer em Londres nas próximas semanas e não poderia deixar de lá
estar. Depois, suas obras iriam para Paris e Milão, antes de voltarem à América
e serem exibidas na Cidade do México. Tudo isso levaria cerca de 45 dias, com
poucos dias de intervalo entre um país e outro. E com obrigações contratuais,
largar tudo seria irresponsabilidade. Anita, percebendo seu desespero, foi
aconselhá-la.
- Faça o que seu coração mandar. Meu
filho, quando acordar, ficará magoado se souber que lhe forçou a tomar qualquer
atitude. Tudo o que ele sonhou foi tê-la por livre vontade e felicidade. – A velha
senhora lhe afirmou.
Depois de dois dias pensando,
Ariella tornou-se mais serena e convicta de sua decisão. Chamou a todos os
envolvidos e comunicou o que decidira.
- Sou uma artista. E muitas pessoas
esperam por minhas exposições. Equipes estão contratadas para trabalhar e não
posso simplesmente cancelar. Irei cumprir meus contratos e cada intervalo,
mesmo que de míseros dias, voltarei para ver Diego. Tenho certeza que ele
compreenderá assim que acordar, o que não demorará. – Explicou em poucas
palavras.
- E quanto aos hotéis? – Murilo questionou.
Pela resposta de Ariella havia adiado sua viagem e a situação na empresa exigia
ações urgentes. – Já estamos há duas semanas sem nosso presidente.
- Eu sinto muito, Murilo. Mas não me
sinto capaz de ajudá-lo. Não estou interada dos negócios. O que posso é lhe dar
total liberdade e apoio nas decisões. Somente você é capaz de representar Diego
em suas decisões empresariais. Tenho certeza que essa é a resposta que ele
esperaria de mim.
- Se é o que prefere. Peço apenas
que fique hospedada em nossos hotéis durante sua turnê, circule por eles e
tente transmitir tranquilidade. Temos que passar a ideia de que tudo prossegue
igual ao que era até que Diego reassuma a empresa.
- Farei isso. – Ela aceitou.
A despedida fora silenciosa e
emocionante. Ficou alguns minutos conversando com Diego. Torceu para que ele
abrisse os olhos e lhe pedisse para não viajar, para seguir ali, junto dele. E
assim ela teria a desculpa perfeita para ficar aonde estava. Mas não aconteceu.
E o relógio lhe disse que deveria ir para o aeroporto. Lá, a última pessoa a
abraçar foi Dulce. E, como sempre, a amiga, lhe tinha algo especial a dizer.
- Você, finalmente, deixou o passado
para trás, minha amiga. Só agora eu vejo esse brilho sincero nos seus olhos.
- Bobagem. – Ariella tentou não dar
atenção. – O passado segue sempre com a gente. Pela vida toda.
- Mas agora ele não mais te amarra.
Você está mais viva, Ariella. Está determinada a ser feliz. Está até mais bonita...só
falta...
- Falta Diego acordar. – Ela sentiu-se
mais leve após dizer em voz alta o que seu coração sussurrava há tantos anos. –
Se ele acordar bem, seria feliz.
- Ele acordará, tenho certeza. E vai
gostar de vê-la bem, vê-la bonita. Está na hora de arrumar o seu cabelo, está
com a raiz aparecendo.
- Com isso tudo, não tive tempo de
ir retocar a tintura.
- Pois não devia retocar! – Dulce gritou.
– Deveria pintar de ruivo e deixar o seu cabelo natural voltar. É essa Ariella,
liberta, feliz e...e ensolarada que Diego deseja reencontrar.
Foi com essa provocação no pensamento
que Ariella chegou em Londres. No momento em que desembarcou, a primeira
capital europeia a receber a sua mostra artística em anos tinha o céu nublado
que lhe era habitual. Por dentro Ariella sentia-se em tempestade. Eram muitos
sentimentos misturados, tantos que ela não sabia como se portar. A última frase
de Dulce ainda lhe martelava a mente. E quando olhou-se no espelho percebeu que
aquela Ariella de cabelos negros e olhar triste já não a representava. “Mi sol”.
O apelido que Diego lhe dera, sempre esteve ali, escondido em seu peito. Agora
desejava sair das sombras. Ela tomou coragem e pediu que a recepcionista do
hotel lhe indicasse um salão de beleza. Dois dias depois, quando entrava
triunfante na inauguração de sua exposição, exibia cabelos vermelhos e
chamativos.
De cabeça erguida, apresentou seu
trabalho, recebeu a imprensa especializada e agradeceu aos elogios. Com tato,
fugiu de perguntas pessoais e orientou aos assessores que afastassem aqueles
que insistissem em lhe perguntar a respeito de Diego, sua situação de saúde ou
qualquer questão que não fosse artística.
Assim que a exposição saía de
cartaz, enquanto tudo era montado em outro espaço, voltava ao Brasil. Não
importava se ficaria muitos dias entre vôos longos para então passar pouquíssimo
tempo junto de Diego. Pensava apenas que precisava ficar ao seu lado e incentivá-lo
a abrir os olhos.
- Estou aqui. Acorde, por favor. –
Repetia sem parar.
A cada vez que veio ao Brasil,
porém, os amigos notavam uma maior fragilidade em sua aparência. Ariella estava
se desgastando muito e isso começou a preocupar seriamente. Passava mal com
certa frequência, tinha perdido peso, não comia e apresentava profundas
olheiras sob os olhos. O que a maquiagem escondia nos eventos oficiais, aparecia
a quem via a verdadeira Ariella.
- O que você tem, minha querida? –
Anita questionou em uma de suas rápidas vindas ao Brasil. – Faz mais de um mês
que você não para de viajar, está magra demais, com aparência adoentada.
- Estou me sentindo mal. Acho que
estou com a imunidade baixa e uma gripe não quer me largar. Não paro de
vomitar. Mas ficarei bem. Logo as exposições terminam, Diego há de acordar bem.
E tudo voltará ao normal.
É nisso que ela confiava. Por isso
levantava-se da cama a cada manhã, por mais difícil que fosse, ligava para o
hospital da onde estivesse apenas para saber de uma mínima melhora de Diego e
então fazia suas orações por uma melhora. Quando completou dois meses de internação
hospitalar, fraquejou. O desânimo tomou conta de seu coração. E o corpo sofreu
ainda mais. No México sofreu um desmaio. E o médico local a indicou mais
repouso, além de pedir alguns exames. Exames que ela optou por não fazer.
- Estou preocupada com você,
Ariella! – Dulce lhe disse ao recebê-la de volta, no hospital do Rio de
Janeiro.
- Assim que Diego melhorar eu me
recuperarei.
Ariella então não mais viajou e
voltou a dedicar seus dias e noites a ficar junto do “namorado”. Era assim que
resolvera denominar a relação deles, mesmo sem muita convicção. Quando ele
acordasse poderiam resolver definitivamente o que eram um do outro. Curiosamente,
quando ele – finalmente - começava a dar sinais de que abriria os olhos,
movimentando as mãos no leito e apresentando um batimento cardíaco mais
intenso, ela parecia ter a saúde ainda mais debilidade.
- Basta! – Dulce disse. – Você vai a
um médico! Está num hospital, droga! É só consultar e ver o que tem.
- Não estou doente! E não irei a
lugar algum. – Ariella respondeu.
- Eu também acho que não está
doente. E já esperava a resposta. Por isso trouxe um teste que você pode
realizar aqui mesmo no banheiro!
Ariella demorou a entender a que
Dulce se referia. Mas, quando leu a embalagem que ela lhe estendia, um ponta de
esperança cresceu em seu peito. Grávida. Dulce desconfiava que ela estava
grávida. E se voltasse no tempo e lembrasse dos acontecimentos frenéticos de
oito semanas atrás, essa possibilidade parecia bem real.
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