O tempo
ia passando, cumprindo seu papel de sarar feridas, disfarçar angústias e deixar
dores no passado. Diego e Ariella aos poucos iam aprendendo a conviver. Experimentavam
uma vida nova, com suas dificuldades, mas totalmente diferente da experimentada
há 10 anos. Primeiro porque naquela época, além de muito jovens, eram também
movidos pelos sentimentos errados. Ele era comandado pela vingança. Ela por
sonhos irreais de uma menina que ainda não conhecia bem o mundo.
Agora
era diferente. E ambos estavam prontos para lutar pelo que desejavam, de
verdade, sem interferências, sem aceitar palpites que não os vindos do próprio
coração. Hoje eles se compreendiam um pouco melhor e conheciam as razões um do
outro para suas ações, mesmo aquelas as quais não concordaram. Diego sabia o
quanto seu depoimento à polícia incomodava Ariella, sobretudo por ele não
esconder sua certeza de que Afonso era, de alguma forma, o principal culpado de
tudo o que ocorria. Mas ela não podia, nem tentaria impedi-lo de falar à
polícia.
- Meu
pai é..difícil, eu sei. O que ele disse no hospital foi horrível. Mas não pode
ter sido ele. Afonso é meu pai... – Ariella afirmava sempre que falavam no assunto.
- Ele
também é alguém de tudo por dinheiro. E parece estar mais desesperado ainda. –
Diego sempre reafirmava. – Se ele tivesse vindo apenas atrás de mim, poderia
pensar em ignorar o fato e, pelo seu bem, deixar passar todo o horror que foi
aquela noite. Mas ele colocou você e o nosso filho em risco e isso eu não
relevarei.
O
depoimento ocorreu poucos dias após eles estarem instalados de volta à casa de
Ariella à beira mar. Ela não o acompanhou, já tinha falado as autoridades e
estava certa do furacão que tumultuaria sua vida após aquele depoimento. Diego,
acompanhado de um representante legal, contou a sua versão dos fatos. Como já
esperava, suas acusações, extremamente graves, precisaram de uma grande
argumentação. À frente do delegado, foi obrigado a voltar mais de três décadas
no tempo e explicar o início daquela história do ódio que unia e afastava as
famílias Bueno e Amaral.
- O
senhor está afirmando que Afonso Amaral, pai de sua ex-exposa, seria
responsável pela invasão a casa da própria filha? E isso tudo por uma desavença
com o senhor, iniciada há muitos anos? Não acha essa história um pouco
fantasiosa? – O policial demorou a aceitar o que Diego contava.
-
Não, nenhum pouco. E o senhor entenderá o por quê. Permita-me iniciar pelo
começo.
Ele
contou mais do que gostaria, para manter a própria privacidade. Afinal, não
tinha dúvidas de que aquela história muito em breve atrairiam a atenção da
imprensa. Era uma história fantástica demais para não ganhar ar revistas. Com o
mínimo e detalhes possível voltou no tempo e contou a história de seus pais. E
a entrada de Afonso Amaral na vida da família.
-
Meus pais viviam um casamento normal, com dificuldades. Afonso aproveitou-se da
fragilidade de minha mãe para envolver-se com ela lhe tirar dinheiro. Isso culminou
com uma tragédia familiar, um acidente de carro no qual minha mãe faleceu.
-
Desculpe, senhor Bueno. Mas não entendo como algo da sua infância pode ter
ligação com o assalto sofrido recentemente pela sua namorada.
-
Você entenderá, policial. Deixe-me explicar. Eu e minha namora fomos casados,
por um breve período, há 11 anos. E nosso relacionamento também teve um final
trágico, também com um acidente de carro.
- Uma
triste coincidência. – O delegado agora já estava mais curioso do que desconfiado.
Havia algo de estranho naquelas coincidências.
- A
coincidência mais está no fato de Afonso tentar lucrar em cada um desses
momentos. Dessa vez ele não conseguiu, porque sua filha negou-se a pagar.
A
história era fantástica demais. O que a tornava mais possível ainda, a
experiência lhe ensinou. Naquele instante ele estava disposto a embarcar na
fantasia de Diego Bueno, depois a investigação lhe diria o quanto de realidade
existia ali.
- E
qual a sua teoria, senhor Bueno?
-
Ainda não está claro o bastante, delegado? Afonso Amaral está falido, a filha
lhe nega dinheiro desde o dia que ele tentou extorqui-la aproveitando-se de um
momento de fragilidade médica. Ele resolveu roubar o que ela tinha na
casa...talvez forjar um sequestro. Minha equipe de segurança tem informações
que dão conta de uma funcionária da casa facilitar o crime. Era para ocorrer no
Carnaval, com Ariella sozinha na casa. Mas eu vim passar o feriado ao seu lado.
E nós sabemos como terminou.
-
Pode ser que o senhor esteja certo. Mas até agora, são só suposições.
-
É...mas eu estou certo de que, com algumas investigações, provas podem surgir.
Aos
poucos Diego entendeu que otimismo não era uma boa ideia. Os dias foram
passando. A saúde dele foi se fortalecendo. A gravidez avançando. E o
relacionamento deles melhorando a cada dia. Mas a polícia não chegava a nenhuma
conclusão. Ao que parecia, Afonso seguia na Argentina, falido e tentando
recuperar seus negócios. Inocentemente, os idiotas acreditariam. Por isso
Diego, às costas de Ariella, iniciou uma investigação privada. Se prendê-lo não
era possível, ao menos queria estar pronto para revidar o próximo golpe.
O que
mudou, e muito, com o passar das semanas, foram os desejos de Diego. Eles
estavam bem no Brasil. Sentiam-se seguros. Estavam felizes. Mas algo passou a
crescer no peito de Diego. A administração de todos os seus negócios estava em
Madri. A maior parte de sua vida estava lá. Nem por isso, pensava em largar
Ariella ali e retomar sua vida. Se necessário, nunca mais deixaria o Brasil.
Mas
não precisava ser assim. Ariella é uma artista. Retrata o que vê e o que sente
em belíssimas telas. Pintar no Brasil ou na Europa não faria diferença. A
própria Ariella, por diversas vezes na última década, rodou pelo mundo expondo
e produzindo a sua arte. Porém, a ideia de voltar para a Espanha
definitivamente, não apenas passava longe da mente de Ariella como ela
rechaçada ao primeiro comentário.
-
Nunca morarei lá. A Espanha foi...muito sofrida para mim. Não desejo voltar
nunca mais. – Ela lhe afirmou quando Diego arriscou questionar claramente os
seus desejos.
-
Você já esteve lá, Ariella. Expos suas obras, fez sucesso, recebeu aplausos.
Suas obras fizeram a felicidade dos críticos especializados. Não pode odiar
tanto assim o meu país.
- Foi
apenas uma passagem rápida! Não morar!
- Mas
morar seria tão doloroso assim?
-
Sim! É impensável! – Ela reafirmou, e Diego se calou.
Na
semana seguinte ele sequer pensou em tocar novamente no assunto e tentou fingir
não estar magoado. Não se tratava de frustração pelo não retorno à Europa. Se
os motivos de Ariella fossem outros, estaria tudo bem. Mas o mal que ele lhe
fez a gerar a aquela reação. Ariella foi tão infeliz na Espanha que seguia
traumatizada até hoje, mesmo tantos anos depois. Ela ficara com cicatrizes bem
mais marcantes que as da perna e, muito provavelmente, tão profundas que jamais
desaparecerão.
Quando
tentou vingar-se de Afonso e feriu sua filha, física e emocionalmente, esperava
machucá-la. O sofrimento dela fora milimetricamente planejado e conquistado.
Quando ela chorava, ele deveria sorriu. E foi assim. Na época, ele se sentira
realizado em fazê-la sofrer. Agora essa dor lhe era atirada na cara, lembrando
que certos pecados não são perdoados nem apagados pelo tempo. Nada apagaria o
que ele fez a Ariella. Lhe restava tentar lhe fazer feliz. E deixar o
sofrimento no fundo do coração dela, atrás de momentos felizes.
Talvez,
a única alternativa para eles naquele momento estivesse em tirar Afonso de suas
vidas definitivamente. Se isso não ocorresse pelas mãos da justiça, que fosse
por ações particulares. Um encontro, cara a cara com Afonso, era iminente.
Nenhum dos dois estava interessado em esquecer o ódio que despertou no outro.
Talvez, Diego agora passava a pensar, somente com a destruição de Afonso, ele e
Ariella conseguissem recomeçar.
Essa
destruição não viria da morte, nem mesmo da decadência financeira. Ele
precisava de justiça. Ou jamais se sentiria completo. Ligou para a única pessoa
que poderia ajudá-lo. O investigador que no passado conseguiu dados muito
íntimos de Ariella agora seria encarregado de descobrir o que Afonso escondia
do mundo.
-
Está bem. – O homem aceitou. – Não deve ser difícil. Ele tem uma medida
judicial que o impede de sair da Argentina.
-
Sim. Mas ele tem braços fora de lá. Não subestime-o. Afonso está aprontando
coisas à sombra a lei. Eu não tenho dúvida.
- Ok,
ficarei atento.
Diego
estava certo. Afonso poderia estar preso na Argentina. Mas seus “braços”
criminosos estavam pelo mundo. Naquele momento um deles apertava a campainha de
uma simpática vovó em Madri. Afonso também resolverá mudar os planos. Agora
atacaria outra pessoa muito amada por Diego.
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