O dia
que amanheceu carrancudo e cheio de nuvens de chuva prometia tempestade para
qualquer hora. Apropriado, pensou Elizabeth. Por um pedido de Miguel, que
desejava evitar discussões, ela não conversou com Beatriz na noite anterior.
Sabia que a irmã havia sofrido de um mal estar enquanto visitava o namorado na
cadeia, a ouviu chegar e ir para o quarto, mas nada fez.
- Agora pela manhã nós vamos falar, não há como fugir.
- Eu
sei. Mas que seja com calma, como irmã e não como inimigas. Seja paciente com
Bia. Ela passa por um momento difícil, além disso, Benício não aguenta mais uma
mamãe tão estressada. – Miguel lembrou, antes de beijá-la e sair. – Procure
ficar em casa descansando.
Ela
até desejava, mas seus planos mudaram após o café da manhã junto de Beatriz.
Elas não entraram na repetitiva discussão a respeito do caráter de Sebastian.
Mas falaram do futuro. E isso obrigou Liz a tomar uma atitude.
-
Está melhor? – Ela perguntou à irmã assim que se sentaram à mesa de café.
-
Vejo que as fofocas correm na polícia tanto quanto numa redação de jornal.
- Eu
tenho amigos. E eles se preocupam comigo e também com você. Não precisa ser
agressiva. – Elizabeth respondeu, preocupada com o quanto, mesmo vivendo
juntas, elas estavam afastadas. – Você está doente?
- Foi
só minha pressão. É natural, em meio a tantos problemas.
- Tem
certeza que é só isso? Quando me falaram eu temi...bom fiquei receosa que o
desmaio fosse...fosse causado por...
- Eu
não estou grávida. – Bia foi mais direta que a irmã, algo raro entre as duas. –
Eu fiz uma injeção cuja ação é muito eficiente. Eu e Sebastian talvez um dia
teremos um filho, mas não em meio a essa situação.
-
Sim, é claro. – Ela se mantinha firme na ideia de manter uma relação com seu
comprador. O que significava que o protegeria no depoimento. Mas Elizabeth
tinha uma última munição para usar e estendeu uma foto à frente da irmã. – Você
lembra quem é essa pessoa?
Beatriz
jamais se esqueceria daqueles olhos fortes e já um tanto feridos. Só que agora
ela já não estava tão distanciada daquela bela morena, que devia ter perto de
cinquenta anos. Quando se conheceram havia um oceano as separando. Hoje estavam
lado a lado.
- É
claro que me lembro. É Naná. – Bia respondeu.
Conhecera
Naná ao procurar por pessoas envolvidas com o tráfico humano dispostas a falar.
O contato surgiu de repente. Ela soubera através de uma conhecida que havia uma
jornalista interessada em ouvir as histórias por trás da vida em cativeiro.
Estranhamente, Naná não trazia medo no olhar. Sofrimento sim, e muito. Mas
parecia pronta para lutar a próxima batalha. Naná não pediu para ter seu nome
ou imagem preservadas. Se disse disposta a expor-se pela chance de lutar por justiça.
E afirmou que essa só viria quando o mundo soubesse o que ocorria com quem era
levado de sua família para a prostituição forçada.
-
Naná me procurou enquanto você esteve fora. Ela ficou sabendo pela mídia o que
aconteceu e veio prestar solidariedade. Disse que acreditava em você tinha
certeza que tudo se resolveria. – Elizabeth explicou. – Tenho certeza que Naná
está acompanhando pelas revistas esse enredo mexicano seu com Sebastian
Gonzáles.
-
Porque você está dizendo isso? – Beatriz encarava a foto lembrando-se de toda a
conversa tida com a mulher. Parecia que uma vida inteira havia se passado desde
então, não alguns meses.
-
Você sabe muito bem. Estou te apresentando um exemplo claro de como o seu
depoimento irá impactar na vida de muita gente. Não se trata apenas de
Sebastian, Bia. Se escolher mentir, irá proteger uma série de criminosos e
decepcionar centenas, ou milhares, de brasileiros como Naná. Gente que precisa
de justiça pelo que sofreu. Quantas mães sabem que as filhas não voltarão
porque morreram na Europa, nas mãos de gente como Gabriela e Sebastian? O pais
de Will, por exemplo, ainda choram a morte do filho, sem nem mesmo entender o
que se passou.
-
Pare de me torturar! – A pressão estava acabando com Beatriz. De um lado
Sebastian, do outro Elizabeth. Ele vencia pelos sentimentos, ela lhe ganhava na
justiça dos argumentos.
- É
para o seu bem. Eu lhe conheço, minha menina. Sei que se você mentir agora, não
irá se perdoar depois. Conheço a sua índole. Eu lembro bem da menina que entrou
na faculdade querendo mudar o mundo e saiu de lá confiante em pelo menos poder
denunciar o que estava errado. Se Sebastian realmente a amasse, ele não pediria
para você ir contra o que acredita.
- Ele
não pediu Liz. – E talvez, caso ele tivesse lhe pressionado, fosse mais fácil
condená-lo a cadeia. – Eu vou pensar no que fazer para ser mais justa. E você
poderia também ser justa e ao menos ouvir Sebastian. Você sabe que todos têm direito
a defesa.
Beatriz
saiu sem explicar para onde ia. Elizabeth imaginou que ela iria se isolar para
tomar as próprias decisões. Agora não havia mais o que fazer, a não ser esperar
que a irmã agisse com sensatez. Agora teria outra conversa difícil. Dessa vez
seria obrigada a ouvir Sebastian e lhe dar uma chance de se defender. Não que
quisesse. O faria apenas pelo pedido de Beatriz.
Ela
não deveria poder encontrar com Sebastian. Ele já tinha recebido a visita de
Beatriz e do seu advogado. Mas, às vezes, era necessário fazer uso das
facilidades trazidas pelo distintivo. Ela foi abraçada pelo chefe da
carceragem, que lhe perguntou para quando era aquele grande bebê e lhe garantiu
que podia conversar com o preso por quanto tempo julgasse necessário. Ao que
parecia, Gonzáles, como ali Sebastian era chamado, mantinha-se calado a maior
parte do tempo, sem interagir com ninguém, seja dos presos ou da guarda. O
único pedido feito até o momento foi de notícias a respeito da namorada.
Tudo
levava Elizabeth a visualizar um homem que nada tinha com o Sebastian imaginado
por meses. Quando enfim ficaram cara a cara, ele lhe pareceu um homem abatido,
com os ombros um pouco mais pesados, porém, com a mesma provocação sempre carregada
no olhar. Era como se ele a desafiasse a cada respiração.
-
Queria me ver. Aqui estou, Sebastian. Espero que tenha algo de importante para
me dizer. – Ela lhe disse sentando-se à sua frente.
Sebastian
encarou aquela mulher, tão parecida e tão diferente de sua Beatriz, e viu-a
ajeitar-se desconfortavelmente numa cadeira. Não deveria, diante de tudo o que
aconteceu e do ódio que ela sempre manifestou contra ele, mesmo antes dele
saber de sua existência.
- Já
não era sem tempo, não acha? Apesar de você parecer conhecer minha vida muito
bem, nunca tivemos uma conversa olho no olho. Você não me conhecer, Elizabeth.
– Sebastian argumentou.
- E
ainda não decidi se desejo conhecer, Sebastian.
- Eu
acho que nós não temos escolha. Como está Beatriz?
-
Confusa. Você conseguiu lhe confundir o pensamento. Mas ela se recuperou bem do
mal estar de ontem.
-
Fico mais tranquilo em saber. – Ele respirou aliviado e, enfim, pode se
concentrar no que precisava dizer a Elizabeth. - Não pretendo deixar a vida de
Beatriz e ela também quer permanecer na minha. Você ficará longe de sua irmã,
apenas para me evitar?
- É
claro que não. Mas eu ainda tenho esperança de que ela caia na real e veja que
a ideia de atar-se a um homem capaz de comprar mulheres é vergonhosa. Mas
sejamos objetivos, Sebastian. Queria me ver e aqui estou eu. É sua chance de
mudar meu pensamento.
Sebastian
tinha uma última cartada. Mas a postura ofensiva de Elizabeth não lhe trazia
boas perspectivas. Tudo o que ele podia, já tinha combinado com seu advogado,
era oferecer à Polícia Federal um acordo em que passaria todas as informações
disponíveis em troca da liberdade, mesmo que vigiada. As chances, Aristeu lhe
adiantou, cresceriam caso conquistasse o apoio da investigadora que, mesmo
afastada oficialmente do caso, esteve a frente dele por anos, era respeitada na
polícia, ainda a comandava e seria decisiva na decisão final do juiz. Além que
pôr fim aquele ódio platônico, precisaria, sobretudo, fazê-la acreditar no que
ele falava e lhe provar ter intenção e condições concretas de ajudá-la a
colocar fim a todos os braços daquela quadrilha. E, principalmente, prender
Gabriela Alencastro.
-
Você pode não acreditar, Elizabeth, mas eu sou um dos grandes interessados em
ver tudo esclarecido. Mesmo sabendo que esse esclarecimento afetará a minha
família e os meus negócios gravemente. Ainda assim, eu estou disposto a pagar o
preço.
- Por
quê? Até agora o seu discurso está lindo, Sebastian, mas não explicou o que
faço aqui. E vamos deixar claro que ‘é irmã da mulher que eu amo’ não colará.
Seja claro, sim? Meu filho pode nascer a qualquer momento e eu não desejo estar
aqui na prisão.
-
Sinto muito, mas sim, você é a irmã da mulher que eu amo. E cada minuto que
você passar aqui valerá a pena porque, esse caso, que fez nossas vidas se
cruzarem, é muito especial para você. E...
-
Objetividade, já falei...
- É
claro. – Apesar da seriedade do momento, Sebastian estava achando graça dela. –
Eu usei serviços sexuais em muitas cidades da Europa, por anos. Conheci boates
de todos os tipos e era um cliente vip em muitas. Você deve entender por que.
-
Abusou de mulheres por anos, usando do seu dinheiro sujo para subjugá-las.
Ótimo. Era para eu gostar da informação?
- Em
primeiro lugar, meu dinheiro é limpíssimo, conquistado com anos de trabalho
duro. E sim, algumas dessas mulheres podem ser oriundas de tráfico. Mas muitas
estavam bastante felizes em alugar o prazer de seus corpos por valores bem
satisfatórios. Eu simplesmente não me preocupava em distinguir os casos. Usava,
pagava e mandava embora. Simples.
-
Usou Beatriz! – Liz deseja ser impessoal, mas não conseguia.
-
Sim. E ela gostou. – Sebastian ergueu a voz. – Mas não me orgulho disso. E
pretendo remediar isso.
- Tem
10 segundos para explicar claramente como. Depois eu saio dessa cela e não
volto nunca mais.
-
Onde você acha que Gabriela está, Elizabeth? Você é uma mulher
inteligente...duvido que não tenha feito deduções interessantes.
-
Está dizendo que sabe onde Gabriela Alencastro está se escondendo? – Agora
Elizabeth interessou-se. – Fale!
- Não
exatamente...mas eu tenho boas dicas para lhe passar, caso, é claro, a polícia
esteja interessada num acordo.
- Me
chantagear não é boa ideia.
-
Acordo, Elizabeth. Até porque eu jamais chantagearia minha cunhada e é isso que
seremos assim que eu sair da cadeia e possa pedir Beatriz em matrimônio,
adequadamente.
-
Você é louco!
-
Todo homem apaixonado é um pouco. Mas esse louco aqui pode ajudá-la a ligar os
últimos elos da sua investigação. É pegar ou largar. Eu posso passar a vida na
cadeia enquanto Beatriz sofre e Gabriela segue a vida. Ou posso te ajudar. Meus
10 segundos acabaram. Você vai embora?
O
desafio estava lançado. E por mais que desprezasse aquele homem, Elizabeth
agora via coisas que gostava. Ele realmente parecia nutrir sentimentos por
Beatriz. Além de possuir uma inteligência ágil e ácida, Sebastian parecia
disposto a se queimar para ver Gabriela arder nessa fogueira e, ao menos nesse
ponto, eles concordavam.
-
Continue Sebastian. Você ganhou mais alguns minutos. Mas o acordo só virá caso
você realmente me der elementos concretos. Não pense que irá me enganar. – Ela
estava disposta a oferecer uma chance a Sebastian Gonzáles.
Bia
pretendia passar toda a manhã sozinha, refletindo, antes de dar seu depoimento,
marcado para a primeira hora da tarde. Porém, seu novo celular tocou. E o
número era bem conhecido por ela. Alguém que ela jamais poderia ignorar, seja
em nome de um passado bonito ou da existência do ser mais valioso em sua vida.
-
Rafael...está tudo bem com Eva? – Era estranho agir normalmente, após quase um
ano de afastamento da convivência e dos problemas rotineiros.
-
Muito bem. Encantada com a nova amiga. – Ele Precisamos falar, Beatriz.
Pessoalmente, e agora.
Ela
pensou em negar, mas mesmo dizendo a si mesma que teria de ser um assunto
breve, aceitou ir encontrá-lo no escritório. Por Eva, disse a si mesma,
precisava fazer o possível para viverem de forma amigável. Além disso, Rafael
precisaria entender que muito em breve Eva estaria vivendo com ela novamente.
Era mãe e não pretendia abrir mão desse direito. Porém, ele não parecia
interessado em conversas amigáveis.
- Eu
fico sinceramente muito feliz que todas as previsões policiais tenham sido
falhas e você esteja viva, Beatriz. A notícia na morte do seu namorado e do seu
sequestro foi muito dolorida.
- Eu
imagino... – Ela foi tão sínica quanto ele. Impressionante como o amor da
adolescência empedrou de uma forma tão completa no caso deles, não deixando
nenhum resquício de bons sentimentos. – Foi por isso que tentou impedir Liz e
Matt de conviver com Eva? Tentou nos apagar da vida de minha filha.
- Não
seja dramática. Eu apenas considerei que viver junto a uma investigação
policial não era o ideal. Simples assim. E eu lhe chamei aqui exatamente para
reafirmar isso. Acho que você deve manter distância de Eva por enquanto, até
limpar seu nome e a poeira baixar. Ela não deve ficar no meio disso tudo.
-
Manter distância? Quem você pensa que é para ordenar isso?! – Beatriz
revoltou-se.
- O
pai da sua filha.
-
Mentira! Nunca ligou para sua filha. Não a visitava. Não brincava com ela.
Jamais lhe deu um banho que seja. Só serviu para fazê-la e para pagar pensão.
Então não me venha bancar o bom moço porque eu fiquei um ano fora, mas não tive
amnésia. Vou requerer a guarda de Eva e tenho certeza que ganharei. – Ela
reafirmou, apenas para ver sua expressão mudar de cor.
-
Será mesmo? Qual o juiz tirará a menina mais uma vez do lar? Dessa vez, estando
ela estabelecida com o pai e a avó. E para entregá-la a uma mulher que acaba de
passar um ano se prostituindo na Europa, em boates de péssimo nível e, que,
ainda por cima, claramente defende um homem que a comprou num leilão.
A mão
direita de Beatriz voou sobre a face de Rafael como nunca antes ela havia
feito. O grande anel de pedra que usava chegou a abrir um longo arranhão logo
abaixo do olho. E ela, caso pudesse, teria feito o mesmo do outro lado.
- Me respeite. Não sabe o que eu vivi nesse
ano fora. – Ela lhe avisou, após a agressão. – Eu fui escravizada. Não foi uma
escolha. E você não vai conseguir usar isso para me afastar de minha filha.
- Foi
uma escolha sim! Você escolheu se meter com essa gente para fazer uma
reportagem qualquer. Queria o que? Ganhar uma promoção do jornal? Um prêmio de
jornalista do ano? Pois veja o que conseguiu. Se tivesse ficado em casa
cuidando da nossa filha, não teria sido sequestrada naquela noite.
- Não
sabe o que está dizendo....
-
Caia na real, Beatriz! E pare de se fazer de vítima. Você teve culpa sim, por
não colocar a sua segurança em primeiro lugar. E agora, ainda defende bandido.
– Ele continuou atacando.
-
Sebastian não é um bandido. É o homem que eu amo e quem me tirou do inferno. É
com ele que eu vou formar uma família...com Eva.
- É o
que veremos. Vamos ver qual juiz vai concordar.
Ela
saiu do escritório do ex-marido sem se despedir. Apesar de irritada, não sentia
medo. Era a vítima da história, mesmo compreendendo o argumento ele. Havia se
exposto, é claro. Mas não a condenariam por isso. E se houve algo de bom
naquele ano como escrava, foi o aprendizado deixado. Ela se sentia pronta para
lutar contra adversários bem mais fortes que Rafael.
Seu
ex não passava de um homem imaturo e que jamais deveria ter formado família.
Não quando sua única razão de viver era fazer mais dinheiro. Não tinha dúvidas
de que quando o orgulho parasse de gritar mais alto ele mesmo entregaria a
guarda da filha e assim voltaria a ser um pai de faz de conta, que servia
apenas para bancar alguns gastos da menina e receber o cartão de Dia dos Pais da
escola. Horas depois, calejada e bastante segura, ela estava à frente do
delegado, prestando seu depoimento oficial.
Começou
narrando a noite da morte de Will, mas logo precisou voltar ainda mais no tempo
para relatar sua ligação com as pessoas que a levaram sequestrada. Ao que tudo
indicava, ao contrário da grande maioria das vítimas, ela não fora escolhida ao
acaso.
- Era
uma grande oportunidade profissional. Eu tinha a missão de produzir uma série
de reportagens investigativas a respeito do tráfico internacional de pessoas.
E, para isso, usei informações da polícia.
-
Através de quem, exatamente? – O delegado questionou. – Sua irmã passou
informações privilegiadas?
-
Não. Assim com qualquer jornalista, eu conheço um grande número de policiais. E
lancei mão de meus contatos. E não pretendo, nem preciso, revelar minhas
fontes.
- A
senhorita acredita que a morte de Willian Davis e seu sequestro se deram pela sua
atuação profissional?
-
Não. Se fosse uma represália eu não teria saído viva. Gabriela me manteve viva,
e em cárcere, para manter Elizabeth amarrada em sua própria investigação. E
também para nos infligir sofrimento.
-
Você acusa Gabriela Alencastro de ordenar o seu sequestro?
- Sim.
E de comandar uma quadrilha de tráfico humano para prostituição, além de lucrar
com boates ilegais na Rússia.
Seu
relato prosseguiu com a chegada à Rússia. Gregory e Samantha foram descritos.
Ela confirmou a foto do homem que administrava a boate e descreveu sua amante,
oferecendo todas as condições da polícia tentar localizá-la. Também falou das
vítimas que conheceu por lá, muitas já livres após a polícia estourar o
cativeiro. Apresentou, ainda, as parcas informações de que dispunha a respeito
dos clientes.
- As
garotas não ficavam sabendo de muita coisa. Havia muitos seguranças. – Ela explicou.
Até
que então chegaram ao momento mais temido por ela. Sua saída da boate, após um
leilão ser promovido. Conforme algumas das mulheres que lá estiveram, Sebastian
fora o responsável.
- Elas
o descreveram como um homem violento, agressivo e que muda de comportamento
rapidamente. Disseram que Sebastian Gonzáles agrediu mulheres da casa repetidas
vezes e que se envolveu com você, tomando-a como exclusiva. Até que, logo após
um leilão, você desapareceu. – O delegado relatou. – Considerando o fato de
vocês ressurgirem juntos, devo crer que elas estavam certas.
-
Está deduzindo errado. – Agora, mesmo às portas da verdade, ela ainda tinha
dúvidas. – O leilão foi a coisa mais humilhante que já vivi. Fomos vendidas,
feito carne em açougue. Mas não foi Sebastian a me comprar. Um homem chamado Rodrigo Frashëri
pagou por mim. Sebastian me tomou dele porque sabia que eu não conseguiria
viver ao lado daquele homem.
- Então Sebastian a
comprou. – O delegado afirmou, ignorando o sentimentalismo.
- Não...não sei na
verdade. – Ela mentiu. – Talvez tenha aceito pagar o mesmo que Frashëri. Mas
ele desejava apenas zelar por mim. E jamais me tratou com agressividade, me
feriu ou deixou que passasse necessidade. Ele me levou para os EUA, e instalou
num apartamento.
- Você era sua
propriedade? A escrava ou a namorada? Você tinha a chave desse apartamento?
Essa era a grande
pergunta. Capaz de tirar Sebastian da cadeia ou selar seu destino.
- Eu fiz uma pergunta... –
Ele insistiu.
- Eu jamais me senti uma
escrava.
- Não foi essa a minha
pergunta. Você era livre?
- Inicialmente...não. Mas
nós saímos algumas vezes. Ele me tratava bem, zelava por mim. Jamais fui
maltratada e...
- Porque não procurou a
embaixada ou ligou para sua irmã assim que saiu da boate, se ele a salvou?
- Eu... – Liz, Sebastian,
Matt, Paty, Naná, Rafael e Eva estavam em sua mente. Não podia mentir. Mas
também não conseguia agir friamente. – Eu não sei...Mas foi Sebastian quem
disse que iria me trazer de volta, mesmo que isso representasse sua prisão. Ele
jamais soube que eu havia sido sequestrada. Ele foi enganado, tenho certeza.
- Você o defende? Mesmo
ele tendo-a mantido em cárcere privado? Escravisado-a tanto quanto Gabriela.
- Sem dúvida. É um homem
bom, que jamais quis meu mal. Quem precisa ser presa é Gabriela Alencastro.
Beatriz deixou a entral
de polícia chorando. Entre verdades e mentiras ditas, Sebastian não sairia
limpo. Mesmo tendo-o protegido de algumas acusações, jamais seria perdoado pelo
que fez. De certa forma, ela se sentia mais leve. Fizera o certo, cumprira o
que Sebastian lhe pedira, assim com Liz. Mas seu coração estava pesado.
Cabisbaixa, encontrou
Elizabeth ao entrar no apartamento. Eram 17hs e a irmã preparava uma xícara de
chá e falava ao celular. Acelerada como de costume, ela mexia as mãos e
caminhava de um lado para o outro. Mesmo triste, Bia pensou no quanto se
orgulhava da irmã. Tão justa e forte, ela soubera reerguer-se de muita dor. E
ela se inspiraria em Elizabeth para sobreviver a dor que agora lhe cortava o
peito.
- Como você está? – Ela lhe
perguntou assim que desligou o telefone.
- Destroçada. – Resumiu ela.
– Mas eu fiz o que você queria.
- O
seu sofrimento não me alegra, Bia. Nem um pouco. Ao contrário. Eu queria poder protegê-la
de tudo isso.
- Eu
sei. Mas não pode. – No fundo, ela entendia ter feito o certo. E sabia que
teria chegado ao mesmo destino mesmo se Elizabeth não a tivesse pressionado.
Porque era o certo a fazer. – Eu não a culpo, Liz. Apenas não queria estar
nessa situação.
-
Sua...sogra telefonou. Parece que ela e a filha de Sebastian estão vindo para o
Brasil. O advogado dele está cuidando de tudo, mas...Sebastian quer que você
zele por elas aqui. Como dinheiro não é problema, você poderá instalá-las no
hotel que preferir. – Elizabeth informou, agora conformada com a forma como a
vida de sua irmã tinha mudado. Não se tratava de algo passageiro, concluiu.
- Não
sei se dona Angelina irá querer a minha companhia quando souber que não protegi
seu filho no depoimento.
- Ele
não precisa ser protegido, Bia. E, pelo que Rebeca me detalhou dos autos do
processo, sua fala foi até mais branda que a do próprio Sebastian. Ele não
negou ter pago para tê-la, nem apresentou qualquer desculpa para tê-la mantido
presa. E ele não espera que você mentisse. Fique tranquila.
Beatriz
notou que havia em Elizabeth um novo tom de voz para falar de Sebastian. Não
era mais tão amarga ao citar seu nome e parecia não afastar qualquer ideia de
relacionamento com ele. Talvez fosse porque agora o destino estava selado e não
havia mais nada a fazer.
- Não
importa. Ele vai passar anos preso...e o meu depoimento colaborou para isso. –
Dizer em voz alta fazia doer ainda mais.
-
Não, ele não irá. – Liz afirmou.
- Por que diz isso? – Ela não queria
se permitir sonhar, mas a esperança tomou os olhos de Beatriz. – Eu não
neguei...
- Mas também não confirmou nem
denunciou nenhum crime hediondo ou contra a vida, que impossibilitaria um
acordo. Ao menos por enquanto, tudo o que pesa contra Sebastian Gonzáles é um
denúncia de agressão cuja vítima comentou em juízo, mas voltou atrás na hora e
assinar o depoimento, e a acusação de ter comprado você e tê-la mantido presa.
Mas nesse caso o seu depoimento o abona muito, com todo aquele papinho – mentiroso,
aliás – de que ele não sabia o que fazia e a tratava como a uma namorada. Nada
há de comprovado contra ele, forte o bastante para impedir um acordo.
- E quais são os termos desse
acordo? Até hoje cedo você não cogitava isso.
- Você pediu. E eu fui conversar com
ele. Reconheço que Sebastian é bastante tentador e convincente, quando quer. Ele
me ofereceu informações relevantes e eu pedi que Rebeca e Tom façam um acordo
formal. Seu namorado será solto em breve...
- Liz...eu nem acredito! Muito obrigada!
Muito! – Ela falava e abraçava a irmã, inundada pela felicidade. Liz não
mentia, se afirmava aquilo, era a verdade.
- Acalme-se! – Liz gostou de ver a
irmã sorrindo, mas precisou ser direta. – Não estou prometendo absolvição. Ele
terá de se acertar com a justiça. Isso caberá ao advogado dele. Mas o acordo no
qual ele passa todas as informações de que dispõem, logo deve ser oficializado.
E ele ganhará a liberdade temporária e vigiada.
- Obrigada! Muito obrigada! – Então ela
se lembrou de perguntar algo importante. – O que Sebastian ofereceu para você
de tão importante?
- Várias coisas. Entre elas,
endereços de boates que ele frequentou e que podem servir de esconderijo para
Gabriela. Se a prendermos, as chances de Sebastian melhoram muito.
Se dependesse de Samantha, Gabriela
já estaria morta. Elas vinham convivendo sob o olhar atendo de Nikolay. E em
alguns momentos ela tentou convencê-lo a dar cabo da antiga rival. Ainda não
havia conseguido. Não que Nikolay nutrisse alguma simpatia por Gabriela. Ela é
que era muito esperta e conseguiu mostrar a ele que, além de útil com os
clientes, tinha informações que lhe interessavam.
Gabriela Alencastro conseguiu
despertar em Nikolay curiosidade a respeito de uma antiga escrava sexual. Uma
garota, chamada Patrícia, brasileira que após se prostituir em seu país, chegou
à Europa e às mãos de Nikolay. Patrícia tornou-se sua exclusiva, depois ele a
levou para um apartamento próprio e manteve reclusa, feito escrava, sob um
tratamento ferrenho. Através de Gregory ela conheceu essa história. Ele
provavelmente soube pela própria Gabriela.
Pelo que se seu marido contava, Nikolay
chegou a se apegar a ela. Porém, quanto mais a relação crescia, mais agressivo
ele se tornava. Desejava-a subjugada para que jamais tivesse força para deixa-la.
Ele não excitava em feri-la, como prova de sua posse. Até que um dia soube que
Patrícia estava grávida. Um pedaço dele ameaçava crescer dentro dela. A ordem
ao aborto fora dada por telefone, em poucas palavras. Também pelo aparelho ele
soube das complicações e da possível morte da garota. Não demonstrou nenhum sentimento
ou arrependimento.
A escrava sobreviveu e nunca mais
aquele problema se repetiria. Estava sem útero. Ainda assim, ele não mais a
queria. Numa atitude que depois se mostrara impensada, ele a colocou para
trabalhar no tráfico de drogas, quase que numa vingança por ela ter ousado
gerar um filho seu. Na última missão, ela desaparecera ao levar drogas numa
viagem aérea. Ele jamais soube o que ocorreu com ela. A menina que chegara saudável
à Grécia querendo fazer dinheiro se prostituindo, terminou escravizada e
retornou ao seu país quebrada para então ser presa. E Nikolay, por muitos anos,
escondeu no fundo do peito o desejo de reencontrá-la. Samantha estava usando
isso.
Ela afirmava ter informações a
respeito de Patrícia. E, por mais gelado que Nikolay pudesse ser, aquela antiga
interrogação, permanecia com ele. Por vezes, desejava saber de Patrícia e tê-la
novamente ao seu comando, como a escrava obediente. E era essa a possibilidade
que o fazia manter Gabriela viva, ao seu alcance. Se ela realmente sabia algo
de Patrícia era uma incógnita. Não que Samantha estivesse interessada. Ela
resolvera apressar o final de Gabriela. A antiga mandachuva, hoje prostituta,
morreria muito em breve. E Nikolay jamais saberia como isso ocorrera. Seria a
vingança perfeita pelo que ela causou a Gregory.
- Quem é esse homem? – A loura
questionou, ao ser avisada de que deveria atender a um novo cliente.
- Não interessa. Ele quer você e
está disposto a pagar. Simples assim. Você tem cinco minutos para estar no
salão, onde ele a espera para levar a um hotel. Apresse-se.